domingo, 27 de maio de 2012

conte d'été




Houve um dia de Verão muito quente em que eu e um amigo resumimos, para um outro amigo nosso, um cadeirão de Direito num esquema de uma página, afiançando-lhe que, metesse ele aquilo bem metido na cabeça, e chegaria para passar.
São coisas assim que se devem fazer num dia de Verão muito quente, cada um espreguiçado no respectivo velho sofá, em calções e tronco nu: brincar com coisas sérias. Era a felicidade possível, a maior de todas.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

the water sustains me without even trying



"The Water", Been Listening (2010). Johnny Flynn & Laura Marling.

quarta-feira, 23 de maio de 2012


Morangos Silvestres (1957), Ingmar Bergman.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

throw away your books, make love



Throw Away Your Books, Rally in the Streets (1971), Shûji Terayama.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Portugal


Throw Away Your Books, Rally in the Streets (1971), Shûji Terayama.

terça-feira, 15 de maio de 2012

palo seco



O Charme Discreto da Burguesia (1972), Luis Buñuel.

"Buñuel praticou uma relação mental que não obedece à lógica tradicional. Afirmou o absurdo, mas apenas na parte da construção cinematográfica que não é material: ou seja, no desenvolvimento da sequência e na articulação dela com as restantes. Quanto ao resto, o seu material é sempre objectivo e não distorcido, totalmente espanhol. Não me lembro dum só plano, dum só fotograma de Buñuel em que não apareça um objecto real, familiar, quotidiano, apresentado a «palo seco». Essa é a grande diferença entre ele e o outro único surrealista válido do cinema, Jean Vigo, filho dum catalão. Vigo, apoiando-se na realidade objectiva, acentua-a e deforma-a com iluminação e ângulos excêntricos que, pela contribuição duma estética, dão novos sentidos ao objecto. Em Buñuel, o elemento de surpresa e contradição reside nas coisas tais como são: a matança dum porco é-nos dada com a mesma fidelidade com que a vimos em qualquer lugarejo e, apesar disso, parece-nos incrível, inadmissível, quando Buñuel nos dá a vê-la. Não é a arte de Buñuel que é surrealista; o mundo é que o é na sua obra. Não é por deformação sádica que nos mostra o mundo como cruel e duro; pelo contrário, Buñuel mostra a violência em planos brevíssimos sem comprazer-se nela, dando-nos apenas os dados imprescindíveis para que tomemos consciência disso, com enorme sentido de pudor. Jean Vigo foi um artista, um lírico, o profeta duma nova classe social que nascia. Buñuel é o cronista duma classe agonizante, que documenta laconicamente, sem querer dar-nos com essa crónica qualquer esperança".

F. Francisco Aranda, Luis Buñuel, Biografia Crítica, Ed. Lumen, Barcelona, 1969, p. 37, apud Ciclo Luis Buñuel, Cinemateca Portuguesa e Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Outubro/Novembro de 1982, p. 22.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

O holograma de Tupac Shakur



"Tupac foi alguém cujo desequilíbrio rimou com contradição, capaz de escrever uma letra feminista como «Dear Mama» e, logo a seguir, assinar uma coisa como «Wonda Why They Call U Bitch». Depois, e mais importante, Tupac foi daqueles artistas cuja carreira não se distingue da sua vida pessoal. Na verdade, os seus discos mais não são do que o relato diarístico das angústias e obsessões que viveu. O que é absolutamente ímpar no gangster rap de Tupac é que este se assume como uma reflexão existencial, violenta e suicidária, de um homem cuja formação artística e intelectual não foi suficiente para o tirar das ruas e das más companhias (e que o levaram, inclusivamente, à prisão)".

O meu artigo completo pode ser lido aqui.




terça-feira, 8 de maio de 2012

aqui tens mais um mistério



"Não há dúvida que O Anjo Exterminador é susceptível de ser interpretado. Qualquer pessoa tem o direito de interpretá-lo como quiser. Há quem lhe dê uma interpretação unicamente erótico-sexual. Outros, política. Eu inclinar-me-ia mais para uma interpretação histórico-social. Quando, numa conferência de imprensa em Cannes, perguntaram ao meu filho Jean-Louis porque é que aparecia um urso no meio da festa, ele respondeu: «Porque o meu pai gosta de ursos». E é verdade. Houve quem interpretasse o urso como a União Soviética que ia devorar a burguesia. Disparate total. Depois perguntaram-lhe qual o significado dos 17 planos repetidos no filme. Já tinha previsto essa questão e disse a Jean-Louis: «Responde assim: Porque quando acabou a fita, o meu pai reparou que era pequena e para aumentá-la...». As pessoas querem sempre explicações para tudo. É a consequência de séculos de educação burguesa. Para o que não conseguem explicar, recorrem, em última instância, a Deus. De que é que lhes serve? Era preciso, depois, que explicassem Deus. (...)
Olhe: se o meu melhor amigo, que morreu há muitos anos, me aparecesse, tocasse com os dedos na minha orelha e esta ardesse instantaneamente, nem por um segundo me convenceria que ele vinha do inferno. Não era isso que me faria acreditar em Deus, nem na Imaculada Conceição, nem que a Virgem me possa ajudar nos exames. A única coisa que pensava era: «Luís, aqui tens mais um mistério, que nunca vais perceber»".

Buñuel, a propósito de O Anjo Exterminador (1962), Ciclo Luis Buñuel, Cinemateca Portuguesa e Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Outubro/Novembro de 1982, p. 115. 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

quem é que disse que já não podíamos sair do cinema apaixonados?


Lola Créton em Un Amour de Jeunesse (2011), filme de Mia Hansen-Love.

(hic et nunc scriptum: é de muito mau gosto que a tradução inglesa seja "Goodbye first love". Não porque seja foleiro, mas porque significa que quem assim o traduziu nada percebeu do filme: em Un Amour de Jeunesse, não há nenhum adeus. Pelo contrário, há um eterno e insistente permanecer (passe a redundância), fascinante, comovente, louco - ou seja, tudo aquilo que faz do amor a coisa mais bela e mais terrível do mundo. Haveria muito mais a dizer e certamente que eu o gostaria de fazer, mas entre escrever uma lamechice e escrever uma banalidade que não chega, de perto, sequer, a  sondar o amor que esta menina sente por aquele menino, prefiro abster-me.)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

entristeceu-me muito



"Da primeira vez que viu o filme, Gustavo Alatriste [produtor de Viridiana] ficou um tanto ou quanto embasbacado e não fez qualquer comentário. Reviu-o depois em Paris, duas vezes em Cannes e por fim no México. No fim desta última projecção, a quinta ou a sexta, precipitou-se para mim contentíssimo e disse-me: «Luís, finalmente, formidável, percebi tudo!». Foi a minha vez de ficar perplexo. O filme parecia-me extremamente simples. O que é que era tão difícil de perceber?
Vittorio de Sica viu o filme no México e saiu horrorizado, deprimido. Meteu-se num táxi com Jeanne, a minha mulher, para irem beber um copo. No caminho, perguntou-lhe se eu era mesmo monstruoso e se lhe batia na intimidade. Resposta dela: «Quando quer matar uma aranha, manda-me chamar».
Em Paris, ao pé do meu hotel, vi um dia o anúncio dum dos meus filmes, com o slogan: «O realizador mais cruel do mundo». Tamanha estupidez entristeceu-me muito".

Buñuel, a propósito de Viridiana (1961), Ciclo Luis Buñuel, Cinemateca Portuguesa e Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Outubro/Novembro de 1982, p. 108.