quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

isto não passa (2)


Zabriskie Point (1970), Michelangelo Antonioni.

Voltei ao local do crime. A sensação é a mesma: a de que nunca ninguém no cinema conseguiu filmar, como Antonioni, a mais bela das Utopias: a do Amor como forma - única forma - de começarmos com isto tudo (o mundo, as relações humanas, enfim, a civilização) outra vez. Uma segunda oportunidade para nós, homens, voltarmos às raízes e construirmos tudo de novo, sem os erros do passado. Do ponto de vista visual, esse ressuscitar, representado pelas cenas filmadas no deserto, está alinhado com a paisagem (sempre a paisagem como condicionador psicológico das personagens, em Antonioni), cuja aridez reclama, como pão para a boca, que alguém a insemine, a injecte, a plante de vida (a água como "fonte de vida"). E não constituirá uma mera curiosidade que Zabriskie Point se situe num lugar chamado vale da... Morte ("Death Valley"), pois é à morte que se seguirá o... renascimento.
Que no Amor - e na liberdade, na ternura, no desejo, na carnalidade que lhe estão associados - resida a derradeira hipótese de sobrevivência, ou melhor, desse tal renascimento, é, apesar de tudo, uma demonstração de esperança na humanidade e na sua natureza. Natureza que, nas cenas filmadas no deserto, nos comove pela leitura rousseauniana de que é objecto, isto é, do homem como sendo, na sua primitiva existência, um bom selvagem, livre e amistoso. É esse o testemunho de Antonioni quando filma aqueles seres fazendo amor, brincando, envolvendo-se na poeira como crianças que nunca deixarão de o ser: um eterno e inabalável acto de fé na humanidade no seu estado mais puro e virtuoso.
Escusado será dizer que filmar e sugerir tudo isto sem cair na ingenuidade, no ridículo e no mau-gosto (cumulativa ou disjuntivamente)  é coisa quase impossível de fazer. Esse tipo de feitos só está ao alcance dos maiores dos maiores e, como sabemos, Antonioni foi um deles.

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