O Curtas Vila do Conde (programa completo aqui) inicia-se amanhã e estende-se até ao dia 16 de Julho. Escrevi um pequeno texto sobre o filme de abertura, Diamond Island (2016), de Davy Chou, para o catálogo do festival, filme que dialoga com a sua curta anterior Cambodia 2099 (2014), premiado no Curtas 2014. Bons filmes!
***
"Seleccionada
para a Semaine de la Critique de
Cannes 2016, trata-se da primeira longa-metragem de ficção de Chou, cineasta nascido
em França mas com raízes familiares no Cambodja e autor do documentário “Le
sommeil d’or” sobre a “era dourada” do cinema cambodjiano dos anos 60 e 70 (praticamente
varrido do mapa pelos khmers vermelhos). A longa prolonga, quer no plano formal
como no material (há cenas inclusivamente filmadas nos mesmos espaços), o olhar
da sua curta anterior – “Cambodia 2099”, presente na Quinzaine de Realisateurs de Cannes 2014 e vencedora do Grande
Prémio do Curtas no mesmo ano – sobre o Cambodja actual (sobretudo sobre a sua
população mais jovem) e suas transformações a um nível transversal: económicas
e sociais, sim, mas também culturais (o lugar da família, os movimentos
migratórios), urbanísticas, identitárias (extensíveis, de resto, aos restantes países
do sudeste asiático). Com a profundidade que a maior duração da longa permite,
Chow documenta essas convulsões a partir da história de um rapaz que abandona a
sua aldeia para ir construir um empreendimento imobiliário de luxo, novo-riquista
e ostentatório, na capital proto-futurista Phnom Penh. É como se, de alguma
forma, o “Cambodia 2099”, i.e., a ideia (não o filme) de um Cambodja “do
futuro”, se materializasse nesse dream
come true do capitalismo consumista mais agressivo chamado “Diamond
Island”, cuja insularidade (de “Island”) rima com o elitismo e o exclusivismo
do empreendimento.
Os sonhos e o desejo de evasão, de um lado, o futuro e a
interrogação sobre o porvir, do outro; estes são, programaticamente falando, os
eixos por onde passa todo o cinema de Chow, sendo várias as “terras prometidas”
a que as personagens se referem, em ambos os casos ilusões frustradas: os EUA,
sim (como na curta anterior), mas também a Malásia, por exemplo (e o próprio
“Diamond Island” é, metaforicamente, todo ele um “sonho em construção”). Se o
pendor realista se faz notar (a pobreza, o trabalho infantil, a degradação
habitacional, o choque entre ricos e pobres), no que ecoa um filme como o “Los
Olvidados” de Buñuel (sobretudo nos planos dos miúdos inseridos na paisagem de
“escombros” da cidade), é o registo melodramático, porém, que interessa a Chow
na construção das personagens e do ambiente de “melancolia de metrópole” em que
elas giram (poeticamente potenciado pelas cores e neóns nocturnos, a evocar
algum do cinema americano dos anos 70 e 80), com destaque para a de Solei, o
irmão de Bora que é “financiado” por um ambíguo sponsor americano e de quem uma personagem diz ninguém conhecer
realmente bem (no seu mistério e penumbra trazendo à memória o irmão mais velho
de “Rumble Fish”…). Se Rithy Panh tem, por todos os motivos, sido o
porta-estandarte do melhor cinema cambodjiano que temos visto, Chow é,
definitivamente, outro dos nomes que merece um acompanhamento atento daqui em
diante".
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