quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Na fila à minha frente, uma miúda, não mais de vinte e poucos anos, esbraceja, olhos arregalados e mãos levantadas, em direcção ao ecrã, de seguida virando o rosto, uma e outra vez, para o namorado em sinal de funda reprovação. Não fala, mas todo o seu corpo grita indignação. Os esgares, constantes, só são superados pelo momento em que, como num filme de terror, tapa os olhos com as duas mãos para não ver uma cena. É uma dos muitos que, ao longo da sessão, vão pateando o filme, por entre interjeições de desprezo, risos de escárnio e, até, a certa altura, um bem audível e exasperado "What the fuck?!".

Não contava viver para contar, mas, nesta sessão de cinema, o impensável acontece: numa sala quase lotada, são os jovens que, escandalizados, vaiam o filme, e os velhos quem, calados e perscrutadores, o seguem compenetradamente.

Um dia, quando estes jovem forem velhos, perceberão, porém, que a maior das transgressões lhes passou mesmo por debaixo do nariz: é logo numa das primeiras cenas, quando Mary-Jane (como a planta, fantasia maior dos adolescentes), vendo Julien nauseado pelo álcool que o seu corpo ainda não aguenta, lhe explica o que fazer, penetrando dois dedos na sua garganta, fazendo-o vomitar e, a seguir... limpando-o com uma toalha. Estava lá para quem o soubesse ver.

Kung-Fu Master! (Varda, 1988), chef d'oeuvre. *****

"Vultures 1" no Público



Depois do delírio evangelizador, eis Kanye West, o Ímpio. Quando a cabeça não tem juízo, a música é que paga – o que não é necessariamente mau.


VULTURES 1 no Público da última sexta-feira


last kiss


(LP 2008, OverDoz., 2017)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024



Talvez que a estocada final de Poor Things (“E viveu como uma cabra para sempre”, como a moral de um fairy tale de pernas para o ar, embora, para ser rigoroso, a hipótese da implantação de um cérebro humano numa cabra seja bem mais cruel do que a inversa que sucede no filme) não seja, afinal, exactamente o que parece (o cumprir de uma agenda semi-revanchista bem ao sabor do zeitgeist), mas, sim, a subterrânea insinuação de que os outrora vencidos (a Mulher), uma vez vencedores, tratarão os anteriores opressores como estes os trataram a eles (uma farpa, então, bem funda na predita agenda). De como, em qualquer revolução, a hipótese de uma verdadeira superação do status quo jamais é concebível, representando, antes e apenas, uma transferência de poder, logo, de dominação, violência, desumanidade (literal, no caso). Le roi est mort, vive le roi; Il Gattopardo; etc., etc..
... Talvez.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024



Num filme em que dois personagens (uma mulher, a protagonista, e um homem) são escritores, e no qual a certa altura alguém alude aos seus "gostos" em literatura e cinema, não há um único, mínimo que seja, desenvolvimento sobre o que é que pensam, sentem, reflectem, meditam - sobre o que é que, voilà, escrevem - e que esteja remotamente relacionado com os livros saídos de uma qualquer e mui literata mão invisível. Simbolicamente (ou mesmo literalmente), fica tudo à superfície: uma lombada onde se lê "Macbeth" na mesa da "escritora"; uma "residência artística" cujo único facto conhecível é o de gerar encontros românticos; um livro intitulado "Boner" que o "escritor", o marido, assina numa... sessão de fotógrafos. São - diz a sinopse - escritores, mas podiam ser engenheiros, talhantes, advogados, carteiros ou influencers. Estranha matemática, esta: se num filme se discutem directa e aprofundadamente livros e ideias (espécie cada vez mais rara e de que nem sou particular apreciador), ele corre o risco de ser "pretensioso"; quando a lombada é bastante para fazer o efeito pretendido (pessoas "inteligentes", "cultas", num ambiente "intelectual"), o risco é o da aclamação. Sintomático e bem à altura de muita da criação artística que vinga por estes dias. Vidas Passadas, então: está encontrado o novo Aftersun, o triunfo do vazio.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

 “- És o infiel que descrevem? (…)
- Desconfio do zelo dos devotos, mas nunca disse que o Uno era dois. (…)
- Para mim, isso basta. Para o Criador também, julgo eu. Mas, para a multidão, não. Espreitam as tuas palavras, os teus mínimos gestos, tal como os meus, tal como os dos príncipes. Alguém te ouviu dizer: ‘Vou por vezes às mesquitas, onde a sombra é propícia ao sono…’.
- Só um homem em paz com o seu Criador poderia pegar no sono num lugar de culto”.

(Samarcanda, A. Maalouf, 1988)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

notes to self

Ferrari **
Zona de Interesse ***
Anatomia de Uma Queda ***
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Funny Ha Ha (A. Bujalski) ***
Beeswax (A. Bujalski) ***
Computer Chess (A. Bujalski) *
Vive L'Amour **
The Driver's Seat ***
Os Emissários de Khalôm *
The Texas Chainsaw Massacre ***
Le Repas du Singe (K. Ouelhaj) ***
Parabola (K. Ouelhaj) *
Robin Hood (W. Reitherman, Disney, 1973) *****
Saps at Sea (Laurel & Hardy, G. Douglas) ****
The Circus (Chaplin) *****

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024