domingo, 30 de março de 2008

mundos

O projecto do PS de fazer desaparecer o divórcio litigioso da lei portuguesa "é um grande erro que o país vai pagar caro no futuro", criticou o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Carlos Azevedo, para quem este projecto - ­que será debatido no plenário a 16 de Abril - é mais um sinal claro da postura de afrontamento que o actual Governo assumiu relativamente à Igreja Católica.

A tensão entre o Governo e a Igreja Católica agudizou-se em torno de questões como o aborto, os atrasos na regulamentação da Concordata e a intenção declarada de pôr fim à assistência espiritual e religiosa nos hospitais. "São actos avulsos e isolados que, somados, ferem e atingem quem quer servir a população", insiste, dizendo que "o Estado tem a obrigação de reconhecer o papel social da Igreja e de o promover do mesmo modo que promove o desporto, ao apoiar a construção de estádios".

Mas as críticas estendem-se também à ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. "Andámos um ano a fazer interpelações sobre questões relacionadas com a presença da Igreja nas escolas e a ministra não nos responde".

"Os padres já passaram a pagar impostos, a Igreja, nas suas actividades económicas também deixou de ter isenção fiscal, tudo isso já mudou. A Igreja Católica não quer ser privilegiada, mas também não admite ser prejudicada".


Das duas uma: ou a ICAR tem uma deficiente compreensão de conceitos e sociedade, ou é simplesmente teimosa. Caso seja teimosa, está no seu direito. Convém-lhe no entanto recordar que não há muito por onde teimar porque a a CRP é muito clara nos artigos 41º e 74º. Daí que a meu ver teimosia e deficiente compreensão de conceitos acabem por estar voluntariamente e conscientemente associados.
A ICAR ainda não percebeu que para a CRP é uma religião como outra qualquer, não obstante os esforços sucessivos de governos em lhe conceder um carinho especial. E sendo uma religião constitucionalmente igual às outras, ou seja, totalmente afastada, na teoria, do aparelho de Estado, tem que obedecer ao mesmo regime a que obedecem outras confissões. Por isso quando o porta-voz da CEP afirma que a ICAR "não quer privilegiada, mas também não admite ser prejudicada" revela mais uma vez a difícil compreensão de conceitos. A dicotomia aqui não é entre privilegiar/prejudicar. E não é porque nem sequer deve haver qualquer dicotomia desse género. O Estado é laico, e como tal deve pura e simplesmente abster-se da esfera religiosa. Nem a regular, nem dela receber influências. Ou, a regular, regular sempre no sentido da laicização que se quer de um Estado de Direito Democrático.
Ora esta laicização é entendida pela ICAR como um "afrontamento". Pois é. Só assim poderia ser considerado quando depois o porta-voz nos diz que o "Estado tem a obrigação de reconhecer o papel social da Igreja e de o promover do mesmo modo que promove o desporto, ao apoiar a construção de estádios". O senhor Carlos Azevedo conseguiu com esta afirmação transportar-me para uns bons séculos atrás. Mas a paródia prossegue quando o mesmo senhor se refere ao suposto papel missionário da ICAR no ensino, nos hospitais e, genericamente, na sociedade (!!): "São actos avulsos e isolados que, somados, ferem e atingem quem quer servir a população". E para cúmulo dos cúmulos, a ICAR já não está dispensada de tributação.
Mas em que mundo vive este senhor?

Já agora, fica aqui outra pérola, a propósito da posição da supracitada ICAR quanto ao projecto de lei do Bloco para instituir o divórcio a pedido de um dos cônjuges, e a qual resumo neste brilhante raciocínio: o padre Duarte da Cunha deixou ainda ao Diário de Notícias uma pergunta: "Só se pensa na liberdade do que se quer divorciar. E onde está a liberdade do que não se quer divorciar?"

A mesma pergunta: em que mundo vive este senhor?

4 comentários:

  1. o que se passa é que a igreja católica, além de ter sido o único organismo de justiça social e a maior organização de solidariedade social, ao longo do século XX depois do desaparecimento dos subsídios de encorajamento industrial por volta de 1911, ainda o é. faz mais pela baixa sociedade que o aparelho de estado, e tudo isto a expensas próprias. é muito fácil olhar para uma constituição quando não se tem de dar provas de actos. o partido socialista enfraqueceu a segurança social e impôs um regime de auto-fiscalização opressivo. apenas as organizações privadas, como a AMI, ligadas à igreja cristã, seja ela católica ou protestante, é que têm apresentado resultados, ainda que fracos. é muito fácil, mas mesmo muito fácil, culpar uma instituição enfraquecida pelo seu dever social, alvo do ataque de várias calúnias e pseudo-teorias de laicismo furioso.
    se é assim que o estado paga àqueles que o servem, então parece-me muito bem estar em portugal. de facto, por aqui sempre se sacrificou o esforço gratuito de poucos, ao elitismo intelectual de alguns.
    e mais uma vez, um ponto em que discordámos.
    um estado laico não se abstém da religião.
    a religião é uma forma de cultura, e por isso, deve ser tolerada e aceite e encorajada também no seio de um Estado.
    O estado laico é aquele que s3 esforça por obter para os seus cidadãos o livre-culto, e o respeito pelas suas crenças.

    no dia em que a igreja católica, a evangélica, os núcleos hindus e muçulmanos, as igrejas apostólicas da madeira, pararem de prestar os seus serviços à sociedade, o estado vai-se ver a mãos com, um encargo social tão exponencial como nenhum há na Europa.

    quanto ao divórcio.. a ver vamos, como vai ser o futuro.

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  2. "Único organismo de justiça social e o maior de organização de solidariedade social ao longo do século XX"? Agora pergunto-te eu, Manel: em que mundo vives tu?
    Devemos ter conceitos mt díspares de justiça e solidariedade social. Tão díspares que nem passíveis de qualificados como "justiça" ou "solidariedade".
    O "laicismo furioso" de que falas - furioso ou não, deixo esses adjectivos para ti - não desenvolveu "pseudo-teorias" nem "calúnias". Pelo contrário, apoiou-se em factos históricos concretos de um instituição que desde sempre fez parte das elites sociais e políticas (ganhando rios de capital de todo o género com isso); que perseguiu, torturou e matou cidadãos; que perseguiu e censurou intelectuais e suas obras; que colaborou com um sem-número de ditaduras fascistas por todo o mundo; que subverteu a maioria de dos seus princípios éticos e morais (se "Jesus" lesse a 'actividade económica' de que fala o porta-voz da CEP até se arrepiaria); que insiste em criaccionismos inenarráveis; que...
    E não saía daqui.

    Quanto ao estado laico, pego nas tuas palavras: "O estado laico é aquele que se esforça por obter para os seus cidadãos o livre-culto, e o respeito pelas suas crenças". Precisamente. Mas é apenas isto. E isto está bem claro no artigo 41º da CRP.
    Quanto à suposta forma de cultura que dizes ser a religião, atenção aos dogmas. Poderá sê-la para quem nela se revê. Para quem não se revê, não é de forma alguma. E assim sendo, não poderá ser "encorajada" para alguns. Porque se assim fosse, eu também poderia reclamar do Estado o "encorajamento" de qualquer forma de cultura por mim idealizada. Ora bolas.

    No dia em que as confissões deixarem de prestar "serviços" à sociedade - dia que, arrisco, nunca chegará - a sociedade será outra. Será diferente. E o Estado também. Diferente, só isso. O encargo social não é para aqui chamado. Porque o progresso das sociedades contemporâneas não teve no "serviço social" das igrejas o seu motor. Bem antes pelo contrário, este progresso coincidiu com o apagamento e esvaziamento religioso. Coincidências...

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  3. parece-me estranho que queiras dar tanta importância a uma instituição que apoia aqueles que lhes apetece e aqueles que acreditam naquilo que defendem. aliás, parece-me de espantar manel, que estejas tão preocupado a defender a moral da igreja católica quando nas portas e escadas das igrejas se pode ver os sem-abrigo a serem expulsos ao pontapé porque os senhores e senhoras que vão à missa ao domingo de manhã não podem ser importunados pelos que nada têm. aquilo que para ti é o único organismo de justiça e solidariedade social, é para mim o maior organismo de hipocrisia que se viu e se vai continuar a ver.

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  4. =)

    sinceramente, acho que antes de falar de algo temos de nos inteirar do assunto.
    a igreja não se apoia em elites. no entanto, como é uma instituição como todas as outras, é normal que as elites, sendo as mais instruidas e poderosas, façam parte dela.

    nenhuma religiao é um assunto de ricos. os hindus têm os mufis, peregrinos pobres, os católicos tinham os franciscanos e dominicanos, depois os jesuítas, e agora existema s carmelitas e os beneditinos, que fazem sozinhos missões em áfrica que nenhum estado mundial alguma vez tentou fazer.
    só afirmar que o vaticano recebe por ano relatórios de missões em certas regiões africanas em que os governos ocidentais nem se atrevem a ir ver como se pára por aqueles lados, já nos diz alguma coisa.

    várias missões de apoio social são mantidos pela igreja no nosso país, nos bairros mais degradados. desde a casa do gaiato, ate outras organizações de inserção.

    não vou desconsiderar a religião pelo passado. não vou odiar muçulmanos pela destruição dos monumentos budistas do afeganistão. e tenho a certeza que a igreja muito se arrepende de todas as vítimas que perseguiu, como já o fez transparecer.
    é esse o laicismo furioso que falo Francisco. não há vingança possível contra a igreja, ou a religião.
    a religião, enquanto cultura e fonte de cultura, é feita pelos homens. e estes nem sempre são bem intencionados. tal como os homens, as instituições atravessam crises de decadência.
    quanto à cena das escadas Daniela... nunca presenciei isso. sinceramente, se isso aconteceu, foi alguém que não chegou a compreender bem o objectivo da coisa.

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