sexta-feira, 28 de maio de 2010

labor

"Quanto àqueles para quem esforçar-se, começar e recomeçar, experimentar, enganar-se, retomar tudo de uma ponta à outra, e mesmo assim ainda ser capaz de hesitar a cada momento, quanto àqueles para quem, em resumo, o trabalho mantendo a reserva e a inquietação equivale a uma demissão, pois bem, não estamos, como é evidente, no mesmo planeta.
(...)
De que valeria a obstinação do saber se ela assegurasse apenas a aquisição de conhecimentos e não, de um certo modo, e tanto quanto for possível, o descaminho daquele que conhece? Momentos há na vida em que a questão de saber se é possível pensar de modo diferente daquele que se pensa e perceber de modo diferente daquele que se vê é indispensável para continuar a observar ou a reflectir. Dir-me-ão talvez que esses jogos consigo mesmo devem permanecer nos bastidores e que na melhor das hipóteses fazem parte desses trabalhos de preparação que se extinguem por si quando produzem os seus efeitos. Mas o que é afinal a filosofia actualmente - refiro-me à actividade filosófica - senão o trabalho crítico do pensamento sobre si próprio? (...) O «ensaio» - que é preciso entender como uma experiência modificadora de si próprio no jogo da verdade e não como apropriação simplificadora dos outros com fins de comunicação - é o corpo vivo da filosofia, pelo menos se ela for ainda hoje o que era outrora, quer dizer, uma «ascese», um exercício de si, no pensamento".

História da Sexualidade - II: O Uso dos Prazeres, Michel Foucault

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