Sempre.
Por José Couto Nogueira, no jornal "i", 23 de Abril (http://www.ionline.pt/conteudo/118948-otelo-tragedia).
"(...) E lá veio ele [Otelo Saraiva de Carvalho], para celebrar o 37.o ano de la revolución, dizer que está arrependido, uma enormidade. Que se soubesse que dava "nisto" não a teria feito. Falou como falam os que não conheceram o Estado Novo e pensam, ingénuos, que se agora é mau dantes só podia ser bom. Ele, conhecedor do antigamente, devia lembrar-se, como todos os que aturaram o antigo regime, que nada podia ser pior do que aquilo, nem sequer isto.
Não satisfeito, acrescentou que o país precisava era de um homem com a inteligência de Salazar. Que inteligência seria essa? A do retrógrado, pré-Revolução Francesa, que inventou uma economia baseada na miséria, no condicionamento industrial e na fixação dos preços? A do reaccionário, que desdenhava o debate, não suportava a crítica e não preparou a descolonização que se sabia inevitável desde Bandung, 1955?
Cada vez mais, com um despudor cada vez maior, se ouvem vozes a dizer estas coisas. Basicamente, as mesmas queixas que tornaram possível um Salazar - bandalheira, roubalheira, pseudodemocracia, a "ditadura dos partidos", bancarrota, pouca vergonha. E cada vez fica mais difícil, ou apetece menos, retrucar ao motorista de táxi retornado que diz aqueles chavões odiosos sobre a "traição da metrópole".
É verdade que uma constituição cheia de boa vontade, mas também de incongruências, permite esta "ditadura partidária", perniciosa porque os partidos estão plenos de ricardos e miguéis cheios de prosápia e vazios de vergonha, eleitos a martelo em listas enfiadas pelas goelas dos eleitores impotentes.
É verdade que o regime é dos espertos que ganham salários e prebendas pornográficas, ou fazem negócios inimagináveis, enquanto o vulgo oscila entre o desemprego, o precário e o nível salarial mais baixo da Europa.
Mas também é verdade que o analfabetismo recuou formidavelmente, a saúde melhorou astronomicamente e o nível de vida, ameaçado que esteja, não se compara aos níveis da outra senhora.
A justiça não funciona e não há corrupto que pague pelo que continua a fazer impunemente, mas os cidadãos são livres de invasões de domicílio a altas horas, de encontrões brutais por falar fora da cartilha, de prisões e degredos medievais.
Talvez a melhor maneira de apreciar o que temos seja imaginar como seria se não tivesse havido o 25 de Abril. Como estaríamos agora distantes da Europa, com passaportes que só dariam para ir a 12 países, com quatro anos de serviço militar obrigatório, com a indústria retrógrada, o ensino exclusivista e anquilosado, as conversas em família na televisão, a inquisição da moral e dos bons costumes, os livros proibidos, a verdade é só uma, o sr. dr. e a sua Excelência Meritíssima, manda quem pode e obedece quem deve. Os anos de chumbo a cobrir-nos ainda, como uma carapaça lúgubre e tenebrosa. As colónias em guerra permanente há 50 anos com todos os países limítrofes, agora apoiados pela China e pela África do Sul, com núcleos de colonos sitiados a precisar dos contingentes da metrópole para proteger petróleo e diamantes.
Não, Otelo não tem razão. Fez muito bem em fazer a Revolução e a Revolução era uma necessidade imperiosa. Descambou, é verdade. Não cumpriu, certamente. Mas não deve ser repudiada como uma vergonha. Deve, isso sim, é ser refeita, como um direito.
O que precisávamos era que os pequenos salazares se fossem de vez e a inteligência dos humanistas prevalecesse".
enquanto houver um salazar em cada esquina, e corjas de mentirosos sem escrúpulos com poder, teremos, de facto muito trabalho pela frente.
ResponderEliminar"O que precisávamos era que os pequenos salazares se fossem de vez e a inteligência dos humanistas prevalecesse"."
ResponderEliminarprecisamente...