quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Já tinha dado notícia do primeiro single, "Caminho de volta", do novo álbum de Virtus, prontinho a sair em Janeiro. Agora é a vez de "De que forma". Pelas amostras, e a não ser que Virtus seja um cruel ilusionista, UniVersos será um dos grandes discos do hip-hop português de 2012 (elogios a uma escala maior, que já me apetece fazer, deixo-os, por prudência, para momento pós-audição) e da música portuguesa, em geral.
Esperemos, agora, que a crítica lhe preste a devida atenção, a mesma com que brindou, por exemplo, o grandioso álbum de Haloween (até, pasme-se, o B Fachada o apontou como um dos discos do ano!) , "A Árvore Kriminal" (de que, muito injustamente, ainda não falei aqui). É que o hip-hop português funciona, em termos mediáticos, um pouco à imagem do cinema português: só se fala nele, quase sempre, para dizer trivialidades bacocas ("ai e tal, a vossa música é, tipo, música de intervenção, né?"; ou "vocês inspiram-se nas ruas para falar do que sentem, para espalharem a vossa mensagem?") e a propósito de exemplares péssimos ("Call girl" no cinema, por exemplo, e uma série de porcarias, NGA e afins, no hip-hop), o que só contribui para uma desinformação brutal, massificada, que só afasta, está bom de ver, potenciais ouvintes. Mas isto é assunto para um ensaio com pés e cabeça, o qual teria o maior gosto (já não o tempo, receio) em fazer se alguma alma caridosa, eventualmente editora de um publicação interessante, o entendesse pertinente. Enquanto milagres desses não acontecem, oiçamos:



quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

isn't that what we all do?



Novo teledisco dos The Roots, em jeito de curta-metragem:




Undun (2011), The Roots.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

tanta coisa para nada



O que é mais terrífico em A Rosa Púrpura do Cairo (1985, Woody Allen) é que, tanta coisa, tanta coisa, e, no fim, acabamos por preferir a realidade à fantasia, ao sonho. É uma lição, um soco no estomâgo, a moral da história com que o filme nos censura (ou parodia, vai dar ao mesmo). Malditos humanos.

declaração de amor


Play it again, Sam (1972), Herbert Ross.


Nancy: "You like movies because you are one of life’s great watchers. I’m not like that, I’m a doer, I want to participate. I want to laugh, We never laugh together".
Francisco: Fuck you, Nancy. I feel you, Allan.

domingo, 25 de dezembro de 2011

undun




Será a prenda de mim para mim: Undun, o novo disco, fabuloso (audição prévia ilegal assim o garante), dos The Roots (se eu tivesse uma banda preferida, que não tenho, ela seria, com alto grau de probabilidade, a dos rapazes de Philadelphia).

hard christmas



Dilated Peoples - "The Platform", álbum homónimo, 2000.


O Hard Club decidiu fazer o papel de Pai Natal e presenteou-nos com a presença dos Dilated Peoples, dia 20 Janeiro, no Porto. Segurem-se.

sábado, 24 de dezembro de 2011

transe



Quanto mais o tempo passa e eu me ponho a pensar em "Transe" (2006, de Teresa Villaverde), mais o tenho por monumental. É o que se chama, creio eu, de uma lenta e intensa degustação.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os senhores do P3 entenderam, numa atitude que ainda lhes poderá vir a custar a carreira no melhor jornal português, mas isso é lá com eles, que alguns dos textos que lhes enviei teriam dignidade para ser publicados e assim o fizeram. O último que lá publiquei (a par de outros dois, respeitantes a dois filmes do Fellini e do W. Allen, e que são versões mais reduzidas do que aqui escrevi) é relativo ao filme "Sangue do Meu Sangue", de João Canijo, e consiste num excerto, modificado aqui e ali, do texto original que publiquei neste blog. Se tiverem interesse e paciência (esta última é uma substância muito rarefeita entre os internautas), dêem uma vista de olhos por aqui. Se nunca tiveram, peço desculpa pelo incómodo e, para a próxima, como diz a minha Mãe, meto a viola no saco.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

primos em segundo grau

A A Árvore da Vida e Melancholia comungam de vários aspectos. Enquanto o primeiro celebra a vida, o segundo é um ensaio elegíaco (ainda que belíssimo, o que é uma ironia daquelas). Ambos fazem da estética visual a sua maior força: são verdadeiras obras-primas enquanto construções pictóricas, dotadas de uma intensidade e de um perfeccionismo que nos enchem, fazem transbordar, os olhos. Depois, ambos falam do fim, mesmo que em tons distintos. O filme de Malick debruça-se sobre o fim de uma época (Texas, anos 70), de uma família (e, além daquela família em concreto, de um tipo de família, conservadora mas vibrante nas suas contradições) e, acima de tudo, do fim da infância - da inocência da meninice, do tempo das ilusões e da fantasia (esta parte é-me particularmente cara, já agora). Ou, dito de outro modo, do fim de um tempo (que já não volta mais, bla-bla-bla, já sabemos todos como é, poupemo-nos a esse suplício). Melancholia, por sua vez, aponta o foco para o fim do mundo, da humanidade, embora, na mesma passada, e quase como que justificando esse grande desfecho universal, apresente outros fins ou desmoronares mais localizados: da família, do amor, da burguesia ou, mais latamente, dos convencionalismos que pautam as relações humanas (eles não pertencem só à burguesia, desenganem-se os mais ingénuos). Como se dissesse: se tudo acabou (a genuinidade e a bondade das coisas) ou se deixou viciar, para quê continuarmos aqui? Arrebente-se com tudo. Como me disse um amigo, e vou roubar-lhe a ideia mesmo nas suas barbas, Von Trier teve a arte e o engenho de fundir ideias mundanas sobre nós, homens, com um argumento absolutamente inverosímil (a colisão de um planeta chamado Melancholia com a Terra) sem que o resultado final tivesse o aspecto disso mesmo: de algo inverosímil.
Além disto, e esta é a parte que menos vos interessa, os filmes de Malick e Lars Von Trier partilham da particularidade de ambos me terem feito sair da sala bastante mal disposto e, não há direito, com uma enorme vontade de os rever. Fi-lo com A Árvore da Vida, mas continuo de pé atrás com Melancholia.

Conclusão: são os dois melhores filmes deste ano, só partilhando o pódio com o Road to Nowhere, do Monte Hellman (um filme em tudo semelhante - estou a gozar).

domingo, 18 de dezembro de 2011


Essential Killing (2011), de Jerzy Skolimowski.

Não sei se Essential Killing é o filme do ano, mas de que esta é a cena cinematográfica de 2011 ninguém terá dúvidas.

sábado, 17 de dezembro de 2011

alive



Depois de ver um filme iraniano, de seu nome Close Up (1990), do Kiarostami, o Godard disse uma parvoíce que entretanto ganhou honras de parangona cinéfila: "O cinema morreu".
Pois bem: resta-lhe ver, passados 11 anos, um outro filme iraniano, Uma Separação, de Ashgar Farhadi, para corrigir o dislate (ainda vai a tempo do perdão, nós desculpamo-lo pelos grandes filmes que já nos deu).

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

eu avisei-vos

Eu já tinha falado dele e não estava a brincar:



"Why even try", do bombástico Timez Are Weird These Days (2011), de Theophilus London.

Quando fecho os olhos e oiço, vejo tudo roxo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

quem sabe

"Ou então estamos já, quem sabe, na transição para um politeísmo de novo tipo. Deus morreu, vivam os deuses: pequenos, quotidianos, quase instantâneos e frágeis. Humanos".

Belo artigo, este do João Teixeira Lopes: "O sagrado quando menos se espera".

domingo, 11 de dezembro de 2011

os filmes que não vimos em 2011



Faltam o "Carancho", o "Post-Mortem", o "Restless", etc., mas não se pode ter tudo.

Por isso, já é uma excelente prenda esta a que o Cineclube da Faculdade de Direito da UP nos oferece: "You, the Living" (Roy Andersson, 2007) e "Essential Killing" (Jerry Skolimowsky, 2010) serão exibidos esta terça-feira, numa sessão dupla com direito a lanchezinho de borla (só para contrariar os arautos da austeridade que dizem que "ninguém dá nada a ninguém" e parvoíces desse género).

Estão todos convidados! E não cobramos mais pela boa disposição. Até lá!

sábado, 10 de dezembro de 2011



O editorial da penúltima edição da Wax Poetics (n.º 48, Setembro deste ano) é um dos melhores que já li do André Torres. É precedido por uma afirmação do Theophilus London: "There are magazines and blogs that were all over This Charming Mixtape when it came out, but they aren't covering me now, when they should be... They want to hype the next big thing but don't stay with that artist as the grow (...)".

Então, entra o André Torres. Reza assim:

"It's interesting to hear newcomer Theophilus London, who owes much of his initial buzz to these magazines and blogs, express his true feelings about media today. Even as magazine publisher myself, I couldn't agree with him more. But sadly, this is the state of music writing. Real journalism has been replaced with "feeding the beast". Churning out a people hundred words on the next bing thing is a daily operation, and everyone's tripping on themselves to get there first. That's never been our thing: we've always put quality over quantity. But at the end of last year, I pondered this past decade at Wax Poetics and began lookong foward to the next. I'm hopeful about the future of hip-hop and music in general. But when I went back looking through the issues of Wax Poetics, I found that over the years, many of the new artists we were convering weren't getting as much ink as they were when we first started".

Depois, mais à frente, sobre Nina Simone:

"Nina Simone was a true musical pioneer who knew all too well the strugles involved in the freedom of Black expression. A classicaly trained child prodigy scarred by systematic racism early in life, she became a true voice for civil rights at a time her peers simply didn't. But it was the devastation from the racism that fueled Simone into using her voice to spread the truth, challenging listeners to think for themselves.

(...)

She was Black power before there was Black power. Just as she hoped, Simone's "To Be Young, Gifted, and Black" (...) has become the unoficial Black National Anthem for a generation of whom "Lift Every Voice and Sing" falls flat. This is protest music at its rawest, and Simone brought the noise like no other".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

eu repito: re-pu-bli-ca-nis-mo

"But if the EU might well qualify [como legitimada democraticamente] by liberal standards, it would definitely fail by the criteria of republican democracy. On the output side, the Union's capacity to promote the common good is constrained by the extremely high consensus requerirements of EU legislation. They prevent effective collective action in response to many problems that member states could not deal with nationally. The notorious inability to regulate competition over taxes on company profits and capital incomes is just one example.

(...)

The constraints of consensual decision making cannot be significantly relaxed as long as the peoples of twenty-seven member states lack a collective identity that could legitimate Europe-wide majority rule. And even if citizens were to develop a sense of common solidarity and a stronger attachment to the European polity than to their own nation state (perhaps in response to external challenges from American, Russia, or China), they would presently lack all the societal and institucional prerequisites of input-oriented democracy: no Europe-wide media of communication and political debates, no Europe-wide political parties, no Europe-wide party competition focused on highly salient European policy choices, and no politically accountable European government that must antecipate and respond to the egalitarian control of Europe-wide election returns. There is no theoretical reason to think that these deficits should be written in stone. But at present, input-oriented republican legitimacy cannot be claimed for the Union.
While these stylised diagnoses may be somewhat overdrawn, they suggest a prima facie plausible interpretation of current disputes over the existence of a "European democratic deficit".

Fritz W. Scharpf, "Legitimacy in the Multi-level European Polity", in Petra Dobner/Martin Laughlin (eds.), The Twilight of Constitutionalism?, Oxford: Oxford University Press, 2010, pp. 94 e 95.

lá em cima

Podia dizer várias coisas sobre o novo filme de Lars Von Trier, umas menos cinematográficas que outras. Por exemplo: que nunca vi uma mulher em depressão tão sexy como a Kirsten Dunst (sim, à frente mesmo da Monica Vitti e da Jeanne Moreau). Ou: que os jardins de Melancholia me lembraram, perversamente, os de Marienbad (em Resnais). Também: os cavalos, filmados à Tarkovsky (em Andrei Rublev), sinalizadores da interação homem-mãe natureza. E até: que, suspeito, não seria só Justine que já estaria ciente da inevitabilidade do fim do mundo, mas, também, a sua mãe (note-se como Justine é, no capítulo segundo do filme, uma mimetização da sua progenitora).

Mas o que mais me apraz escrever sobre o filme é mesmo no que toca à radical ironia que o perpassa: durante duas horas, são mais que muitos os planos em que as personagens olham persistentemente, com ar curioso e naif, para o céu. "Olhar para cima" é, como se sabe, um aforismo do quotidiano cujo sentido é o da necessidade de continuarmos em frente, ultrapassarmos os obstáculos, contornarmos as dificuldades da vida e a aparente invencibilidade da desgraça. No fundo, como se no céu, lá em cima, na morada de um Deus qualquer, se nos oferecesse a resposta, a saída para os nossos problemas terrenos. Pois bem: quando, no filme de Von Trier, os homens olham para cima, para o céu, nada mais vêem, afinal, que a sua morte, o fim da sua existência, enfim, o desaparecimento da humanidade. Mas, o que é pior, vêem-no sem o saberem, com olhos de encantamento, como se Melancholia se tratasse de um astro como outro qualquer e o devessem apreciar como sempre o fazem os homens desde que perceberam que não vivem sozinhos numa coisa a que chamaram de "espaço": com admiração, assomo, quase com vontade de lhe tocar para se assegurarem de que é... real. Tão real como o fim de tudo (e, como já alguém escreveu, é este um filme sobre o fim: não só do mundo, mas, outrossim, do amor, das convenções sociais, da família, etc.) É seco, é irónico, é cruel. Assim é Melancholia do primeiro ao último minuto.











anything you want



"Anything you want", Belleruche.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

nunca aceites doces de estranhos



O Mundo no Arame (1973), R. W. Fassbinder

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

quo vadis



"Habemus Papam" não é, definitivamente, um filme maior de Nanni Moretti (tal como "Midnight in Paris" também não o era na carreira de Woody Alen, mas eu não percebo nada disto).

Ainda assim, o que de melhor "Habemus Papam" tem é a sua cena final e, justamente, o seu último plano (se não estou em erro, admito que sim). A saída do cardeal Melville da varanda papal e, com ela, a recusa do poder, da assunção do papel de líder e condutor de uma religião de massas, constituem a figuração alegórica do vazio que vivemos presentemente a uma escala que extrapola a mera esfera da fé. A ausência de líderes, de referências últimas ou absolutas, é um sintoma crónico do vácuo dos nossos tempos, naquilo que proverbialmente se expressa pela asserção de que "já não há grandes homens". Não há símbolos inquestionáveis, homens de carne e osso em quem possamos confiar para o comando do destino de determinada instituição ou ideia. Não se confunda isto, obviamente, com figuras paternalistas e totalitárias. Trata-se, afinal, da carência de personalidades que, pelo seu mérito, inteligência ou sagacidade, saibam inspirar e influenciar os homens, na sua individualidade, e a colectividade em tempos difíceis. Por isso é que ouvimos dizer, a todo o momento, que já não há "grandes estadistas" ("o Churchill é que era"), "grandes políticos", etc.. E, nesse capítulo, o filme de Moretti constitui também um ponto de interesse pelo olhar que dedica ao homem que, no caso concreto, duvida das suas capacidades para tamanha empreitada, bem como daquilo (valores) que esta última genuinamente representa. O homem tem medo de liderar um conjunto de valores porque duvida da sua veracidade ou os valores esfumam-se porque não há personalidades que os saibam proclamar? Provavelmente, as duas coisas.
Piccoli é, simultaneamente, o anti-herói e o anti-papa. Ele já recolheu ao interior do edifício e a câmara continua a focar a varanda ladeada pelos venustos cortinados encarnados. Uns segundos depois, a "corte" papal, embaraçada, recua também, desaparecendo do plano. Esse vazio glorioso, imponente, é filmado por largos segundos. Para dentro da varanda, nada vemos, a não ser um escuro indecifrável, como que uma interrogação plástica de sentido único: quo vadis modernidade?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Xavier




Escrevi, há uns tempos, que "Sangue do meu Sangue", o filme de João Canijo, me parecia pouco honesto, senão mesmo falseador, no retrato que fazia da portugalidade contemporânea e do "ser português", e isso porque se deixava cair numa etiquetização fácil, ostensiva e superficial do nosso país e suas gentes. A esse propósito, falei de filmes de Teresa Villaverde ou de João César Monteiro como exemplos, no extremo oposto, de olhares - ainda que cinematográficos e, portanto, do domínio diegético - sóbrios e muitíssimo mais verosímeis sobre este lugar chamado Portugal.
A estes dois nomes, aos quais podia aditar outros (Pedro Costa, Manoel de Oliveira, etc.), acrescento um outro - o de Manuel Mozos, cujo filme Xavier (filmado em 92, mas estreado apenas em 2003) só veio reforçar o entendimento que retive de "Sangue do meu Sangue": o de que, com uma simplicidade desarmante, podemos captar uma realidade, uma cultura, de um modo muito mais sério e verdadeiro quando o deixamos respirar, por si, em frente a uma câmara, ao invés de extrairmos dele, à força, quase o violentando, as sua marcas mais epidérmicas, as pontas dos icebergs menos interessantes de um mais vasto e complexo mundo.

De resto, Xavier é um filme fabuloso, belíssimo, um tesouro do cinema português que é, paradoxalmente (ou não tanto assim...), expressão máxima do destino trágico (produção e exibição) a que muitos filmes portugueses estão votados. É um filme que tem o condão de nos continuar a fazer pensar nas personagens (um soberbo Pedro Hestnes à cabeça, e toda uma geração de então novos actores, hoje "telenovelizados"), suas vidas e nas relações entre si. É tudo tão vívido que nos fica a sensação de que aquele universo permanece activo mesmo depois de se abrirem as portas da sala de cinema, de que aquelas vidas, com os seus alentos e desventuras, persistem em animar um lugar, uma comunidade, enquanto nós, voyeurs de ocasião, continuamos paralelamente com a nossa vida, volta e meia voltando a acompanhar os seus passos. O filme acabou, mas saímos da sala menos sós.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

crescer é um lugar estranho

Quando deixamos de ser nós a solicitar a atenção dos nossos pais e se dá o inverso.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

a sala de cinema




Um dos momentos mais frios no neo-realismo de O Conto do Vigário (1955), de Fellini, prende-se com a cena em que Augusto é interpelado por um homem a quem burlou e de quem estava fugido há já muito tempo (fotograma acima). É que esse momento, que culminará com Augusto, preso, a ser arrastado pela polícia diante da inocência incrédula de Patrizia (v. fotograma abaixo), a sua pequena filha, ocorre num local muito particular: numa sala de cinema. Não é na rua, num café, em casa ou noutro sítio qualquer; é numa sala de cinema, na qual Augusto se preparava para ver um filme com a sua filha numa tarde bem passada entre pai e filha (que, até então, haviam estado separados).
O lugar que é a sala de cinema consubstancia, justamente, a tal frieza, ou, de outra perspectiva, o pragmatismo de que falo no início. Num tom profundamente pessimista, sem concessões do tipo "tudo está bem quando acaba bem", Fellini não poupa no realismo e no trágico da vida: nem no cinema, lugar de escapismo, fantasia e transgressão, ou, mais genericamente, na Arte, enquanto meio de evasão do real em direcção ao Belo, a uma existência superior, os homens podem encontrar a felicidade, ainda que por breves instantes. A ida ao cinema deste pai e filha funciona como uma pequena e momentânea ilusão de tranquilidade, de "normalidade" (irremediavelmente desfeita, no entanto, dada a separação entre pai e mãe), que, não obstante, não passará apenas disso mesmo, já que esse momento pacificador será abruptamente cortado, trucidado, pela dureza da vida real, ao mesmíssimo tempo que a pequena Patrizia saboreia descontraidamente - infantilmente, diria, como sugestão de uma infância esmagada pelo mundo dos adultos - um gelado. Augusto é avistado e confrontado por uma das suas vítimas (a única, note-se, que não aparece no filme como sendo pobre), sendo depois levado pela polícia. Nem num local, portanto, de imaginação, como é o cinema - onde nós, espectadores (segundos espectadores, no sentido em que Augusto e Patrizia eram também, naquele momento, espectadores), podíamos imaginar (acreditar) num desfecho feliz para aquela relação -, o sonho leva a melhor. Pelo contrário, o real - o fatalismo, o destino - subsiste; a fantasia, essa, sai derrotada.



Acresce, ainda, uma estrutura dramática e narrativa tripartida (muito cara ao realismo poético francês dos anos 30), a qual potencia a curva, primeiramente ascendente, e depois descendente, de optimismo neste filme. De início, Fellini filma a vida de três burlões que, através de artimanhas bem esgalhadas, burlam tudo e todos (mas burlam só os mais pobres, o que é, novamente, um traço desolador deste neo-realismo puro e duro: a pobreza é tanta que os pobres roubam os pobres). Nesta primeira fase, digamos, Augusto é apresentado como um homem que, devido à sua vida marginal, terá perdido a mulher e, por arrasto, a filha, mergulhando num estado de melancolia permanente (veja-se a cena, de uma enorme candura, em que Augusto encontra, por acaso, a filha à saida da escola). Num segundo momento, ilumina-se uma esperança: é, precisamente, quando Augusto decide retomar a sua relação com a filha, passando o dia com ela e oferecendo-lhe um bonito relógio (como se o tempo entre os dois começasse a contar a partir daquele momento). É então que, neste mesmo dia - e chegamos a um terceiro e derradeiro momento -, essa vaga de esperança, de felicidade, se desvanece, e a realidade, trágica e dura, assume novamente o seu curso inexorável: na cena da sala de cinema, Augusto é preso e separa-se, uma vez mais, da filha. E quando sai da prisão, então aí sim, a desgraça abate-se impiedosamente, numa cena dolorosa e difícil de digerir.



Um dos momentos mais frios no neo-realismo de O Conto do Vigário (1955), de Felllini, prende-se com a cena em que Augusto é interpelado por um homem a quem burlou e de quem estava fugido há já muito tempo. É que esse momento, que culminará com Augusto, preso, a ser arrastado pela polícia diante da inocência incrédula de Patrizia (v. fotograma abaixo), a sua pequena filha, ocorre num local muito particular: numa sala de cinema. Não é na rua, num café, em casa ou noutro sítio qualquer; é numa sala de cinema, na qual Augusto se preparava para ver um filme com a sua filha numa tarde bem passada entre pai e filha (que, até então, haviam estado separados).
O lugar que é a sala de cinema consubstancia, justamente, a tal frieza, ou, de outra perspectiva, o pragmatismo de que falo no início: num tom profundamente pessimista, sem concessões do tipo "tudo está bem quando acaba bem", Fellini não poupa no realismo e no trágico da vida: nem no cinema, lugar de escapismo, fantasia e transgressão, ou, mais genericamente, na Arte, enquanto meio de evasão do real em direcção ao Belo, a uma existência superior, os homens podem encontrar a felicidade, ainda que por breves momentos. A ida ao cinema deste pai e filha funciona como uma pequena e momentânea ilusão de tranquilidade, de "normalidade" (irremediavelmente desfeita, no entanto, dada a separação entre pai e mãe), que, não obstante, não passará apenas disso mesmo, já que esse momento pacificador será abruptamente cortado, trucidado, com a dureza da vida real, no mesmíssimo momento que a pequena Patrizia saboreia descontraidamente - infantilmente, diria, como sugestão da infância esmagada pelo mundo dos adultos - um gelado. Augusto é avistado por uma das suas vítimas (a única, note-se bem, que não aparece no filme como sendo pobre), sendo levado para a prisão. Nem num local, portanto, de imaginação, como é o cinema - onde nós, espectadores (segundos espectadores, no sentido em que Augusto e Patrizia eram também, naquele momento, espectadores), podíamos imaginar (acreditar) num desfecho feliz para aquela relação - o sonho leva a melhor. Pelo contrário, o real - o fatalismo, o destino - subsiste; a fantasia sai derrotada.



Acresce ainda uma estrutura dramática e narrativa tripartida (muito cara ao realismo poético francês dos anos 30), a qual potencia a curva, primeiramente ascendente, e depois descendente, de optimismo neste filme. De início, Fellini filma a vida de três burlões, que, através de artimanhas bem esgalhadas, burlam tudo e todos (mas burlam só os mais pobres, o que é, novamente, um traço desolador deste neo-realismo puro e duro: a pobreza é tanta que os pobres roubam os pobres). Nesta primeira fase, digamos, Augusto é apresentado como um homem que, devido à sua vida marginal, terá perdido a mulher e, por arrasto, a filha, mergulhando num estado de melancolia permanente (veja-se a cena, de uma enorme candura, em que Augusto encontra, por acaso, a filha à saida da escola). Num segundo momento, ilumina-se uma esperança: é, preciamente, quando Augusto decide retomar a sua relação com a filha, passando o dia com ela e oferecendo-lhe um bonito relógio. É então que, neste mesmo dia - e chegamos a um terceiro e derradeiro momento - que essa vaga de esperança, de felicidade, se desvanece, e a realidade, trágica e dura, assume novamente o seu curso inexorável - Augusto é preso e separa-se, uma vez mais, da filha. E quando sai da prisão, então aí sim, a desgraça abate-se impiedosamente, numa cena dolorosa e difícil de digerir.

Fassbinder ao cubo



Ciclo "FASSBINDER: TRILOGIA DO PÓS-GUERRA", pela Milímetro. Às 22h, no Passos Manuel. E o melhor é que começa já esta quarta-feira.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

envelhecer bem



Monica Vitti representa aquilo que comumente conhecemos por "envelhecer bem". (para uma noção oposta, cfr., por todas, Brigitte Bardot)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

deve ser fresco, deve

As pessoas são muito engraçadas. É o caso da senhora, muito bem disposta, que está na bilheteira do cinema. Sempre que lá vou e lhe pergunto pelos filmes por vir, faz invariavelmente um comentário peculiar. Uma vez, quando comprei bilhete para ver a "A Autobiografia de Nicolae Ceausescu", e lhe perguntei se estava a pensar em ir ver o filme, disse-me: "Ai, da Roménia? Nã, não vejo isso", como se a Roménia ou, em particular, os cineastas romenos, fossem espécies humanas estranhas, eventualmente mutantes.

No sábado passado, depois de lhe pedir o bilhete para o "O Mundo no Arame", olhou-me de soslaio, baixou a cabeça na minha direcção, e alvitrou: "Féssbéndér? Ui, com esse nome deve ser fresco o filme, deve...". E lá fui eu, com um olhar cravado nas costas por quem me julga um pervertido que vai ver filmes, imagine-se, do "Féssbéndér".

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

segurança pública

Receoso de ficar encharcado em virtude de um carro mais descuidado que se abeire do passeio, diz um polícia ao colega: "Mas tu queres ver? Se alguém me molha, leva um tiro no focinho!".
Com o susto, meti um pé dentro de uma poça.

domingo, 20 de novembro de 2011

Zerkalo

Design: Luísa Beato


É um convite a quem vier por bem: esta terça-feira, 22 Nov., o Cineclube da Faculdade de Direito da UP exibe "O ESPELHO" (1975). É um dos meus filmes favoritos do Tarkovsky, e estou certo de que também passará a ser um dos vossos. A entrada é livre, universal, gratuita, de borla - tipo SNS nos tempos de antigamente. Às 18h15, na sala 1.28.

sábado, 19 de novembro de 2011

como um cão



O Conto do Vigário (1955), Federico Fellini.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

uma questão de escala

Na terça-feira passada, troquei a selecção pelo Chaplin. Desconfio de que não terei sido o mais patriota possível (e, nos tempos que correm, em que o país segura com uma mão as calças e com a outra aperta a mão gorda do Sr. FMI, o patriotismo é matéria sensível para estes lados), mas uma coisa é certa: embora consiga admitir que os penteados dos jogadores da selecção portuguesa suscitem muitas gargalhadas, o Chaplin continua a ter mais piada.



A Women of Paris (1923), Charles Chaplin

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

somos poucos mas bons

À boca da sala de cinema:

"- Deixa ver aqui no bilhete... fila J, lugar 10... onde é isto?
- Oh! Não vês que aqui não há lugares marcados? Não vês que são sempre os mesmos que cá vêm?!"

terça-feira, 15 de novembro de 2011

ainda "Interiors"




O facto de o filme Interiors (1978), de Woody Allen, se chamar "interiors" (ou "Intimidades", numa tradução que, embora fiel, acaba necessariamente por perder o sentido original) tem, a meu ver, um significado muito especial.

Eve (um trabalho de degradação da personalidade magnífico, por Geraldine Page), a mãe das três irmãs, e à volta da qual gira todo o filme e as relações entre as personagens, foi, durante a sua vida activa, designer de interiores até ao momento em que, por causas nunca realmente explicadas - e isto não é inocente, pois quer sugerir, de forma natural, que há momentos indefiníveis e imprevisíveis nas nossas vidas com os quais temos de lidar, naquela que é uma reflexão existencialista por excelência - se começa a afundar num estado de prostração profundo (numa cena do filme, uma das suas filhas, Renata, interpretada por D. Keaton, irá dizer que receia estar a entrar na idade em que a mãe começou, por assim dizer, a descambar). Situação que será agravada, mais tarde, com a decisão do seu marido em deixá-la e iniciar uma nova vida (numa redescoberta "teenager" dos prazeres mundanos). Dizia que Eve havia sido designer de interiores; no presente, ela continua com essa ocupação, mas de modo informal, cuidando da decoração da casa de uma das filhas (Joey), recém-casada. Fá-lo, no entanto, de uma forma perfeitamente obsessiva, minuciosa e exasperante, irritando de sobremaneira o casal (sobretudo o genro).
Por outro lado, Eve tem a mesma obstinada preocupação na decoração da sua própria casa, onde, hoje, vive sozinha. Há, aliás, um plano fabuloso em que ela é filmada no seu quarto mudando uma peça da mobília sucessivamente de sítio, acabando depois por fitar interminavelmente, imóvel e vazia, o quarto.

É como se existissem dois "interiors" (leia-se em português ou em inglês, tanto dá): o interior de Eve propriamente dito, sua alma e pensamentos; e o interior das casas que ela decora, que é, na verdade, paradoxal e simultaneamente, o exterior, aquilo que os seus olhos vêem, aquilo que está fora de si.
A obsessão perfeccionista de combinar e organizar tudo detalhadamente - riscas com riscas, xadrez com xadrez, claros e escuros, creme e salmão, etc. - i.e., a necessidade de ordenar estes interiors materiais, ou físicos, digamos, funciona como um escape de Eve para o facto de não conseguir colocar em ordem o seu próprio interior, profundamente destroçado e instável. É, no fundo, uma vontade de ajustar esteticamente, artificialmente, aquilo que não o é, o que não está à superfície, o que não é visível aos olhos. É a procura do belo (da harmonia, da coerência) no que está para além de nós, quando a fealdade do mundo se nos impõe duramente no mais íntimo do nosso espírito. É essa a demanda - pela "paz interior" - impossível, suicida, de Eve.


anti-comunismo primário

Levei anos a perceber.
Ontem, quando tentava "sacar" o Office (crime previsto e punido nos códigos do Império), depois de transferir o ficheiro, apercebi-me que o mesmo vinha intitulado como "KGB". De repente, tudo se fez claro: compreendi como estes hackers imperalistas e opressores, numa demonstração de um anti-comunismo primário, e ao abrigo de uma campanha selvática que tem como único escopo denegrir a classe proletária e as estruturas do Partido, procuram associar o viscoso mundo das ilegalidades informáticas aos beneméritos serviços de espionagem da Rússia-Mãe. Desta forma incutindo, pois, o medo e a dúvida sobre a fiabilidade do dito programa (ele próprio imperialista, também - mas a cavalo dado não se olha o dente, já dizia o camarada Vladimir Illyitch).

domingo, 13 de novembro de 2011

explosões




Entre tantas outras interpretações (suponho eu, não tive paciência para confirmar), há duas possíveis para um momento singular em Zabriskie Point. Falo, sem novidade, da sequência da explosão. Ora, há nela um instante (um plano, mais concretamente) muito especial. Depois de vermos tudo explodir (roupas, móveis, electrodomésticos ou, metaforica mas justamente, o poder, o dinheiro, o consumismo, o materialismo, enfim, o capitalismo), há um plano onde Antonioni filma a detonação de uma quantidade gigantesca de livros e calhamaços. Eis a dúvida: a literatura, o conhecimento, a... Cultura a explodir?



Há quem veja na explosão dos livros, como é o caso do inglês David Thomson, a destruição de bens que, mesmo não sendo materiais, não possuem um valor espiritual, interior, próprio. Donde, a inclusão da deflagração de todas aquelas páginas e palavras na explosão do tudo, i. e., do conjunto das coisas que não são realmente importantes para os homens: "the repeated explosion of the desert home - deprived of the violence by silence - speak for the helpless sterility of material things: not just of material goods, but the irrelevant accumulation of things that have no interior significance" (David Thomson, The New Biographical Dictionary of Film, Knopf, 2010, p. 28). É nestas things that have no interior significance que se encaixam os livros, a meu ver.

Todavia, e esta é a interpretação que eu faço, parece-me a mim, do que conheço da personalidade de Antonioni (um tipo muito fino, inteligente e anti-dogmático, nada dado a radicalismos fáceis) e do ambiente que impregna todo o filme (a contra-cultura americana dos anos 60 - seus clichés, fragilidades e antinomias -, que se cruza com o encontro de dois jovens, também eles, de certa forma, em contra-corrente com essa contra-cultura), que a explosão em causa (a dos livros, em concreto) pode ter um outro significado. Que é o de sugerir (em forma de pergunta) o seguinte: se mandarmos tudo (capitalismo, suas idiossincrasias e avatares) pelos ares, não destruímos, também, aquilo a que damos realmente valor?



Assim vistas as coisas, o filme de Antonioni (um homem de esquerda, é certo, mas sem se comprometer com ditames de espécie alguma na sua arte), acaba por ficar no meio de dois mundos. O mundo da juventude revolucionária, por um lado, cujas contradições movediças e debilidades internas são expostas (tal como fez Godard, em La Chinoise). E o mundo capitalista, este fortemente parodiado e criticado - pense-se, respectivamente, na cena em que os empresários visionam um anúncio publicitário ominoso, estupidificante, típico das sociedades de consumo; e na cena final, na casa prestes a explodir, em que os grandes planos fazem dos rostos dos empresários autênticos donos dos terrenos ("donos do mundo", desumanos e agarrados a cálculos económicos) simulados nas maquetes. E que meio-termo é esse?
É, justamente, aquele onde se situa um pensamento - político? - , uma concepção do mundo, que se interroga profundamente sobre fenómenos contestários de massa (a contra-cultura americana, de pendor acentuadamente esquerdista, no caso), mas que, simultaneamente, se furta terminantemente a aceitar um mundo onde o poder e o dinheiro comandem a vida. Ao filmar, primeiro, a explosão de bens materiais supérfluos, e, depois, livros (pensamentos, sentimentos, palavras, teorias), não está Antonioni a lembrar-nos o que, em parte, aconteceu na História? Não foram homens que, querendo sofregamente terminar com este ou aquele sistema, por projectarem nas suas cabeças um novo mundo, melhor e mais verdadeiro ("mudar o mundo", em português escorreito), acabaram por apagar tudo, inclusivamente aquilo que tinham por nobre?
É evidente que, neste contexto, o regime comunista da União Soviética assomará imediatamente às nossas cabeças, pois ele partiu da aversão de um conjunto de indivíduos a um sistema - o capitalista (tal como os jovens americanos da contra-cultura, embora com nuances fundamentais: logo à cabeça, a guerra do Vietnam, e, obviamente, a radical diferença entre os níveis de vida nos EUA dos anos 60 e os da Rússia czarista do início do séc XX). Contudo, parece-me, a leitura de Antonioni é mais abrangente: ela interpela e interroga toda e qualquer intenção destruidora (absolutizante, neste sentido), pois ela sempre correrá o risco de, eliminando o que de inútil - fútil, inane, materialista, etc. - considera viciar a humanidade, cair num subjectivismo total, o qual, em último termo, se reduz à censura e à repressão. E é aí, nesse preciso momento, que o que outrora se tinha por grandioso, sublime, assume um valor relativo e passa a poder ser objecto de eliminação, como se de um processo administrativo se tratasse. Por esse motivo é que livros, filmes e músicas extraordinárias, que hoje consideramos praticamente como património da humanidade, já foram, em tempos, destruídas, queimadas, apagadas da história (ou, pelo menos, foram feitas tentativas nesse sentido - felizmente, nunca com absoluto sucesso). Posta de outra maneira, a pergunta que fiz acima mantém o sentido original: onde começa e onde acaba o que é realmente importante para nós, homens? Quais os riscos (senão as certezas) de se tentar eliminar aquilo que, subjectivismos à parte, não tem realmente valor para as nossas vidas?



Não é por acaso que a explosão se passa no domínio da ficção, i.e., no domínio da imaginação de uma personagem (Daria), a qual, depois de rever, na sua cabeça, como seria, sorri e vai embora - e vai embora, quase diríamos, em paz com o mundo. Não é à toa, também, que a personagem em causa (a par da outra personagem, Mark) se situa à margem (ou, o que é o mesmo, no meio) desses dois mundos de que atrás falei. Daí a fuga, a evasão da realidade, e a procura de um outro mundo - o tal do deserto, momento demiúrgico de uma grandeza poética que não cabe em palavras -, mas este sim, verdadeiramente novo, onde todos teríamos que recomeçar do zero (areia, rochas e pouco mais) e apenas com o Amor como meio de nos relacionarmos e comunicarmos (onde o dinheiro e o poder, portanto, não estariam presentes para contaminar - introduzindo mecanismos artificiais diferenciadores e hierarquizantes - as relações humanas). Ou, nas palavras de David Thomson: "the prelude to a new society in which people regress to the primitive energy of desert creatures" (p. 27).

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

isto não passa



Já lá vão quase 24 horas e continuo a sentir-me uma pessoa diferente desde ontem à noite, momento fatídico em que presenciei, numa entrada de uma rua esconsa e mal iluminada da baixa da cidade, um tumulto de rara beleza chamado Zabriskie Point. Dizem que um filme não muda as nossas vidas, mas também há quem alvitre que os moralismos de algibeira só são para aqueles que os quiserem. Por mim, não, obrigado.
Portanto, que faço eu? Devo escrever para a Maria ou rever o filme?

cinismo

"- O que conta não é o nome que damos às coisas, mas aquilo que as coisas são por debaixo do rótulo - observou Robbins.
- Eis uma afirmação extremamente cínica - disse a mulher da Califórnia. - E a época não se compadece com cinismos.
- Pelo contrário, vivemos numa época em que uma pessoa, se não for cínica, só tem como alternativa meter uma bala nos miolos - declarou Robbins".

John Dos Passos, 1919 (1932).

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

o pior de tudo é isto

No final de contas, apesar de tudo (entre outras coisas: sermos pessoas boazinhas, tolerantes, esclarecidas, sensíveis, bla-bla), as aparências contam. Se iludem ou não, já é problema para outro post igualmente profundo (ou talvez um pouco menos). Mas que contam, contam sempre.

interiors





Interiors (1978), Woody Allen.


O que eu gostava mesmo era de ser um entendido em blogs, nomeadamente em programação de templates, e poder ter um blog como, invariavelmente, as gentes sofistificadas do design têm: templates muito" largos" onde se podem publicar fotografias gigantescas de alta definição, bem como escrever textos extensos sem que se tornem visualmente maçadores. O Natal está a chegar, pode ser que tenha sorte.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

pessoas saudáveis

Aquelas que, quando interpeladas a propósito de um cigarro ou de um isqueiro, ripostam, triunfantemente - certamente pensando nas divinas horas passadas no ginásio, na aula de yoga ou no reiki - que "não, não fumo".
Era como se alguém nos perguntasse quanto está a bola, e nós respondêssemos: "oh, isso são só onze homens em cuecas a correr atrás de uma bola, prefiro críquete".

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

terratreme




Ciclo "TERRATREME", no Passos Manuel. Quartas-feiras, às 22h.
Cortesia da Milímetro.

domingo, 6 de novembro de 2011

à mesa




Estavam a jantar atrás de mim ali perto da rotunda da anémona, em Matosinhos. Claro que o West, convencido como o caraças, tinha que olhar para a objectiva (o Jay manteve a postura, é um senhor). Não costumo admitir esse tipo de coisas nas minhas fotografias, mas, como não tenho por hábito ir ao tipo de restaurantes que estas pessoas frequentam (o bacalhau com natas é uma miséria) e esta era uma oportunidade única, lá fiz vista grossa e admiti-lhe a gracinha.

impossibilidades objectivas



Ir ver o Tintim, versão original, em 2D (ide impingir logros a outra freguesia).

sábado, 5 de novembro de 2011

some are not



The Purple Rose of Cairo (1985), Woody Allen.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

I'm not an actress





Em tudo o mais, concordo inteiramente com vocês: também nunca esperei ver neste blog um anúncio da Dolce & Gabbana, queixem-se à gerência. (depois disto, vou comprar um daqueles cintos "D&G")

the dreamer, the believer





"Blue Sky", single do aguardado The Dreamer, The Believer (com lançamento comercial previsto ainda para este mês), de Common (meu companheiro já nem me lembro bem desde quando). A produção ficou toda a cargo do No I.D., pelo que vem aí bomba, com certeza.

O videoclip está um primor: fotografia cristalina, montagem acelerada e policêntrica, e um bom gosto (guarda-roupa, décors) irrepreensível. Realizado por Parris e gravado em L.A..





Em cima: Anna Karina em Vivre sa vie (1962), Jean-Luc Godard.
Em baixo: Gina Manès em Coeur Fidèle (1923), Jean Epstein.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

a cruz




Não é o padre do filme de Bresson (Diário de um Pároco de Aldeia, 1951) o Idiota de Dostoiévski? Não são ambos, ao seu jeito, reencarnações - ou reinvenções, se preferirmos - de Jesus Cristo?

le mond est à vous




"Hip-Hop, le mond est à vous" (2010), documentário de Joshua Atesh Litle, esteve em competição no Doc. Lisboa que agora termina.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011



Hiroshima Mon Amour (1959), Alain Resnais.

isto ainda é o melhor que temos



Le Quai des Brumes (1938), Marcel Carné.

Que se lixe o euro, a europa, a merkel e o orçamento de estado.
E sim, isto é um desabafo pouco sério - ou não assim tanto, uma vez que é isto que, na altura (período entre guerras) como hoje, ainda nos vai safando da hecatombe. Adiante.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Pater



Em tempos de crise política e financeira, de descredibilização e demonização da classe política, de tachismo e demagogia, de agências de rating e indignados - em tempos como os nossos, devia ser obrigatório ver o filme Pater, de Alain Cavalier. Obrigatório.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sou o mesmo que sobe esta avenida, a pé, relativamente destemido, inebriado por sonhos e dúvidas, olhando para tudo com curiosidade, nunca tendo muito a certeza de mim próprio e do que penso sobre as coisas, do que pensam de mim, do que o mundo pensa sobre o que os outros pensam de mim. Sou o mesmo que sobe esta avenida, sem grandes e reais motivos de preocupação mas permanentemente inquieto por natureza. Tenho tido alguma sorte na vida, apercebo-me enquanto olho para um grande painel publicitário e carrego no botão verde que há-de acelerar o sinal para peões.

Sou o mesmo que sobe esta avenida, mas um pouco mais velho, com farda renovada e uns precoces cabelos brancos a despontar. O mesmo, mas agora sozinho, sem os urros da camaradagem adolescente recém-saída de um dia de aulas que acaba, proverbialmente, "às seis e meia". Tudo está no sítio: as casas, os cafés, os semáforos, as árvores, os canteiros, as passadeiras, as estações de autocarros. Sei lá o que mudou em mim. Foi tanta coisa que, não sendo tão importante assim (vejo agora), não impede que ainda me sinta o mesmo rapaz de ontem. Sei lá o que mudou em mim. Talvez só tenha sido a distância que percorro, porque agora o caminho encurtou e já não vou até à escola, fico um pouco antes. Talvez tenha sido só isso, eu sei lá.