segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

benção

Não é crente, nunca foi. A palavra "Deus" sai-lhe de boca com a naturalidade ímpia de quem a pronuncia quando pragueja ou se comove profundamente numa sala de cinema. No avião, ao seu lado, uma senhora de idade benze-se circunspectamente. Sabe que o voo que tem pela frente é longo, muita água por baixo de si correndo, água que é força invisível apontando o caminho do retorno, que é, ao mesmo tempo, distância que o separa do destino. Água, ar: coisas que os homens não dominam.
Instintivamente, leva os dedos da mão direita à testa. Benze-se. Discretamente, com vergonha. Se tivesse uma cruz para beijar, beijá-la-ia com a mesma vergonha e determinação. Com igual certeza de que o mistério do divino é o mistério do humano e vice-versa.

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