sexta-feira, 3 de junho de 2016

personagens

"E, ainda uma vez mais, vejo-o tal como me apareceu no começo deste romance. À janela, a olhar para o prédio em frente do outro lado do pátio.
Foi dessa imagem que Tomas nasceu. Como já disse, as personagens não nascem de um corpo materno como os seres vivos nascem, mas de uma situação, de uma frase, de uma metáfora que contém em germe uma possibilidade humana fundamental, que o autor pensa que nunca ninguém descobrira antes dele ou então que nunca ninguém tratara de modo a dizer algo de essencial sobre ela.
Mas não se costuma dizer que um autor não pode falar senão de si próprio?
(...) As personagens do meu romance são as minhas próprias possibilidades não realizadas. É o que faz com que goste igualmente de todas elas e também com que todas elas me assustem igualmente um pouco. Todas, sem excepção, atravessaram uma fronteira que eu só contornei. O que me atrai precisamente é essa fronteira que elas atravessaram (a fronteira para lá da qual acaba o meu eu). Do outro lado, começa o mistério que o romance interroga. O romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que a vida humana é nesta armadilha em que o mundo se converteu".

Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser.

Sem comentários:

Enviar um comentário