sábado, 17 de maio de 2014

o contra-campo é uma questão de moral


Objective, Burma! (1945), Raoul Walsh.

O Luís Mendonça "precisou de o dizer" e disse-me muito bem:

"Face a "The Thin Red Line" ou "Flags of Our Fathers", este filme de Walsh arrisca cair numa certa visão aligeirada da guerra, mostrando, no começo, os bons soldados americanos a massacrarem os seus inimigos com um sorriso estampado no rosto, como se estivessem a desempenhar uma tarefa rotineira ou natural, para depois se lançar na mais alta indignação e sentimento de horror e ódio face à barbárie cometida pelo inimigo. O jornalista no grupo chega a deixar fugir qualquer coisa como "gente desta devia ser eliminada da face da Terra". A câmara de Walsh não promove o contra-campo, moralmente justificado, aqui, porque para ela não parece haver dúvidas de que a chacina de japoneses é "entertainment" mas a morte de americanos constitui um momento político sério, mesmo que catártico. Preciso de o dizer: este desequilíbrio moral não sabe e não soa bem hoje.

Não consigo ser cúmplice do grupo de cinéfilos para os quais tudo é cinema ou um jogo de formas e sons, porque quando entramos no domínio da definição do Humano (ou do que resta dele), lamento dizê-lo, mas o cinema não basta. O caso deste filme de Walsh não é, seguramente, o mais grave - não é um "The Birth of a Nation", onde curiosamente Walsh entra no papel do assassino de Lincoln, filme paradigmático de alguns dos problemas que se podem interpor na relação da cinefilia com o mundo, principalmente uma certa totalização da experiência pelo cinema (como se este último, de facto, bastasse para esquecermos tudo o mais...)".

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