domingo, 17 de março de 2013

um díptico para ouvir em 2013




Foi com o poderoso díptico composto por Most of My Heroes Still Don't Appear on No Stamp (Julho) e The Evil Empire of Everything (Outubro) que os Public Enemy nos brindaram em 2012. Os PE são um daqueles raros fenómenos que, continuando a fazer, em termos musicais, mais ou menos o mesmo que faziam em 80 e 90 (daí um permanente sabor oldschool que os mais fiéis degustarão com prazer), conseguem, um pouco inexplicavelmente, manter a sua música sempre fresca e apelativa. Em termos líricos, Chuck D continua a fazer o rap político, conspirativo e apocalíptico de sempre, com os seus alvos predilectos na mira (a política norte-americana, interna e externa; os media; a marginalização da população negra). E essa insistência não é motivo de fastio: como referiu grande parte da crítica norte-americana, as rimas desassombradas e acusatórias dos autores de "Fight the Power" talvez ainda façam mais sentido e se mostrem mais urgentes no momento por que hoje o mundo atravessa (e, muito particularmente, está claro, os EUA) do que nas décadas em que fabricavam hinos como esse - não esqueçamos que a década de 90 foi a década de Clinton, que, para todos os efeitos, foi dos mais "sociais" (no sentido de social-democracia) Presidentes da história do EUA.

O que diria, por exemplo, Obama, Presidente dos EUA – ele que já afirmou gostar de ouvir hip-hop, nomeadamente de Jay-Z e Kanye West (pena que dizendo, de seguida, ainda preferir os "clássicos" como Stevie Wonder ou Marvin Gaye, como se o hip-hop se resumisse, no tempo e nos temas, a Jay-Z e Kanye West (!)) , deste díptico, quando os PE sempre falaram de um sistema político perpetuador da opressão da comunidade afro-americana (ideia bem expressa no título do seu terceiro álbum, Fear of a Black Planet, 1990)? Diria que sim, que a urgência das palavras de Chuck D continua a fazer todo o sentido nos dias de hoje? Ou relativizaria (desmistificaria), acenando com o facto de ele próprio, afro-americano, ter conseguido alcançar o topo da estrutura política norte-americana? E, nesta segunda hipótese, terão ainda algum significado as críticas e insinuações dos PE quanto a uma conspiração, ou, pelos menos, manipulação, do governo norte-americano sobre a população (nomeadamente, a negra)? São para algumas destas interrogações e (eventuais) contradições, de que se faz a massa do pensamento crítico, que a audição deste díptico dos PE abre as portas. De resto, os PE continuam a acreditar - graças a Deus - que ainda há quem queira pensar a fundo sobre os problemas, para além da espuma (e da estupidez) mediática dos dias - por isso é que, muito gentilmente, deixam um pequeno lembrete na capa do disco: The Cheapest Price To Pay... Is Attention.

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