A nova sopa de planos é sobre cigarros e o meu contributo a partir da estreia auspiciosa do Tom Ford em 2009; no meu texto (clicar), cito este post (clicar), que, de tão bonito, é impossível não gostar. Boas leituras.
Para alguém que contabiliza religiosamente, obsessivamente, os dias que faltam até morrer (no caso, até se matar), a frase “FUMAR MATA” não passa de uma boutade. Fumar matará, sim, mas, no caso de George, é o passado, o que foi e inelutavelmente não volta mais, que o mata todos os dias um pouco mais – até à (auto-)destruição final. Aliás, é a morte do antigo companheiro que o “mata” todos os dias um pouco mais – sim, redundâncias à parte, a morte também… mata. Num dos mais discutidos filmes de 2009 entre os que gostaram e os que odiaram (quanto a nós, encontramo-nos no primeiro grupo), esta cena foi também uma das mais badaladas, concentrando em si o traço estilizado de todo o filme, sem nunca cair, porém, num vazio de ideias ou num decorativismo bacoco. Se o cigarro já foi bengala de muito flirt célebre do cinema (e da vida…) – essa talvez a principal razão, aliás, para toda a iconografia em volta do acto de fumar (muito mais que a dos cowboys da Marlboro!) –, a particularidade, aqui, é a de que se trata de um flirt homossexual, o que, na verdade, se mostra pouco menos que irrelevante, na medida em que, hetero ou gay, o que se retém desta cena é um encontro profundamente sensível (mais do que sensual) entre duas pessoas, filmado por Tom Ford com uma enorme justeza. Sobre o tom rosáceo do céu, provocado pelo fumo da cidade, Carlos dirá que “As veces las cosas más horrorosas tien su punto de encanto”. Não o sabe, mas essa frase não podia ser mais apropriada para o seu interlocutor: mesmo na mais profunda depressão, mesmo neste “serious day” (como George lhe chama), dá-se, inadvertidamente, um encontro como aquele. Depois do cigarro do flirt, fumam um segundo, cigarro pós-tensão, cigarro pós-coito, enquanto conversam sobre meia dúzia de coisas que, na sua simplicidade, condensam as aventuras e desventuras da vida. O que aqui brilhantemente se escreveu a propósito de Tournée (Em Digressão, 2010) vale, na plenitude, para o nosso plano: “Relação fugaz, absoluta, dois ou três minutos a valerem por uma vida inteira lado a lado. Não dizem um ao outro nada de jeito… (…) Passou-se tudo o que interessa, inclusive um grande-plano que dura e dura e dura, dela, alguém que não mais irá aparecer na história, para aparecer com certeza muitas vezes na cabeça e sonhos dele. O sublime à primeira vista invisível porque presente no singelo, no dia-a-dia, entre a padaria e o jardim de família, a revelar-se nas frequências muito baixas ou nos tempos mortos.
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