(Tabu, 1931, F. W. Murnau)
Da minha janela vejo o Bósforo todos os dias: divisões e correntes, agitações e marés. Tal como no homem, tal como no mundo.
sexta-feira, 31 de março de 2017
quarta-feira, 29 de março de 2017
Artes Entre As Letras #18
No Artes Entre As Letras que saiu hoje para as bancas, escrevo sobre o Personal Shopper, do Assayas, e o belíssimo Alice nas Cidades, do Wenders, um filme para levar para casa e não esquecer nunca mais.
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Personal Shopper (2016), Olivier Assayas ★★★
Se, à
primeira vista, o sobrenatural parece algo de inusitado na filmografia de
Assayas, a verdade é que o seu último filme não está exclusivamente – ou nem
tanto, até – interessado em explorar esse território específico. Na verdade,
ele funciona, sobretudo, como ponte para o francês abordar os assuntos bem mais
terrenos ou mundanos a que o estamos habituados a associar. Partindo – e
girando sempre em volta – da personagem de Kristen Stewart (actriz que o
cineasta "repete" depois do seu excelente desempenho em As Nuvens
de Sils Maria, e uma das melhores coisas que aconteceu ao cinema americano
nos últimos anos, desde que, bem entendido, a mesma foi resgatada do produto
juvenil Twilight), uma rapariga que, depois falecimento do irmão gémeo
médium, aguarda que este o contacte do outro mundo, o francês enceta uma
reflexão sobre como esse espiritual "mundo dos mortos" pode ter o seu
reflexo no virtual mundo contemporâneo "em rede", esse em que, de tão
aturado de informação e de previsibilidade (todos sabemos o que todos fazem,
comem, vêem), umas simples reticências num chat de telemóvel podem constituir
o zénite do mistério, do suspense e, até, do terror (isso e todas as demais
manifestações tecnológicas: as claustrofóbicas janelas de chat, o “modo avião”
como temporária forma de nos conseguirmos “desligar” e a subsequente e sôfrega
necessidade de “actualização”, etc.). E é através desse mistério que a
virtualidade encerra que Assayas aproxima as relações “em rede” de relações
“mediúnicas” – apesar das fotografias, do “likes” e das mais diversas
manifestações, quem é, de facto, a pessoa com quem falamos num chat? Até que
ponto a comunicação virtual, na forma como distorce a percepção mútua, não faz
dos interlocutores corpos habitados por… “espíritos”? São esses os dois planos
de observação que Assayas inteligentemente relaciona: um físico, mundano, aludindo
à ansiedade, à angústia, inclusivamente ao cansaço físico que o “estar ligado”
provoca em nós (o modo como Stewart está permanentemente agarrada ao telemóvel,
se também possui uma dimensão humorística, chega mesmo a fatigar e, até, a
nausear o espectador); e um “metafísico” ou espiritual, no qual o encontro
virtual vira “encontro imediato de 3º grau”. Se, felizmente, já não é vampira,
Assayas conserva de Stewart, porém, a palidez, as olheiras, o ar “hibernal” e
trashy, ao mesmo tempo que lhe reserva uma certa androgenia (com a qual joga
ironicamente na cena do vestido). A grande nódoa é aquele monólogo final de
Stewart (que se interroga sobre se tudo o que vê/ouve/pressente é “só na cabeça
dela”), semi-twist pouco sério (a sugerir, afinal, um mero delírio psíquico)
que imprime uma ambiguidade forçada ao filme.
Alice
nas Cidades
(1974), Wim Wenders ★★★★
Numa
excelente cópia restaurada, aquele que será o que Wenders considerou
verdadeiramente como o seu “primeiro” filme, e tomo inicial da sua trilogia “road
movie” (juntamente com Movimento em Falso e Ao Correr do Tempo),
vê-se hoje com o mesmo entusiasmo de à data do seu lançamento, forma de
sublinhar como em nada se mostra datado ou ultrapassado. Não é só aquela coisa
de “envelhecer bem” – mais do que isso, é um filme intacto na sua juventude, na
sua frescura, ao que ajuda, claro, a sua própria natureza de road movie,
de filme derivativo, “em andamento”, eternamente em busca de algo (porque é a
procura aquilo que interessa, claro, e não a chegada), sendo, neste sentido, um
filme “interminável”, como se o Philip do filme ainda hoje andasse por aí,
entre estradas e polaroids, talvez até ainda na companhia da pequena Alice (não
saberemos nunca se eles chegarão, de facto, a encontrar-se com a mãe…). É, por isso,
um filme “sem destino” e que, não por acaso, termina num combóio em andamento,
como se o espectador tivesse sido apenas uma estação onde ele parou
momentaneamente antes de voltar à marcha. Iniciando Philip – e o próprio
Wenders, ele mesmo um fascinado pelos EUA em toda a sua complexidade – a sua
jornada na América, viaja depois para a Holanda e daí para a Alemanha, em todos
esses lugares se sentindo um “estranho”, alguém “de fora” (inclusivamente no
seu próprio país, a Alemanha), um estrangeiro “existencial” à moda de Camus
(bem diferente dessa coisa, hoje papagueada por tudo o que é publicidade
turística “low-cost”, do “cidadão do mundo”). Avulta, claro está, a habitual
costela cinéfila de Wenders, sobretudo através da reflexão sobre as imagens (as
fotografias de Philip) e o olhar que sobre elas projectamos – se do Estado
das Coisas guardamos, entre outras, a inesquecível afirmação de que o
preto-e-branco é sempre mais verdadeiro do que uma imagem a cores, daqui saímos
a pensar se, de facto, como se ouve a certa altura, uma fotografia nunca mostra
o que realmente vimos inicialmente. Ou essa maravilhosa e abismal sentença,
dita por uma personagem a Philip, de que a sua obsessão em fotografar se funda
na sua necessidade em se certificar de que viveu aquele instante, de que viu o
que fotografou, enfim, de saber que (ainda) existe – a imagem (o cinema, et
pour cause…) como derradeira resistência ao esquecimento e à efemeridade,
como elemento que nos fixa, a nós e ao nosso redor, para a eternidade, essa que
tão bem joga com o carácter “interminável” do road movie. Pelo meio, há
ainda essa inesquecível miúda (Yella Rottländer), a qual Wenders,
aproveitando-se da sua extrema expressividade (através da qual lhe consegue
sacar trejeitos perfeitamente adultos), vai captando de um ângulo
progressivamente mais ambíguo, sexualizado, espécie de proto-Lolita (altiva,
mimada) que, na praia, pergunta a uma estranha se acha que Philip tem aparência
de ser seu pai. É, pois, um desses filmes altamente recomendáveis, pois que fica
connosco muito para lá do seu visionamento, à semelhança do modo insistente
como as imagens da paisagem americana se passeiam na cabeça de Philip quando,
confrontado pelo seu editor com o facto de só ter fotografias e não palavras
(texto), lhe responde com uma pergunta: “Não posso escrever com imagens?”. Bom,
isso, como diria um certo sujeito chamado Robert Bresson, chama-se cinema.
São Jorge (M. Martins)
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★★★
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Personal Shopper (O. Assayas)
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★★★
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Alice nas Cidades (W. Wenders)
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★★★★
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Moonlight (D. Chazelle)
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★★★
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Jackie (P. Larraín)
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★★★
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Paris, Texas (W. Wenders)
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★★★★
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A Autópsia de Jane Doe (A. Øvredal)
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★★★
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Aquarius (K. M. Filho)
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★★
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Crítica - "More Life"
Depois da minha crítica a Views (2016, ler aqui), continuo a acompanhar o singular trajecto de Drake, agora olhando para o seu recém-editado trabalho More Life.
Para ler mesmo ali ao lado no Rimas e Batidas (clicar).
“Eppur si muove – apesar da inegável existência de uma “fórmula Drake”, apesar de tudo parecer relativamente idêntico, há neste álbum (…) um movimento qualquer de deslocação, uma tendência para aqui ou para ali que impede a estagnação, que abre sempre, mesmo que timidamente, a porta a algo mais (a um género, a uma geografia, ou, simplesmente, a uma qualquer atmos...fera nova…). (…) A obra de Drake, neste momento, funciona um pouco como o planeta Terra: embora pareça parada, está, na verdade, num lento, profundo (…) e permanente movimento, embora possuindo sempre, também como a Terra, uma centralidade referencial (o hip hop, o R&B). Se essa trajectória se concretizará numa translação e, consequentemente, num retorno ao ponto de partida (o que seria o definitivo atestado do esgotamento criativo de Drizzy) ou se prosseguirá livre e indefinidamente no cosmos, eis o que fica (novamente) por saber”.
segunda-feira, 27 de março de 2017
terça-feira, 21 de março de 2017
segunda-feira, 20 de março de 2017
prenúncio
Ainda antes de a conhecer, sonhei que ela morria. Mas era ela, de facto: tinha as formas dela, os olhos azuis enormes. Mas morria.
sexta-feira, 17 de março de 2017
sábado, 11 de março de 2017
ípsilon - crítica "The Iceberg"
Ainda que estas coisas não sejam matemáticas, creio que, ouvindo o disco do grande Oddisee sobre o qual escrevo hoje no Ípsilon, o vosso fim-de-semana vai ser um bocadinho mais feliz.
"Do boom bap mais clássico, sample-based, presente nos seus primeiros trabalhos, Oddisee tem denotado (...) uma evolução absolutamente notável que o eleva, hoje, a um dos mais sofisticados produtores americanos, criador de peças saborosíssimas, cheias de sumo, autênticos tratados da música negra (e não só, sentindo-se também uma dimensão ora electrónica, ora eléctrica na sua música, e a sua própria voz tem, por vezes, algo de rockeiro) em que todos os elementos se relacionam fluidamente, riqueza que tem o seu prolongamento natural no formato banda que o americano passou, entretanto, a adoptar em palco com os GOOD COMPNY".
terça-feira, 7 de março de 2017
castigo
No final da noite, as pingas da chuva ou as escadas intermináveis que nos levam ao apagamento. Qual delas dói mais. Qual delas nos castiga.
ípsilon - Keso
Na sexta-feira passada, dia em que foi reeditado KSX2016, e aproveitando o lançamento do videoclip (ver aqui) por si realizado, escrevi no ípsilon sobre a conversa que tive com o Keso há dias, do Porto a Londres, da música ao cinema, passando pela lingerie da Intimissimi.
"O universal é o local sem paredes. (...) Psicologicamente, nenhum [transmontano] é murado. Daí que reajam e actuem como filhos do mundo em todas as circunstâncias”. Miguel Torga, Diário, XV.
"É de Vilar que se pode avistar o mundo, o “universal”, através daquele que é, desde ancestrais tempos, o caudal que tudo leva e tudo traz: o rio (Douro). Vilar, como Trás-os-Montes em Torga, é, para Keso, esse porto de abrigo, local de amor e aconchego, mas simultaneamente posto de observação para o mundo, o tal que não cabe em muros, códigos ou convenções, os mesmos que o rapper dinamita nas suas letras poéticas, insurrectas, subversivas, no cariz exploratório da sua sonoridade ou, ainda, no modo criativo como utiliza o instrumento vocal (o rap, o canto, a declamação ou a palavra falada a conviverem livremente)".
sexta-feira, 3 de março de 2017
Regresso ao Futuro na Antena 3: Hip-hop save the queen!
Ilustração por: Delfim M. Ruas (https://www.facebook.com/delfimruasillustration/)
No último REGRESSO AO FUTURO na Antena 3, fizemos o nosso "London Calling" na luxuosa companhia da Speech Debelle, Funky DL e Mike Skinner and The Streets, de quem tocámos "Speech Therapy" (2009), "The 4th Quarter" (2007) e "Original Pirate Material" (2002), respectivamente.
A intenção: tentar perceber como o hip-hop inglês, mau grado o seu relativo apagamento fruto da fecunda cultura "bass" há muito instalada, tem excelentes cartadas para oferecer, das tipologias clássicas do boom bap sample-based às composições mais orgânicas e tocadas, passando pelo UK garage.
Som e edição de Pedro Sancho Pires.
O REGRESSO AO FUTURO repete sábado, pelas 2h50!