Da minha janela vejo o Bósforo todos os dias: divisões e correntes, agitações e marés. Tal como no homem, tal como no mundo.
quarta-feira, 31 de dezembro de 2014
Walsh #21 Neve: branco mais branco (não) há/Essential Killing (Sopa de Planos)
O À pala de Walsh despede-se de 2014 com mais uma criativa, e agora branquíssima, sopa de planos ("sopa de neve" é coisa que não ficava mal no cardápio de um restaurante). O meu contributo a partir do Essential Killing (Skolimowski). Para ler ali ao lado (clicar).
Há muitos e belos planos com neve em Essential Killing (2011), de Jerzy Skolimowski. Aliás, a neve não é estranha a outros filmes da sua carreira; penso na cena esplêndida de Deep End (1970) em que Susan procura o seu anel de noivado: como então escrevemos, “um anel perdido na neve – só a imagem mental é arrebatadora”. Mas, dizíamos, em grande parte do filme, a neve é o décor da alucinante fuga de Vincent Gallo, e, se a brancura (da neve, da sua roupa, do cavalo que, a páginas tantas, encontra) é o tom predominante (embora, aqui, a “brancura” não evoque paz ou apaziguamento, antes uma paisagem adversa e inóspita à sobrevivência do ser humano), são também muitas as ocasiões em que o contraste cromático – sobretudo o vermelho do sangue de Gallo – é gerador de imagens lindíssimas, próximas de sonhos (como aqueles que Gallo tem dos seus familiares). É tingida desse vermelho que Skolimowski filma aquela que foi, para nós, como então elogiámos, a melhor cena do ano cinematográfico de 2011: literalmente quase a morrer à fome (entre feridas, cansaço, frio), Gallo cruza-se, inesperadamente, com uma mulher que transporta consigo o seu bebé. Vemo-lo, então, de revólver apontado à mulher, os olhos esbugalhados, momentaneamente nos passando pela cabeça a ideia de uma eventual violação pronta a consumar-se (o sexo como outra “fome”, outro instinto, por saciar pelo Gallo-animal). Mas não: Gallo ordena-lhe que destape um dos seios e, sôfrego, com a sua cabeça ao lado da do bebé (que mama do outro seio), mama o leite materno, poderosíssima ilustração da “animalização” para que Gallo tende ao longo do filme. Aqui, como no resto do filme, Gallo não pronuncia uma palavra; ao contrário, porém, do resto do filme, nesta cena, Gallo não “mata para viver” (o título em português): deixa viver e, com isso, ele próprio (sobre)vive (e, não matando aquela mulher e aquele novo ser, afasta a sua total “animalização”, conservando intacta a sua humanidade mais profunda). Aqui como quando veio ao mundo, a personagem de Gallo tem no alimento de uma mulher o meio indispensável à sua sobrevivência, tal e qual aquele bebé. Essential killing? Essential living.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2014
síndrome de antonioni
Desço pela Igreja da Lapa, passo a Praça da República e aproximo-me do centro da confusão. Começo a pensar que o Porto me parece estranho esta noite, mas, em pouco mais de dois, três segundos, que é quanto dura a ilusão comigo próprio, interrompo este raciocínio, pois sei bem quem e o quê que estão estranhos. A paisagem, e sua aparente transformação, são só o eco disso. Houve um homem que filmou isto tudo; chamava-se Antonioni.
2014 em filmes
- Ida de Pawel Pawlikowski
- Boyhood de Richard Linklater ex aequo com Heimat: A Chronicle of Germany de Edgar Reitz
- Bai ri yan huo de Diao Yinan
- La jalousie de Philip Garrel
- Ilo Ilo de Anthony Chen
- Interstellar de Christopher Nolan
- Gone Girl de David Fincher ex aequo Map to the Stars de David Cronenberg
- Ninphomaniac (Vol. I & II) de Lar von Trier
- Jeune & jolie de François Ozon
- Her de Spike Jonze
sábado, 27 de dezembro de 2014
contas e fantasmas
3 Corações: um filme sobre contas e fantasmas. Contas: Marc, o fiscal garante das contas públicas, "arruma as contas", as da empresa e as afectivas, de Sophie, mas "baralha as contas" daquela família, daquela unidade de três vértices (mãe e filhas), dessa contradição resultando o cardíaco "ajuste de contas" final (fatal). Fantasmas: Sylvie diz a Marc que a sua cidade, a província, é um fantasma (há ainda um outro diálogo em que o termo "fantasmas" é referido muito a propósito); serão eles os fantasmas um do outro e, não por acaso, será sempre no escuro que "assomarão" ao outro e se amarão em segredo. A cena final ("e se...") talvez seja também só isso mesmo, um fantasma.
Água do Bongo
"Pobre de Mim" (instrumental: Pedro, o Mau), EP Água do Bongo (2014). Nerve.
Ainda não é desta. Há tempos, anunciava aqui a colecção de sobras que Nerve disponibilizava ao mundo antes do seu come back discográfico. Parece, contudo, que isso só acontecerá em 2015. Até lá, temos Água do Bongo (título genial que não deixa de apontar, novamente, para a ideia de "restos", de "excrescência"), de que "Pobre de mim" é a minha predilecta. Download gratuito ali ao lado.
Tu foste parte minha. Quando foste, parte minha levaste. E assim, sem essa minha parte, fiquei só parte de mim. Metade de mim. Fiquei pobre. Pobre de mim.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
proto-conformista
Um Verão Violento (1959), Valerio Zurlini.
Parece-me que ninguém viu no Carlo (Jean-Louis Trintignant) de Um Verão Violento um aspecto (uma associação, mais precisamente) muito interessante. Como o próprio expressamente afirma, ele prefere seguir a manada, abstém-se de se rebelar, chegando mesmo a dizer do seu Pai (um fascista encartado), aquando da ocupação das propriedades dos homens do regime pela população, que ele "é que tinha razão" (Carlo escapa-se à guerra não por uma posição política específica, mas simplesmente pelos contactos do Pai). Carlo é, por tudo e em tudo isto, o proto-conformista do filme que Bertolucci viria a realizar onze anos depois, protagonizado, justamente, pelo mesmo Trintignant (O Conformista). Mais velho e devidamente inserido no "aparelho", mas igualmente triste, soturno. Um autêntico tecnocrata avant la lettre. É como se fosse um raccord entre os dois filmes e, simultaneamente, uma espécie de suspensão no tempo, bastando, para o efeito, imaginar que o regime do Duce não cai no filme de Zurlini e se prolonga pelos anos que dura a vida adulta de Carlo (ou... Marcello).
sábado, 20 de dezembro de 2014
faina fluvial
André Bazin terá dito que ficara incomodado - no melhor sentido possível - com alguns planos, a seus olhos estranhos, insondáveis, de Douro Faina Fluvial (1931), e a estranheza tem razão de ser. Não sei se apenas pela composição do plano em si, senão também favorecida pela montagem ruttmaniana.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2014
black messiah
"Really love", álbum Black Messiah (2014). D'Angelo.
Ao contrário do que tenho ouvido dizer, não acho que o som de D'Angelo tenha mudado com Black Messiah. Ele, sim, está algo diferente, mais político, mas na linha poética de um Curtis Mayfield, aquela que, pessoalmente, mais me interessa. Portanto, dizia, o som é, com umas nuances rock aqui ou ali, sensivelmente o mesmo. O que, no caso, só é bom. Black is back.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
Walsh #20 Crítica "Odete" (Noutras Salas)
No âmbito do ciclo "Harvard na Gulbenkian", com o qual o À pala de Walsh estabeleceu uma parceria, a Fundação Calouste Gulbenkian exibe, hoje, Odete (2005), a segunda longa-metragem de João Pedro Rodrigues e, quanto a mim, um dos grandes filmes do cinema português. A minha crítica, que me deu mesmo muito gosto de escrever, pode ser lida no local do costume - ali (clicar).
O primeiro beijo de Odete, o mesmo é dizer, o primeiro (grande) plano do filme, é tão belo quanto o beijo que Audrey Hepburn e Paul Varjak, os dois pingando à chuva, imortalizaram na última cena de Breakfast at Tiffany’s (1961, Boneca de Luxo), de Blake Edwards. Podíamos ficar por aqui, porque já teríamos dito muito, talvez o essencial, da segunda longa-metragem de João Pedro Rodrigues (...). A citação (a nossa e a que o filme explicitamente lhe faz) não é por acaso – Odete é matéria puramente cinéfila, e num duplo sentido: intradiegeticamente, na medida em que as personagens assistem, efectivamente, ao filme de Edwards (é “o” filme do casal de Odete, Pedro e Rui); mas, mais importante, extradiegeticamente, no sentido em que, com essa citação, o filme projecta a carne de que é feito: a recuperação, a reabilitação, enfim, o exercício de fazer renascer os mortos, os fantasmas, aqueles que já partiram.
(Excerto)
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
sábado, 6 de dezembro de 2014
Naomi
Passei as últimas noites a tentar acabar Naomi, de Jun'ichirō Tanizaki, como se me estivessem a torturar - aliás, como se Naomi, além de Jōji, me torturasse a mim também. Acabei o livro ontem, no comboio, e a primeira imagem em que pensei depois de o fechar foi neste plano da Rosamund Pike no Gone Girl. Mais do que o perfil psicótico e manipulador de ambas as mulheres (Naomi e Amy), o que verdadeiramente liga o livro com o filme é o seu mórbido, horroroso final: em ambos os casos, a relação do casal não termina, mantém-se, mesmo depois de todas as provas dadas do que de errado, doentio, sinistro, ela comporta. O perverso nesse final é o que de pacificador ele carrega: depois do tumulto (a separação de Naomi e consequente desespero de Jōji; o reaparecimento de Amy), tudo volta ao "normal", que, no caso, significa a conformação, a resignação, a podridão do que algum dia já se pôde chamar amor e a certeza de que, dali para a frente, o inferno é condição tacita e mutuamente aceite.
Num segundo momento, quando visualizei Jōji completamente submisso às mordomias e caprichos (todos e mais alguns) e aos amantes (... todos e mais alguns, também) de Naomi, foi de Martha que me lembrei (escrevi sobre o filme aqui), encarcerada ("entrevada" nunca fez tanto sentido), no final do filme, numa cadeira de rodas, e, por isso, definitivamente presa na masmorra barroca tutelada por Helmut.
Conversas à Pala no Porto #2 Porto Post Doc
A segunda edição das Conversas à Pala, que teve como objecto o festival Porto Post Doc e convidado o Director Dario Oliveira, já pode ser vista e ouvida - ali (clicar). Bom festival.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
"ir às vistas"
Oiço, de passagem, na RTP Memória, um senhor muito velhinho, médico vetusto, dizer que, no tempo dele (anos 20, 30), ele e os amigos tinham o hábito compulsivo de "ir às vistas". Fico curioso e, quando me aproximo da televisão, vejo umas cenas dos filmes do Chaplin a passar. Ir ao cinema, portanto. Ir às vistas: como se de uma paisagem se tratasse, pela qual o olhar se demora, contempla, perde... Cinefilia em estado puro.
boyhood
Saí do Boyhood como pude. Isto é, queria ficar até ao fim dos créditos, mas, mal começaram a rolar, não quis passar vergonhas, por isso levantei-me como um fósforo e saí, lá está, como pude, cambaleando, canhestro. Mas nem por isso o acaso me foi gentil quando eu mais precisava e, portanto, as portas automáticas do estacionamento não funcionaram. Com uma mão a tapar a cara de uma luz que não existia, pedi ao segurança, de longe, que resolvesse o problema. Meti-me no carro. Mandei mensagens a duas ou três pessoas da minha vida e deitei-me com a certeza de que finalmente tinha percebido o meu Pai quando diz que, às vezes, mais vale não ir ao cinema (a outra certeza, que já não é de agora, é que o Ethan Hawke é o melhor actor do mundo, sobretudo a ser desvalorizado e, culpa do próprio, a escolher alguns dos filmes em que se mete).
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Walsh #19 As escadas que nos descem/Strangers on a Train (Sopa de Planos)
Grande caldeirada, esta, em torno das escadas, topos cinematográfico por excelência. Tive dificuldade em decidir-me (acontece-me sempre isto: lembro-me de uma série de planos, que já abordei em filmes sobre os quais escrevi crítica, sobre o objecto em causa, e faço um esforço olímpico para me aventurar por outras paragens), mas eis Bruno, esse psicopata charmoso que só Hitchcock saberia fabricar. Leiam tudo aqui (clicar).
Se pensarmos em escadas e terror no Cinema, rapidamente nos virão à memória cenas óbvias de filmes de Hitchcock, Lang, Brian De Palma, Dario Argento, Kubrick, Polanski. Na grande maioria das vezes, a utilização das escadas serve como uma ferramenta de construção do suspense intra e extradiegeticamente, i.e., de indução de ansiedade nas próprias personagens e no espectador: é o ruído do pisar das escadas (muitas vezes fatal), é o vulto que fugidiamente passa de um patamar para o outro sem que o possamos (nós e as personagens) identificar, é a “subida” que as escadas potenciam para a descoberta de uma verdade, um segredo, um crime cruel, que habitam no topo da casa (mormente, no “sótão”, mito dos mitos habitacionais). Ora, em Strangers on a Train (O Desconhecido do Norte-Expresso, 1951), encontramos aquelas que são das escadas mais assustadoras que nos lembramos de ver no Cinema sem o recurso, curiosamente, a todos esses engenhosos artifícios, porque o efeito, aqui, é outro. A imensidão das escadas (linhas horizontais), conjugada com a monumentalidade das colunas (linhas verticais) sobre elas apoiadas, porque desajustada da escala humana, cria uma perfeita sensação de esmagamento, brutalidade, de “diminuição” ou apagamento do indivíduo (não é por acaso que as grandes ditaduras, sobretudo o fascismo italiano, usaram e abusaram de opções arquitectónicas nesta linha). Mas agora veja-se o paradoxo: nessa realidade desajustada da escala humana, vemos, ao longe, um ponto, um vulto: trata-se de Bruno, com quem Guy, numa “strange” viagem de comboio, acertou um duplo perfect murder. Ao contrário do que seria de supor pelo que escrevemos atrás, a figura de Bruno não está “diminuída”, não é “insignificante”, não é, enfim, um ponto minúsculo na paisagem. Bem ao invés, e porque neste momento do filme Guy se sente já profundamente aterrorizado pela perseguição constante de Bruno, que parece “estar em todo o lado” (ilustra-o, além desta, a cena nas bancadas da partida de ténis), Bruno, pese embora a paisagem colossal em que se encontra enquadrado, parece que “cresce”, que se agiganta, qual stalker omnipresente – “He sticks so close he’s beginning to grow on me – like a fungus”, dirá Guy.
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
Walsh #18 Crítica "O Sacrifício" (Noutras Salas)
Corri esse supremo risco que é o de escrever sobre os filmes do Tarkovsky e o resultado está aí, na minha nova crítica para o À pala de Walsh, desta feita em torno de "O Sacrifício" (1986), o último filme do grande realizador russo. Há muito tempo que queria escrever alguma coisa sobre os seus filmes e a verdade é que, pese embora o pouco tempo de que dispus para o efeito, me deu muito gozo poder dedicar-me a pensar sobre este filme e, inevitavelmente, a revisitar os anteriores. Pessoalmente, "O Sacrifício" estimula-me, especialmente, pelo convite que faz à reflexão sobre territórios que nem sempre tenho tido oportunidade de explorar em textos sobre cinema (e, talvez, de explorar no geral...): a espiritualidade, a transcendência, Deus.
O texto podem-no ler aqui (clicar); o filme poderão vê-lo amanhã, no Cineclube Ao Norte (Viana do Castelo), 21h45, pela módica quantia de zero euros.
Alexander deverá fazer amor com Maria (“Maria” – quem mais? –, qual medium divino), revelação que lhe é feita por Otto (um carteiro que traz notícias não é muito diferente, afinal, de um… “anjo mensageiro” gabrielesco) – embora – e não conseguimos ficar em paz com isto…. – do discurso de Otto não seja absolutamente linear se essa salvação se traduz no fim da guerra e na continuação da vida humana ou, simplesmente, no fim de tudo de uma vez só, para evitar mais sofrimentos. Encare-se ou não com razoabilidade a condição revelada por Otto a Alexander (a plausibilidade nunca foi, de resto, uma preocupação para a espiritualidade, antes sendo o implausível justamente condição e meio de legitimação da sua força e espectacularidade), o certo é que melhor ilustrativo do desligamento espiritual dos homens não podia existir do que a incredulidade com que Alexander acolhe a revelação de Otto – no fundo, e extremando o ponto de vista para nos fazermos entender: se, um dia, o mundo estivesse prestes a acabar e nos revelassem que aquele era o único modo de evitar o fim, cederíamos ou não na sua execução? Teríamos fé?
(Excerto)
sábado, 22 de novembro de 2014
l'art d'aimer
Num livro emprestado e esquecido, encontro um bilhete de cinema perdido. L'art d'aimer, o título do filme. Muito (ou nada) ironicamente, nunca cheguei a ir ver o filme. A tira de papel que é suposto ser cortada à entrada está intacta. Por curiosidade, dou uma olhadela no que se escreveu sobre o filme e vejo que não perdi nada. E é isso: não perdi nada.
sexta-feira, 21 de novembro de 2014
Árvores, Pássaros e Almofadas (2)
"Gestos cinematográficos", álbum Árvores, Pássaros e Almofadas (2014). Minus.
O aguardadíssimo novo álbum de Minus (clicar) será apresentado este sábado, dia 22 Novembro, no Plano B. Como aperitivo, fica o teledisco de "Gestos cinematográficos", o segundo single (depois de "Marionetas") colocado a rodar.
Sobre "Gestos cinematogáficos" e respectivo teledisco haveria um monte de coisas para dizer e efabular (começando no "cinema" que se "ouve" na letra, passando pelo cinema mudo do teledisco e, sobretudo, de quem o "interpreta", terminando, enfim, no cinema, i.e., na representação, que é a vida/o amor e vice-versa). Guardarei-me para a crítica que escreverei ao álbum, que em breve publicarei e divulgarei por aqui.
sábado, 15 de novembro de 2014
"Conversas à Pala": Porto Post Doc, 19 Novembro, 21h, Cinema Passos Manuel
Cartaz: Lisa Marques
A próxima "Conversa à Pala" prossegue já no próximo dia 19 de Novembro (quarta-feira), com encontro marcado para as 21h, no Cinema Passos Manuel (antes da exibição do filme "Uivo", de Eduardo Morais, pelas 22h). Os meus colegas João Araújo e Sabrina Marques terão como convidado Dario Oliveira (Director do Porto Post Doc e Co-Director do Curtas Vila do Conde), numa conversa que se centrará no novíssismo Festival Porto Post Doc (apesar das sessões avulsas que vêm sido realizadas no Passos Manuel), que promete agitar com a cidade e com a cinefilia. A não perder.
Entrada gratuita.
terça-feira, 11 de novembro de 2014
I call your name
"I call your name", álbum Switch II (1979). Switch.
I used to think about immature things
You know like, do you love me? Do you want me?
Are you gonna call me like you said you would?
Is this really your real phone number?
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Conversas à Pala no Porto #1 Satyajit Ray
Já está disponível on-line o vídeo da primeira Conversa à Pala no Porto, no Teatro Municipal do Campo Alegre, dedicada ao cinema do realizador Satyajit Ray. Vejam tudo aqui (clicar).
sexta-feira, 7 de novembro de 2014
uma noite do caraças
Há muito tempo que oiço, leio e escrevo sobre hip-hop (é só dar uma vista de olhos rápidas pela barra lateral do blog). Há muito tempo, também, que percebi que o moralismo é, quase sempre, um mau ângulo de análise das coisas - ao menos como princípio de análise. Nunca embarquei, por isso, na onda de que o hip-hop "pedagógico", o "verdadeiro" hip-hop (a "verdade" nas coisas da arte vale sempre o mesmo, independentemente da vertente ou corrente: nada ou perto disso), o hip-hop que "ensinava valores" morreu. Não porque não acredite que esse tipo de hip-hop existe - porque existe (e não morreu!) -, mas porque sempre rejeitei ortodoxias e purismos que, como se sabe, à mínima fragilidade, sucumbem, por incoerência, irrealismo ou, simplesmente, estupidez. O hip-hop, como qualquer outro género músical, como qualquer arte, pode e deve ser o que quiser ser, melhor dizendo, o que os seus intépretes quiserem fazer dele. Sem que isso isso signifique que tudo o que daí resulte seja bom e sem que me impeça de ter gostos e visões orientadas do hip-hop que creio ser o que, hoje e, especialmente, hoje visto daqui a 50 anos, é o mais interessante, talentoso, audacioso. Enfim, que, de alguma forma, contribua para a formação de certos "cânones", que, não sendo, decisivos, não deixam de ter o seu peso.
Tendo em conta tudo isto, e apesar de tudo isto, e também porque já levo algum tempo a escrever e a pensar sobre um género que acompanho quase desde que me lembro de gostar de música, chegou o momento de dizer "alto!" e traçar uma linha divisória: uma linha clara, linear e sem relativismos de conveniência.
O videoclip de "Hell Of A Night" (clicar), faixa de Oxymoron (que, de resto, rodou durante algum tempo nos meus ouvidos, mas que é significatimente inferior aos dois álbuns anteriores do senhor que a seguir enuncio), álbum lançado este ano por Schoolboy Q (elemento da Black Hippy, crew de Los Angeles editada pela Top Dawg Entertainment), é um apelo gratuito, grave e agressivíssimo ao consumo de drogas - e não estamos a falar de drogas leves. Estamos a falar de cocaínas, ectasys, cristais, anfetaminas, enfim, you name it - tudo o que conseguirmos entrever naquela recambolesca pasta, e que, de uma só assentada, é depositado numa batedora, donde sai, voilà, um super cocktail tóxico de fácil e imediata ingestão, e que Schoolboy Q não dispensa de tomar bem nos nossos olhos (para não haver dúvidas). Isto já seria mau, mas, durante o videoclip, Schoolboy Q insiste - talvez pensando que nós ainda não percebemos completamente a ideia - em dar-nos a ver como uma "noite do caraças" ("hell of a night") passa pelo consumo de todas aquelas substâncias uma por uma (além do coktail!). O modo sedutor, fascinante - em registo publicitário, como é típico de 80% dos videoclips do hip-hop (e não só) contemporâneo, com a montagem de planos muito apressada a fazer jus ao "You Only Live Once", adágio da adolescência facebookiana (Horácio, carpe diem, voltem!) - com que tudo é filmado não tem outro fim senão o de enaltecer, engrandecer, glorificar a solução para uma "noite do caraças": drogas e mais drogas. Estou completamente seguro de que não é preciso ser um maluquinho do tipo "War on drugs" - que não é o meu caso - para ver o que eu vi neste videoclip.
Mas se tudo ficasse por aqui, ainda estávamos só no campo das teorias chatas. Contudo, da mesma forma que eu, enquanto adolescente, me quis vestir como os Mind da Gap ou os Gangstarr, grafitar paredes, dançar e ser desinibido como os Pharcyde eram no videoclip da "Drop", os miúdos de hoje irão querer ter "noites do caraças" (quem é que não quer, afinal?) como aquela que podem ver (e tornar a ver, aguçando o apetite) no videoclip de "Hell Of A Night". Para isso, saberão, fascinados com o psicadelismo sexy do que viram, que tudo do que precisarão - basta isso! - é de uma mala como a que lhes Schoolboy Q lhes mostrou (que cita a mala do Fear and Loathing in Las Vegas do Terry Gilliam, mas, aí, a trip era outra e bem mais interessante). Try this at home, diz-lhes, despreocupadamente, o videoclip, depois de exibir um tipo, em notória hell of a trip, a remover um órgão de outro à facada. Hell of a night.
Não vale a pena vir com o velho do truque de "ah, mas o que ele está a fazer, na verdade, é criticar" ou citar a cruz luminosa que se vê no meio da festa como sinal de redenção e, tão artisticamente conveniente, do tal "oxímoro" que dá título ao álbum. Bullshit. Não vale a pena contra-argumentar, também, com os video-jogos violentos, os filmes, etc.: isso só prova a desorientação de quem, pretendendo-se de anti-moralista, rejeita compreender e enfrentar as grandes questões, preferindo refugiar-se no confortável relativismo do "que se lixe, já existe tanta porcaria, porque é que agora vêm falar nisto?". Que se lixe, sim, porque este texto não vai (nem tem tal pretensão!) contribuir em e para nada, mas, pelo menos, enquanto ouvinte e amante de uma cultura que partilhei com tantos amigos (alguns deles inclusivamente músicos de hip-hop) e que me esforço por divulgar e transmitir aos mais novos que me são próximos, tenho que dizer que música desta não honra o hip-hop e, sobretudo, incentiva comportamentos que, se é certo que acontecem todos os dias (e faz parte da vida que aconteçam!), não têm de ser estimulados desta forma agressiva, luxuriosa e estupidificante.
E o Kanye West que me permita a adulteração: I'm NOT just sayin'.
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
"Alex from Target"
Leio esta notícia e só me lembro do Benigni do To Rome with Love, do Woody Allen. Já não é só aquela coisa da ficção virar realidade; o próprio real é uma ficção. Entendamo-nos: Alex - não o rapaz, coitado, mas o fenómeno-Alex - é, em si, uma ficção, algo que não existe, um não-acontecimento. Alex é... nada. É talvez esse o destino de todos os processos de decadência por que encarreira uma civilização: o nada.
terça-feira, 4 de novembro de 2014
claro que está tudo bem
Dois casais de idade encontram-se na sala de cinema. São afáveis e têm gosto em se verem, o que me toca momentaneamente. Quando uma das mulheres lhes pergunta se está tudo bem, a outra responde toda despachada: "Claro que está tudo bem, estamos no cinema!". Santa tautologia.
sexta-feira, 31 de outubro de 2014
Walsh #17 - O fumo diz, o fumo cala/O Deserto Vermelho (Sopa de Planos)
Decorreram ontem as primeiras Conversas À Pala no Porto, no Teatro do Campo Alegre. Foi um momento de debate e convívio em torno do cinema de Satyajit Ray e das linhas de força, cinematográficas e não só, que ele convoca: a Índia, o exotismo, o "realismo" (e o neorealismo italiano, por inerência), o melodrama, a "universalidade" e a "particularidade", etc..
Muito em breve, o video da Conversa estará disponível on-line. Até lá, aproveito para dar conta da última Sopa de Planos, na qual participei com um apontamento sobre O Deserto Vermelho, do Mestre Antonioni. Fumem tudo aqui (clicar).
Il deserto rosso (O Deserto Vermelho, 1964) é um filme, em si mesmo, a transbordar de fumo de uma ponta à outra (e, quando não é fumo, é… nevoeiro), um pensativo cigarro de Antonioni sobre a vida moderna mas, também, sobre o próprio cinema (sobretudo a partir da cor enquanto recurso fílmico). Curiosamente, um filme fumarento em que, ao contrário de tantos outros de Antonioni, o fumo provém não tanto dos cigarros como dessas fábricas que, parafraseando Antonioni, também podem ser belas. O fumo do progresso, com certeza, mas também o fumo etéreo que dissolve/no qual se dissolve Monica Vitti, que a aliena da realidade – não por acaso a ouvimos a dizer, não sem o seu quê de mórbido, que “C’è qualcosa di terribile nella realtà, e io non so cosa sia” (tradução livre: “Há qualquer coisa de terrível na realidade, mas eu não sei o que é”). Naquele que foi o primeiro filme a cores (e se muitas delas foram pintadas artificialmente, quem pode dizer, com segurança, que o que vemos no ecrã não são já as cores induzidas pela distorção mental de Vitti?) do Mestre italiano, o fumo ora contrasta (como uma reminiscência do preto e branco) ora se harmoniza (como neste plano) com as cores e respectivas temperaturas da Ravenna industrial por que Vitti, como em todos os filmes da “Trilogia do Silêncio”, deambula insatisfeita, entediada, neurótica. Para um realizador que fez da relação entre a paisagem e a psicologia dos personagens uma das traves-mestras da sua arte, o fumo é o primeiríssimo indício do tal mundo novo (o do progresso, da indústria, da tecnologia), da tal nova natureza ou nova harmonia (como escreveu Manuel S. Fonseca n’As Folhas da Cinemateca Portuguesa) que Vitti (Antonioni?) encara, nisso vendo alguns uma mera necessidade de adaptação (caso do crítico que citámos), outros uma autêntica opressão visualmente representada através do “esmagamento” dos personagens pelos colossais edifícios e máquinas fabris, bandeiras, por sua vez, de todo um regime de produção metódico, frio e utilitarista. Troque-se “produção” por “existência” e eis aquilo para que Antonioni chama (somos tentados a escrever “chamou”…) a nossa atenção.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Ida, no Passos Manuel
A Milímetro exibe, hoje, Ida (2013, Pawel Pawlikowski), aquele que foi, para mim, um dos filmes do ano. Não percam. Às 22h, no Passos Manuel.
terça-feira, 28 de outubro de 2014
o chão está solto
"De que adianta
ter os pés na Terra
se a Terra os tem aqui no Universo?
(...)
o chão está solto, José
solto
e rodando firme aí no espaço".
com os pés na terra, Francisco Azevedo.
sábado, 25 de outubro de 2014
Conversas À Pala - próxima quinta-feira
Renova-se o convite: Satyajit Ray, comentado e efabulado pelos nossos convidados Daniel Ribas e Pedro Flores, na primeira Conversa À Pala no Porto. Já na próxima quinta-feira (30 Outubro), no Teatro Municipal do Campo Alegre, pelas 21h.
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
vidas fodidas
Vestiam coletes com a sinalética do município enquanto arranjavam o jardim, mas algo me disse que as duas mulheres não estavam no seu habitat natural, talvez pela forma pouco profissional com que lidavam com o assunto, talvez pela cumplicidade que, ao longe, pelos gestos e esgares que trocavam, lhes advinhei. Cabelo loiro desgrenhado, quarentonas, gastas e mal tratadas pela vida e por si próprias. Creio que seriam duas presidiárias, numa saída para "trabalho comunitário". Quando passei mais de perto por uma delas, debruçada num saco do lixo e com uma vassoura na mão, a mulher elevou-se e, quando se preparava para falar com a outra que tratava do jardim mais ao longe, acabou por desabafar, fanfarrona, com os dois: "Vida de jardineiro é fodida... Rai's parta a jardinagem".
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
Árvores, Pássaros e Almofadas
Com lançamento agendado para dia 22 de Novembro (Plano B, 22h), o aguardado álbum de Minus, Árvores, Pássaros e Almofadas, já tem o primeiro single a rodar, com produção a cargo de Virtus.
"Marionetas" diz bem do que vem aí. Enjoy.
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Heimat
Heimat - Crónica de Uma Nostalgia (2013), Edgar Reitz.
Sei, com a mesma certeza que tenho duas mãos e dois olhos, que Heimat nunca sairá de mim. Tal como este Antonioni ou aquele Bodganovich nunca saíram nem sairão. Diferentes na forma e na narrativa, têm em comum - em menor dose o de Antonioni, porventura - o facto de serem filmes "totais", no sentido em que abarcam a vida toda: as emoções todas, as questões todas (as existenciais e as mais corriqueiras), as fases biológicas todas (desde o primeiro dia em que nascemos ao dia que vamos a enterrar).
Crónica de uma nostalgia. Quão certeiro, trágico, maravilhoso é este título. Através dele, a câmara de Reitz é como se fosse o olhar de Deus: o que é nostálgico, aqui, é a própria "vida", o dia-a-dia dos homens, e é Deus que o narra, é Deus o cronista.
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
"Conversas À Pala" no Porto - Satyajit Ray, 30 de Outubro, Teatro Municipal do Campo Alegre
Cartaz: Sabrina D. Marques
Na sequência do que tinha prometido, divulgo agora a realização, no dia 30 de Outubro (quinta-feira), no Teatro Municipal do Campo Alegre, das Conversas À Pala, uma iniciativa do À Pala de Walsh com raízes em Lisboa (e na Cinemateca) e que agora passará a ter também um pólo no Porto, numa equipa composta pela Sabrina D. Marques, pelo João Araújo e por mim.
A primeira Conversa À Pala iniciar-se-á impreterivelmente às 21h e antecederá a exibição do primeiro filme do ciclo organizado pela Medeia Filmes dedicado ao realizador indiano Satyajit Ray. Oportunidade para falar do outro grande "Ray" (a par do Nicholas) do Cinema com Daniel Ribas (Investigador, Docente universitário e editor da Revista Drama) e Pedro Flores (Realizador, Argumentista e igualmente editor da Revista Drama).
Marquem já nas vossas agendas e... até breve!
sábado, 11 de outubro de 2014
Palha, Paus e Pérolas
Enquanto salivamos - há tempo demais, tantos têm sido os adiamentos - pelo anunciado (já quase um mito, por esta altura) Trabalho & Conhaque - ou - A Vida Não Presta & Ninguém Merece a Tua Confiança (sucessor da obra-prima Eu Não das Palavas Troco a Ordem, 2007), Nerve teve a gentileza de nos brindar com uma compilação de sobras, i.e., faixas isoladas e colaborações que não entraram em nenhum dos seus trabalhos oficiais até ao momento. São 30 faixas de ouvir e chorar por mais que encontramos reunidas em Palha, Paus e Pérolas (2014) - e, se estamos a falar de Nerve, sabemos como este choro pode provir das mais diversas fontes: tristeza, alegria, humor, acidez, ironia, morbidez, perversidade, deboche, etc..
É tudo isto e bastante mais - há sempre uma surpresa, uma curiosidade, uma peculiaridade a mais que nos rouba um sorriso - que podem encontrar nesta compilação (download gratuito aqui) de um dos mais talentosos e idiossincráticos rappers portugueses. "Boa noite, estúpidos!"
segunda-feira, 6 de outubro de 2014
Conferência "20 anos da entrada em vigor da CNUDM: Portugal e os recentes desenvolvimentos no Direito do Mar"
No âmbito do Ciclo de Conferências organizado pelo Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), em colaboração com o primeiro, realiza, no próximo dia 29 de Outubro (quarta-feira), no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP), uma Conferência sobre os recentes desenvolvimentos do Direito do Mar e a nova Lei de Bases do Ordenamento do Espaço Marítimo.
Programa e cartaz no sítio da FDUP.
sábado, 4 de outubro de 2014
terça-feira, 30 de setembro de 2014
Walsh #16 - Sopa de Planos e... novidades
Este mês, por manifesta falta de tempo, o meu contributo para o À Pala de Walsh resumiu-se à minha habitual participação na Sopa de Planos, não me tendo sido possível escrever, como gostaria, a minha crítica.
Bom, sendo assim, o saldo final é a escolha deste plano estupendo d'O Gebo e a Sombra (2012), o penúltimo filme de Manoel de Oliveira e o último que tive oportunidade de ver e amar. No meio desta autêntica "sopa de pedra", falo de estátuas, de Deus, do dinheiro, do Portugal de Raúl Brandão e do nosso (nosso e de Oliveira, por supuesto). Não deixem, então, de ler esta sopa mesmo aqui ao lado (clicar).
Entretanto, aproveito para anunciar, em primeira mão e com enorme satisfação, que, a partir de Outubro, as Conversas À Pala de Walsh (cfr. aqui) também se passarão a realizar, com o mesmo formato, no Porto, mais concretamente, no Teatro do Campo Alegre. A estreia acontecerá à boleia do ciclo que a Medeia Filmes dedicará, a partir de 30 de Outubro, ao grande Satyajit Ray. A breve trecho anunciarei aqui mais detalhes. Fiquem atentos.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
mais devagar
Já não via este senhor velhinho há muito tempo, talvez um ano. E, tal como da última vez que o vi, interpelou-me da mesma forma. Sentado no muro da entrada de uma casa, com um certo ar desorientado, olhou-me nos olhos e, com um ar muito sério, exasperado, indignado, até, disse-me: "Olhe lá, ande mais devagar!". Só isto. E eu, já na passada, envergonhado, a disfarçar o sorriso, o meu peito e o meu fato a encolherem. Não quero andar mais devagar, penso, mas, precisamente enquanto penso, enquanto me retenho naquela frase, metafórica até ao tutano, desacelero o passo. Talvez o velho não saiba - tenho quase a certeza que sim, há muita ironia naquela frase -, mas o que disse vai directo ao fundo de mim, provavelmente porque a vida que levo - acelerada - não é, nunca foi, a que imaginei que viveria. Não é coisa que me desagrade, mas sobre a qual não deixo de me interrogar, nem que seja para me confrontar comigo mesmo, para me apalpar e lembrar-me do Francisco que cresceu feliz em Requesende com o Papá e a Mamã, o Tiago Grande e o Senhor Cunha, mais tarde o Lucas.
I think I'll give her a call
"Give Her a Call", álbum Spirits (1994). Gil Scott-Heron.
"When I get back to my life
I think I'm gonna give her a call
She's been waiting patiently
For me to get myself together
And it touches something deep inside
When she said she'd wait forever
Because forever's right up on me now
That is, if it ever comes at all
And when I'm back to my life I think I'll give her a call"
domingo, 21 de setembro de 2014
saturday afternoon fever
Sábado, meio da tarde, toca a campainha. Estranho o facto, mas desloco-me para atender. Do outro lado, a senhora apresenta-se como Augusta, que está acompanhada pela Olímpia. Prefiguro duas senhoras nos seus 70 anos. Perguntam-me se podem fazer umas perguntas. Estou quase a a agradecer e a dizer que o produto - não sei sequer qual - não me interessa, mas, por simpatia, digo que sim.
"Acha que os mortos podem voltar a viver?"
Depois do impacto, penso em responder-lhes que sim, que me acontece de presenciar isso mesmo todas as semanas, em salas escuras com um um grande ecrã luminoso. Receio, no entanto, que não haja abertura nesse sentido (quem é o excêntrico, afinal?) e opto por uma resposta mais prosaica. "Olhe, à primeira vista, eu diria que não....". Dou especial ênfase ao à primeira vista. Do outro lado, recebo, como resposta, compreensão e uma citação da Bíblia - "Mas sabia que, na Bíblia, ...".
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
feira do livro (3)
Vamos para a última curta, as cadeiras totalmente ocupadas, gente sentada e deitada nas escadas e nos varandins do auditório, e um dos presentes, numa louvável associação entre as condições térmicas que se fazem sentir e o défice cultural que ainda vitima a cidade, exclama bem alto: "ESTÁ MUITO CALOR! É PRECISO UMA CINEMATECA PARA PÔR ESTA GENTE TODA!". Ouvem-se palmas. Primeiro tímidas, depois um pouco mais exuberantes. Ainda assim, poucas, insuficientes. Uns segundos depois, novo ribombar: "ONDE ESTÁ A MASSA CRÍTICA?". No vai-não vai de novo pregão, e ninguém poderá afirmar que dali não podia nascer uma rebelião que só pararia já de madrugada no governo central, a curta começa. Sentados, siderados. Sai-se, fuma-se um cigarro, duas ou três impressões, casa. O cinema é o ópio do povo.
feira do livro (2)
Enquanto via as curtas do Pasolini, ouvi muita a gente a rir-se como o João Botelho dizia que a maioria das pessoas se ria nos filmes do César Monteiro. A frase torna-se mais inteligível se o "como" do riso for trocado pelo "quando", i.e., o(s) momento(s) em que ele (riso) se manifesta.
feira do livro (1)
Tive um brutal déjà vu enquanto via as curtas do Pasolini. Remeteu-me para outros Pasolinis (o que é normal), para Chaplin [mesmo antes da citação explícita, o que também é normal (não a citação, mas a minha remissão)], para Tati e, como sempre, para a primeiríssima vez que fui, pela mão do meu Pai, ao Nun'Álvares (ao cinema) ver o Jour de Fête. Mas mais do que isso: é a remissão para um certo humor primitivo (não confundir com primário), humilde, "rural" (na paisagem e no desprendimento dos mais simples), de desgraçados e pobretanas a lutar pela sua dignidade (se, como alguém disse, a felicidade não é alegre, a luta pela dignidade triste não é). A provar que a riqueza mais importante é, de facto, a de espírito.
Dizer que o cinema é assombração ou dizer que é déjà vu é uma e a mesma coisa.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
It's all a part of it
"It's All A Part Of Love", álbum It's All A Part Of Love (1970). Jackie Wilson.
Em resumo: uma bela, resignada e clarividente canção sobre it.
domingo, 31 de agosto de 2014
o excesso e o banal
"(...) é preciso pôr em questão a opinião adquirida, segundo a qual este sistema nos submerge debaixo de uma torrente de imagens em geral - e de imagens de horror em particular -, tornando-nos assim insensíveis à realidade banalizada desses horrores. Tal opinião é amplamente aceite porque confirma a tese tradicional que diz que o mal das imagens é afinal o seu número, a sua profusão que invade sem remédio o olhar fascinado e o cérebro amolecido da multidão dos consumidores democráticos de mercadorias e de imagens. Esta visão pretende ser crítica, mas encontra-se em perfeito acordo com o funcionamento do sistema. Porque os media dominantes estão longe de nos submergir com uma torrente de imagens testemunhando massacres, deslocações maciças de populações e outros horrores que constituem o presente do nosso planeta.
Bem pelo contrário, reduzem o número de tais imagens, tomam todo o cuidado para as seleccionar e dar-lhes uma determinada ordenação. Eliminam das imagens tudo o que pudesse exceder a simples ilustração redundante da respectiva significação. O que vemos, sobretudo nos ecrãs da informação televisiva, é o rosto dos governantes, dos especialistas e dos jornalistas que comentam as imagens, que dizem o que elas mostram e o que sobre elas devemos pensar. Se o horror se banalizou, não é porque dele vejamos demasiadas imagens. Não vemos no ecrã demasiados corpos em sofrimento. Mas vemos, isso sim, demasiados corpos sem nome, demasiados corpos incapazes de nos devolver o olhar que lhes dirigimos, corpos que são objecto de palavra sem terem eles mesmos direito à palavra. O sistema da Informação não funciona pelo excesso das imagens; funciona seleccionando os seres falantes e raciocinantes capazes de «desencriptar» o fluxo de informação que diz respeito às multidões anónimas. A política própria destas imagens consiste em ensinar-nos que não é qualquer um que é capaz de ver e falar. É esta lição que é confirmada muito servilmente por aqueles que pretendem criticar a explosão televisiva das imagens".
Jacques Rancière, O espectador emancipado, Orfeu Negro, 2010, pp. 141-143.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
terça-feira, 19 de agosto de 2014
domingo, 10 de agosto de 2014
Ida
O Carlos Melo Ferreira assinalou que o Night Moves (2013), da Kelly Reichardt, era o filme mais bressoniano de que hoje o cinema americano é capaz (do que me inclino para discordar, porque nem sequer bressoniano o filme, americano ou não, me parece), mas, mais importante, que a personagem de Josh (Jesse Eisenberg) era, também ela, bressoniana - do que também tenho as minhas dúvidas, sobretudo depois de ver o Ida (2013, Pawel Pawlikowski), onde, aqui sim, temos uma mulher bressoniana dos pés à cabeça. Aliás, esclarecimento mais evidente disto mesmo não podia haver: depois de fazerem amor, quando o jovem músico lhe pergunta em que é que pensa, Ida responde: "não penso em nada". Pressentimos (sabemos), neste exacto momento, que este "não penso em nada" não é circunstancial ou de ocasião; pelo contrário, é precisamente o seu traço identitário fundamental: Ida "não pensa em nada" sempre. E juro pelas alminhas que tudo isto me ocorreu antes de ler este artigo. Notável actriz, notável filme.
daydream
Charulata (1964), Satyajit Ray.
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
distância
No fim, vai sempre, de facto, dar a isto: things don't get easier when you're older. You never feel that much wiser, and that when something hurts, it just hurts, and that's all you know about it. When it feels good, it feels good, and that’s all you care about. Queremos acreditar que não, que "aprendemos", que "crescemos", que coisa que o valha. É nesse momento que percebemos como a solução está numa animalidade muito própria - não a social, mas, precisamente pelo contrário, a que partilhamos com os animais mas que, pelo facto de vivermos em comunidade, temos tendência para esquecer: fecharmos-nos para nos protegermos.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
just suppose
"Interlude 47", mixtape Peep The Aprocalypse (2012). Pro Era.
"So just suppose we was juxtapose..."
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
Walsh #15 - Uma ida à piscina/Oslo, 31 de Agosto (Sopa de Planos)
A última Sopa de Planos do À Pala de Walsh não podia ser mais veraneante, não fossem as piscinas um dos ex libris desta estação. Infelizmente, o plano que escolhi não é o mais veraneante possível - ao menos num certo sentido: de leveza, alegria, descontracção -, mas é dos que mais me tocaram na obra-prima que Joachim Trier nos trouxe em 2011: Oslo, 31 de Agosto.
Quando o escolhi, fiquei um pouco triste por ter que descartar um outro plano de um outro filme. Para meu regozijo, o Carlos Natálio fez o favor de pegar justamente no(s) plano(s) da piscina do filme da Sofia Coppola - e fê-lo melhor que eu o faria. Está tudo bem, portanto.
Mergulhem em todas estas piscinas mesmo aqui ao lado (clicar).
Oslo, 31. august (Oslo, 31 de Agosto, 2011) praticamente abre e fecha com duas “piscinas”: uma “natural” (um lago), outra propriamente dita. Entre elas, vida e morte. Tudo começa nesse lago, com Anders tentado pelo suicídio, ideia de que desiste (resiste), voltando “à tona” – da água e da vida. O que se segue é o perturbante acompanhamento do primeiro dia de Anders, em processo de desintoxicação, num paulatino “regresso à normalidade”, visitando alguns amigos na cidade e acorrendo a uma entrevista de emprego. A noite tem tudo para ser agradável: é Verão, Anders vai a festas de amigos, conhece algumas pessoas e revê outras, troca impressões, bebe socialmente. Acaba, já de madrugada, numa piscina com um amigo e duas (belas) estranhas. Mas, tal como durante todo o dia, em nenhum momento Anders está verdadeiramente lá, antes contemplando tudo sob a lente da nostalgia, do já-vivido, do repetido (e do irrepetível, porque o melhor lhe parece irremediavelmente lá atrás), como um espectador – afinal de contas, como nós, espectadores, que, sob a lente das nossas vivências e experiências, (ab)sorvemos os filmes. É isso que Anders vê – e nós também, através do seu olhar – neste plano (et por cause subjectivo): uma cópia, um simulacro do já-vivido (e inelutavelmente perdido). Por isso, apesar da vida (água, luz, cor, a beleza desta mulher que o tenta resgatar ao abismo) que inunda esta manhã – que, tal como a noite que findou, tem tudo para ser feliz –, será ainda a morte que Anders tomará num poderoso shot de heroína. I remember thinking: “I’ll remember this”. Anders dixit.
domingo, 3 de agosto de 2014
I waited for you
"I waited for you", álbum The Jazz Messengers at the Cafe Bohemia (Volume 2) (1955). Art Blakey & The Jazz Messengers.
Mazursky (and God too) loves people
Escrevi a minha crítica a Blume in Love (1973) sem ter visto Harry and Tonto (1974), o que me poupou o dilema de, caso o tivesse feito, ter que escolher entre os dois. Harry and Tonto é um filme lindíssimo, comovente, enternecedor, sobre aprender a envelhecer (a viver, portanto), sobre a necessidade de nos adaptarmos às vicissitudes que fazem os dias, acima de tudo, um filme de alguém (Mazursky) dotado de um olhar profundamente tolerante, amigável, sobre os outros, por mais diferentes que sejam de nós. Creio que a a isto se chama de... humanismo. Foi, enfim, o que tentei dizer na minha crítica quando me referi a Mazursky como alguém complemente apaixonado "pelas pessoas nas suas idiossincrasias mais profundas e mais comezinhas". Um dos melhores filmes que vi este ano (em sala/casa).
O Roger Ebert sumaria a coisa melhor que eu:
The road becomes a strange and wonderful place for Harry, mostly because of his own resilient personality. He’s played by Art Carney as a man of calm philosophy, gentle humor, and an acceptance of the ways people can be. He is also not a man in a hurry. When he can’t carry Tonto onto an airplane, he takes the bus. When the bus can’t wait for Tonto to relieve himself, he buys a used car and picks up hitchhikers. (...) Harry and Tonto drift on West toward the Pacific, and we begin to get the sense that this hasn’t been your ordinary road picture, but a sort of farewell voyage by a warm and good old man who is still, at seventy-two, capable of being thankful for the small astonishments offered by life. The achievement is partly Mazursky’s, partly Carney’s.