sábado, 28 de fevereiro de 2009

"gostos são gostos" e este texto deixa de fazer sentido

Uma das grandes marcas da música contemporânea é, sem dúvida, a electrónica. A popularizada música electrónica está hoje em todo o lado e é alvo dos mais especializados e aprofundados estudos e dissertações. Basta lermos uma crítica do ipsílon do Público para vermos como meia dúzia de bpms (beats per minute) repetidamente tocados podem ser intelectualizados e transformados num texto de tal forma erudito que nos pode fazer interrogar a nós mesmos se o problema é nosso em não conseguir apreciar a música.
Alto! Digo isto, mas tal não se passa comigo. Há muita música electrónica por aí que eu adoro e de quem sou um ávido consumidor. E frequentemente vou a espaços nocturnos para ouvir concretamente música electrónica. Não obstante tudo isto, e por conversas que tenho com outras pessoas (com os meus pais, especialmente), conheço e compreendo as dúvidas que assaltam aqueles para quem techno ou minimal são um pum pum um atrás do outro, sem musicalidade, originalidade e qualidade.
Não é sobre isto que me vou debruçar agora. Eu gosto de música electrónica, ponto.

Mas não deixo de pensar em como esta música electrónica pode dizer muito das pessoas que a ouvem acriticamente. Estava há uns dias numa discoteca onde os djs tocavam qualquer coisa entre o techno e o progressive. Não estava a gostar porque as batidas, de tão vigorosas, não deixavam espaço para mais nada: não havia melodia, não havia sintetizadores, quebras rítmicas, vocais, nada. Nada de nada. Olhava à minha volta e via jovens e não-tão-jovens a dançar de olhos fechados e rostos sérios. Mas a expressão não era de prazer ou fascínio. Dançava-se porque sim, assim me parecia. De 4 em 4 minutos, chegava do dj uma curta quebra no beat e ouvia-se como que um vento revitalizante... e rapidamente a nova batida, em quase nada diferente da anterior, voltava a ser o metrónomo do movimento corporal dos presentes.
Entre os que dançavam e os que tocavam gerava-se uma relação quase de indiferença. Porque os segundos tocavam aquilo que lhes aprazia, sem mostrar grande preocupação pela receptividade dos ouvintes; para os primeiros, o que ouviam era aquilo e pronto; comiam e calavam.
Por outro lado, vendo as coisas exclusivamente na perspectiva da relação dos ouvintes com a sonoridade, também há algo que gostaria de dizer: quando a música é brutalmente repetitiva - não me estou a referir à repetição da batida em sim mas à repetição em que mais nada se oiça - isso não dirá alguma coisa daquilo que um indivíduo espera, quase inconscientemente, para essa noite (e eventualmente para outras noites e mesmo dias)? A falta de expectativas, a ausência de um desejo em ser surpreendido, a passividade acrítica parece que se tornam um estado cómodo e normal para os indíviduos. E pensando eu nisto e ouvindo ao mesmo tempo a música num espaço empedrado ao estilo das raves de Berlim dos anos 80 e 90 - assim me diz o meu imaginário - a coisa ganhou uma certa dimensão noir...
Umas vezes na música, noutras em certas dimensões cívicas e comunitárias, o indivíduo parece estar a dançar ao som do techno mais pobre e reducionista. Move-se para acompanhar o ritmo, sem expectativas ou surpresas... mas move-se para não ficar parado, o que na vida quotidiana significa "ficar para trás". E para trás é que ninguém quer ficar...
Fica-se então ali, naquele espaço de paredes cruas, de olhos fechados e gestos, tal como as paredes, empredrados. Se o dj quiser surpreender com algo fresco e colorido, tanto melhor; caso contrário, ninguém vai deixar de dançar. À falta de melhor, dança-se porque sim. Está tudo escuro...


Para aqueles que não apreciam música electrónica, fica o apelo de que ouçam o som (um clássico dos Booka Shade), pelo menos, a partir do minuto 1.30:

Mandarine girl (album version) - Booka Shade

4 comentários:

  1. eu tentei, mas não consigo. a única coisa que esta música conseguiu despertar em mim foi um tédio profundo e a sensação de que a berska tinha entrado em minha casa. eu sou daqueles seres humanos que abominam música electrónica e que não entendem porque se lhe chamam de música. :p

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  2. este teu texto fez-me relembrar algumas cenas em que volta e meia me lembrava de pensar: alguma malta que mais faz questão de ir a discotecas, sabendo de antemão que o som vai ser o que é sempre, sendo esse o som que gostam, não se mexem nem parecem estar a disfrutar verdadeiramente da música. às vezes fazem-no, mas já com os copos. não sou apreciador de música electrónica, muito menos um connaisseur: vou gostando, de uma ou de outra, sem compromissos, e as que gosto, se me dizem algo fazem-me mexer, porque lá está, gosto. é verdade que andam praí muitos bota-discos a fazer de disco-jóqueis, porém penso que o problema está mais na passividade das pessoas, no 'vamos para ali porque ali é que é' e nem sequer ponderarem alternativas de música ou de sítio. talvez nem gostem tanto de música electrónica como isso e não saibam.

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  3. É engraçado, Daniela, porque muita das bandas de que tu gostas (as que eu conheço) utilizam música electrónica aos montes... Gostar de "música electrónica" não é gostar de techno, minimal ou electro. É também reconhecer as influências desta noutros estilos... Basta recordar que os Kaftwerk lançaram o seu primeiro disco em 1970. A partir daí, milhões de músicos, dos mais diversos quadrantes (especialmente o hip hop e o rock psicadélico), nunca mais deixaram a electrónica...

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  4. uma coisa é utilizar electrónica, outra é fazer apenas isso e roubar toda a essência orgânica da música, a ideia de ter alguém que toque os instrumentos, que coloque uma mensagem nas canções. outra coisa é pegar num sintetizador e criar estas obras torturantes. é terrível :p

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