Sexta-feira é dia para ver, entre outros, Retrospective (2016, Salla Tykka, uma habitué do Curtas) e Pedro (2016, de André Santos e Marco Leão). À noite, depois dos filmes, também há festa.
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Pedro
A partir da (aparente)
simplicidade de um dia de praia entre mãe e filho, a dupla portuguesa prossegue
na senda formal e material dos seus trabalhos anteriores (exibidos amiúde no
Curtas), construindo um filme cujo silêncio global rima com os “silêncios” mal
resolvidos daquela relação (o namorado da mãe, as idas à “casa de banho” do
filho), tema – o da dificuldade de comunicação familiar – que já vem de Má Raça. O som, recurso magnificamente
trabalhado e verdadeiramente central na composição do filme (tal como na curta Infinito, por exemplo), chega, quase
sempre (com excepção da momentânea banda sonora), de elementos exteriores: a
mota, o vento, o mar. Nos planos sobre o rosto adolescente de Pedro e,
sobretudo, no gosto por esse rosto, ecoa uma vasta tradição do cinema
português, a começar em Paulo Rocha e Manuel Mozos, passando por Teresa
Villaverde e chegando a Pedro Costa (e, mais recentemente, a João Salaviza).
Mas existe também essa atracção pelo corpo, a mesma de alguém como, por
exemplo, João Pedro Rodrigues ou, fora de portas, Pasolini, de quem Mamma Roma faz uma aparição no plano da mãe
agarrada ao filho de mota. O gag dos sapatos, determinante na narrativa, é inteligentíssimo:
uns e outros a dar largas, de acordo com a liberdade que a norma social concede,
aos mesmos desejos nos mesmos refúgios (o mesmo bosque, aliás, de um filme, que
aqui não deixa de ressoar, como O Desconhecido do Lago, de Alain Guiraudie, ou da
própria curta dos realizadores Aula de Condução).
Retrospective
Podemos falar sobre a nossa vida a partir de
determinados objectos? Artista visual multi-facetada (cinema, vídeo,
fotografia), Salla Tykkä – cuja obra tem sido frequentemente exibida no Curtas,
tendo mesmo sido uma das autoras In Focus em 2009 – ensaia, como o título indica,
a retrospectiva de uma mulher tendo como referente cronológico o material
fotográfico que esta foi adquirindo, pela sua voz se ouvindo a descrição das
características, funcionalidades e outras particularidades e sendo nas dúvidas
que tem sobre determinados aspectos que reside uma das dimensões mais
interessantes do filme, a do esquecimento e da fragilidade da memória (“foi
mesmo assim?”). O registo não é biográfico no sentido convencional do termo,
pelo que a narração em off diz mais
sobre o material do que sobre a vida pessoal da mulher, se bem que os objectos
que estimamos possam, por vezes, revelar muito sobre nós. E depois, claro, há a
imagem, não apenas a da mulher a manejar o equipamento mas, sobretudo, aquela
que é filmada em diferentes momentos e locais (Patagónia e Terra do Fogo),
quase sempre em registo paisagístico, a espaços poético, e cuja acumulação vai,
bem assim, construindo toda uma outra paisagem, “memorial” (e neste sentido
sim, biográfica), tal e qual as imagens mais ou menos nítidas (o problema da
fidelidade da memória, novamente) que conservamos dos locais por que passámos
na vida.
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