No último número do Artes Entre As Letras, escrevo sobre o novo (ou não assim tanto...) Tarantino e sobre o grande favorito ao Óscar de melhor filme e melhor actor (está tudo dito). Bons filmes!
*
Os
Oito Odiados (2015),
Quentin Tarantino ★★★
“No one said this job was supposed to be easy”, diz o
“Hangman” (Kurt Russell) ao Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), que lhe
responde: “Nobody said it's supposed to be that hard, either!”. É um diálogo
que se ajusta ao filme e que faz um ponto de situação sobre a obra de
Tarantino. Não se duvida de que o americano é um dos melhores e mais criativos
cineastas em actividade, alguém que domina por completo a linguagem e as
ferramentas cinematográficas. Reconhecer isto (ou precisamente por se reconhecer
isso) não invalida, porém, que devamos lançar um olhar desempoeirado sobre a
sua obra e surpreender uma repetição de fórmulas, tiques, poses, processos que,
sendo intrinsecamente meritórios, são, neste momento, isso mesmo: repetidos,
repisados, já-vistos.
Esta impressão de saturação tornou-se francamente visível, a nosso ver, com Django Libertado, atingindo, agora, a sua cristalização. Se é certo que o cinema de Tarantino sempre foi “político” num sentido genérico (o racismo, o sexismo, as armas, a violência da América, etc.), parece-nos, porém, que foi a partir do momento em que decidiu tratar assumidamente de questões políticas (e “fracturantes”) que o seu cinema – na origem, um gramofone das estórias e dos mitos da América –, pretendendo assumir uma certa gravidade, uma certa “consciência histórica” (mesmo que através do humor e da meta-narratividade), resvalou para a irrisão e para a superficialidade. A bem dizer, os melhores filmes de Tarantino (Cães Danados, Pulp Fiction, Jackie Brown, Kill Bill) continuam a ser aqueles que, não deixando de ser “políticos” no genérico sentido aludido, não possuem pretensões políticas ou históricas declaradas, com a grande excepção que é Sacanas Sem Lei, o qual, de facto, consegue juntar o melhor dos dois mundos.
Tarantino promete muito na primeira meia-hora do filme, dando tempo, “respiração” às personagens para trabalharem naquele dangerous ground (para evocar a brancura igualmente presente no filme de Nicholas Ray) coberto de neve algures no Wyoming, mas, assim que a diligência chega à retrosaria, tudo se volve no mesmo “jogo” de ases que Tarantino baralha para voltar a dar: os diálogos pejados de frases de efeito (mas que, espremidos, nenhum sumo dão, contra o pretendido pelo argumento), o re-contar da mesma história em flashback a partir de um ponto de vista subjectivamente distinto (tal e qual o dispositivo de Cães Danados, mas com a agravante, aqui, de a repetição sublinhar uma certa manipulação preguiçosa da acção, criando uma certa sensação de “batota” para o espectador), a surpresa “cénica” decisiva que vem de debaixo do chão (como acontecia numa das primeiras cenas de Sacanas Sem Lei), enfim, a estrutura huis clos em que um grupo de homens (e uma mulher, aliás, a melhor personagem do filme, interpretada por Jennifer Jason Leigh) fechado num espaço tenta descobrir quem é quem e fez o quê (whodunnit). Para rimar com o filme, diríamos que Tarantino prova do seu próprio “veneno”, mostrando-se incapaz de sair da sua zona de conforto, de um rasgo, de um sobressalto e, pior do que tudo, fazendo um filme bem menos divertido do que os seus anteriores (como é sabido, o “divertimento”, o “entertenimento” sempre foram, em Tarantino, marcas autorais de prestígio).
Nada disto, saliente-se, faz d’Os Oitos Odiados um mau filme e tomara que muitos cineastas e filmes americanos fossem “repetitivos” como Tarantino e este seu oitavo filme (a começar no manejamento da câmara, passando pela mise-en-scène e a acabar na direcção de actores, só para abreviar); no final, as quase três horas mais do que valem o bilhete, nem que seja para sair com a pulga atrás da orelha com o proto chapéu do Klux Klux Klan na cabeça do Cristo gelado dos primeiros planos (fomos só nós que reparámos?) ou com a Carrie-pele-vermelha (se há negros, brancos, mexicanos, nortistas e sulistas, porque não juntar índios ao melting pot?) a dançar com os pés suspensos, uma aproximação ao filme de terror que bem poderia constituir para Tarantino o indutor de um desejado galgar para terrenos menos familiares.
Esta impressão de saturação tornou-se francamente visível, a nosso ver, com Django Libertado, atingindo, agora, a sua cristalização. Se é certo que o cinema de Tarantino sempre foi “político” num sentido genérico (o racismo, o sexismo, as armas, a violência da América, etc.), parece-nos, porém, que foi a partir do momento em que decidiu tratar assumidamente de questões políticas (e “fracturantes”) que o seu cinema – na origem, um gramofone das estórias e dos mitos da América –, pretendendo assumir uma certa gravidade, uma certa “consciência histórica” (mesmo que através do humor e da meta-narratividade), resvalou para a irrisão e para a superficialidade. A bem dizer, os melhores filmes de Tarantino (Cães Danados, Pulp Fiction, Jackie Brown, Kill Bill) continuam a ser aqueles que, não deixando de ser “políticos” no genérico sentido aludido, não possuem pretensões políticas ou históricas declaradas, com a grande excepção que é Sacanas Sem Lei, o qual, de facto, consegue juntar o melhor dos dois mundos.
Tarantino promete muito na primeira meia-hora do filme, dando tempo, “respiração” às personagens para trabalharem naquele dangerous ground (para evocar a brancura igualmente presente no filme de Nicholas Ray) coberto de neve algures no Wyoming, mas, assim que a diligência chega à retrosaria, tudo se volve no mesmo “jogo” de ases que Tarantino baralha para voltar a dar: os diálogos pejados de frases de efeito (mas que, espremidos, nenhum sumo dão, contra o pretendido pelo argumento), o re-contar da mesma história em flashback a partir de um ponto de vista subjectivamente distinto (tal e qual o dispositivo de Cães Danados, mas com a agravante, aqui, de a repetição sublinhar uma certa manipulação preguiçosa da acção, criando uma certa sensação de “batota” para o espectador), a surpresa “cénica” decisiva que vem de debaixo do chão (como acontecia numa das primeiras cenas de Sacanas Sem Lei), enfim, a estrutura huis clos em que um grupo de homens (e uma mulher, aliás, a melhor personagem do filme, interpretada por Jennifer Jason Leigh) fechado num espaço tenta descobrir quem é quem e fez o quê (whodunnit). Para rimar com o filme, diríamos que Tarantino prova do seu próprio “veneno”, mostrando-se incapaz de sair da sua zona de conforto, de um rasgo, de um sobressalto e, pior do que tudo, fazendo um filme bem menos divertido do que os seus anteriores (como é sabido, o “divertimento”, o “entertenimento” sempre foram, em Tarantino, marcas autorais de prestígio).
Nada disto, saliente-se, faz d’Os Oitos Odiados um mau filme e tomara que muitos cineastas e filmes americanos fossem “repetitivos” como Tarantino e este seu oitavo filme (a começar no manejamento da câmara, passando pela mise-en-scène e a acabar na direcção de actores, só para abreviar); no final, as quase três horas mais do que valem o bilhete, nem que seja para sair com a pulga atrás da orelha com o proto chapéu do Klux Klux Klan na cabeça do Cristo gelado dos primeiros planos (fomos só nós que reparámos?) ou com a Carrie-pele-vermelha (se há negros, brancos, mexicanos, nortistas e sulistas, porque não juntar índios ao melting pot?) a dançar com os pés suspensos, uma aproximação ao filme de terror que bem poderia constituir para Tarantino o indutor de um desejado galgar para terrenos menos familiares.
O Renascido (2015), Alejandro González Iñarritu ★★
Há, atualmente, entre uma certa crítica, a tendência para
maltratar, por tudo e por nada, justa e injustamente, dois nomes: um é Paolo
Sorrentino, o outro é Iñarritu, que assina aqui mais uma candidatura aos
Óscares. Antes de mais, importa esclarecer que não pertencemos a esse clube e
que, como em tantas outras coisas, somos do que acreditam que "cada caso
(filme) é um caso (filme)” e que é à luz desse padrão que os filmes devem ser
apreciados e criticados.
Isto para dizer, portanto, que se Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) nos agradou sobremaneira (essa mesma crítica trucidou o filme, entre outros motivos, pelo seu “falso” plano-sequência – mas se o homem não quis filmar um plano-sequência tout court, qual é o problema? Com os diabos), estamos agora igualmente à vontade para sublinhar a banalidade do novo filme do mexicano, um pastelão esquecível sem rasgo nem vibração e alimentado apenas à base da espectacularidade com selo “baseado em factos verídicos” (para a fuga de um homem em condições altamente adversas, já existe um filme belíssimo e com a poesia que Iñarritu tenta mas não logra alcançar: chama-se Essential Killing – Matar para Viver e é do polaco Jerzy Skowlimoski).
A composição das personagens é nula ou perto disso e no lugar de Di Caprio podia estar, em boa verdade, qualquer outro actor, tal é a sua des-subjectivação psicológica e mesmo dramatúrgica (quase tudo se resume à demonstração do cumprimento com sucesso de uma “prova de esforço”). Que o filme seja o mais forte candidato ao Óscar de melhor filme e Di Caprio ao de melhor actor (ele que, sendo um dos melhores actores da sua geração, não é um actor maior, nem mesmo para os convencionais standards de Hollywod) só diz bem do estádio actual da academia americana.
Isto para dizer, portanto, que se Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) nos agradou sobremaneira (essa mesma crítica trucidou o filme, entre outros motivos, pelo seu “falso” plano-sequência – mas se o homem não quis filmar um plano-sequência tout court, qual é o problema? Com os diabos), estamos agora igualmente à vontade para sublinhar a banalidade do novo filme do mexicano, um pastelão esquecível sem rasgo nem vibração e alimentado apenas à base da espectacularidade com selo “baseado em factos verídicos” (para a fuga de um homem em condições altamente adversas, já existe um filme belíssimo e com a poesia que Iñarritu tenta mas não logra alcançar: chama-se Essential Killing – Matar para Viver e é do polaco Jerzy Skowlimoski).
A composição das personagens é nula ou perto disso e no lugar de Di Caprio podia estar, em boa verdade, qualquer outro actor, tal é a sua des-subjectivação psicológica e mesmo dramatúrgica (quase tudo se resume à demonstração do cumprimento com sucesso de uma “prova de esforço”). Que o filme seja o mais forte candidato ao Óscar de melhor filme e Di Caprio ao de melhor actor (ele que, sendo um dos melhores actores da sua geração, não é um actor maior, nem mesmo para os convencionais standards de Hollywod) só diz bem do estádio actual da academia americana.
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