quinta-feira, 30 de abril de 2015

Walsh #27 Crítica "The Strange Woman" (Noutras Salas)


 
A Cinemateca passa hoje, pelas 19h30, o pouco conhecido The Strange Woman (1946), um dos filmes do underdog do cinema americano Edgar G. Ulmer, e que conta com a presença da espantosa Hedy Lamarr (na imagem). A minha crítica disponível no sítio do costume (clicar).
 
 
Quem é, então, esta strange woman, capaz de mover (e aterrorizar) montanhas? Numa das primeiras cenas do filme (imediatamente anterior à cena “narcísica” com que iniciámos), Ulmer identifica-a de modo paradigmático. “Faster, faster, faster!”, exige, qual Cleópatra (não por acaso citada a certa altura), uma Jenny ainda criança aos dois rapazes que disputam, nadando, uma corrida no rio. Jenny é a strange woman que, fruto da sua terrível – e temível – beleza (seria preciso um visionamento específico do filme para contabilizar todos os close-ups sobre o seu rosto…) e do seu natural autoritarismo, irá manipular, com um mero pestanejar de olhos, os homens conforme os seus interesses (como, já então, os dois nadadores imberbes), ao mesmo tempo que controlará os “tempos” de Bangor e dos seus habitantes, acelerando e abrandando (ora “faster”, ora “slower”) os acontecimentos, metendo as “mudanças” nas vidas (e nas desgraças) dos outros a seu bel-prazer e sem nunca olhar a meios para atingir os seus fins.

(Excerto)

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Slow J - The Free Food Tape (2015)


É urgente ouvir The Free Food Tape (2015), cometa prodigioso lançado há dias pelo desconhecido Slow J. Por certo o melhor lançamento de hip-hop português em 2015 até ao momento, é daquelas obras que, de um momento para o outro, abana com tudo e nos deixa a perguntar o que é que se andou a fazer até agora?! Imperdível. Download gratuito ali ao lado (clicar).

terça-feira, 28 de abril de 2015

post scriptum



"Post Scriptum", álbum UniVersos (2012). Virtus.


"Ponto muda de parágrafo
podia ser ditado
mas não há linha para mudar
quando se escreve tudo errado

Muito não justifica o facto de não teres vindo
mas a vida
não passa da expressão de «vamos indo»

(...)

Olhar para cima é longe
é apenas isso que se vê
enquanto vertigem 
é o medo de voltar ao que nos fez

Não me explico quando não cuido
do que quis e tenho
o meu amor é uma folha amassada do meu melhor desenho

Alguns dias são rascunhos
basta conhecê-los
e quantos mais escuros forem
faz-se um branco no cabelo"

(entre outras coisas)

segunda-feira, 27 de abril de 2015

palo seco

Há dias, ia eu a pé para o escritório quando, no meio da avenida civilizada, asseada e moderna, um excêntrico acontecimento prendeu a minha atenção: um gato morto, deitado de lado, esventrado, vermelho de sangue. Ali, no passeio, sem mais, os transeuntes contornando-o e fingindo não constatar a barbárie óbvia. Hoje, no mesmo percurso, um pouco mais atrás, uma enorme casca de ovo (sem o respectivo no interior) praticamente intacta no passeio, destacada de tudo, perto das ervas daninhas. Tal como com o gato, parecia um sonho. Pensei logo naquela expressão do "palo seco" e em como alguém estava a pregar umas partidas ao meu rotineiro quotidiano.

Walsh #26 Sangue do meu sangue/Bad Lieutenant (Sopa de Planos)

 
 
A Sopa de Planos do À pala de Walsh voltou, imaginativa como sempre. Ora confiram aqui ao lado (clicar). O meu contributo abaixo, com a devida vénia ao Mr. Ferrara.
 
 
Crístico Keitel, crístico plano. Desde que o achámos – e já lá vão uns bons anos – no amontoado em roda livre chamado “internet” que sempre quisemos falar deste plano. “Sangue”, disseram-nos, e logo nos assomaram à cabeça os lábios de Harvey Keitel beijando os pés ensanguentados de Jesus Cristo. Bad Lieutenant foi o primeiro filme que vimos de Ferrara e talvez ainda seja aquele que reputamos como igualmente de “primeiro” na sua filmografia. Por ele perpassam todas as grandes questões da filmografia de Ferrara, muito especialmente aquelas que o americano filmou nos seus dois últimos filmes (Welcome to New York e Pasolini). “Talk to Jesus. Pray. You do believe in God, don’t you? That Jesus Christ died for your sins…”. São as palavras que a freira dirige a Keitel, com essa particularidade de, sendo “gerais e abstractas” (como as leis… as de Deus e as dos homens), se “aplicarem”, que nem uma luva, ao “caso concreto”, i.e., a Keitel. Num filme alucinado, de um realizador alucinado, em torno de uma personagem alucinada, absolutamente nada de anormal possui a sequência de alucinação/visão que Keitel tem de Jesus Cristo, numa desesperada e derradeira tentativa de redenção por parte de um polícia amoral e selvaticamente corrupto. Keitel chora, berra, uiva: “YOU GOTTA SAY SOMETHING!”, mas Cristo continuará impávido. E, perdoando-o, verá Keitel beijar-lhe os pés, tomar o sangue que ele derramou pelos “pecados” de homens tão virtuosos e pecadores (“too fuckin’ weak”) – tão… humanos – como ele. De homens como nós. O bilhete de autocarro para fora da cidade que Keitel pagará, depois, àqueles jovens marginais pretende, por isso, ser um bilhete “para o céu”, ou, pelo menos, um empurrão para fora do inferno do submundo nova-iorquino por dois dos seus mais íntimos conhecedores: Keitel e Ferrara, nados e criados em Brooklyn e no Bronx, respectivamente.

sábado, 25 de abril de 2015

harmonia



"O carácter intuitivo e sensível do cinema de Oliveira impede-o sempre de cair na alegoria ou na simplificação. Adoptando o ponto de vista infantil, Oliveira não deixa, no entanto, de sentir que a presença exterior do mundo e dos valores «adultos», se age como condicionadores da natural vontade de liberdade das crianças, as protege ao mesmo tempo dos riscos de tal liberdade. Talvez ao homem, mesmo ao homem infantil natural, não seja dado ser, de modo absoluto, livre, talvez ele possa afogar-se na sede de absoluto, talvez liberdade e necessidade sejam, afinal, uma mesma única e íntima coisa. «Abre a porta da escola / sai o pardal da gaiola», canta um cantor de rua em Aniki-Bóbó; talvez, quem sabe?, a liberdade do pardal precise, de algum desalentado modo, das grades e da sua protecção.
É ainda, provavelmente, a intuição metafísica de Oliveira que faz com que (...) seja um testemunho adulto, o do lojista, quem protege as crianças do precipitado juízo acerca da culpa de Carlitos e este da dolorosa injustiça de tal juízo. Como, por fim, parece relevar de idêntica intuição a harmonia final do amor de Carlitos e de Teresinha, e deste com o mundo: a boneca torna-se finalmente o instrumento de felicidade quando - devolvida ao legítimo dono e, depois, por ele oferecida - é obtida, não pela transgressão, mas de acordo com a normal social. Essa harmonia resulta, pois - apesar da cúmplice simpatia que Oliveira manifesta sempre para com a rebeldia transgressiva das suas pequenas personagens - da reconciliação, também, do universo absoluto da infância e da sociedade relativa dos homens".

Manuel António Pina, Aniki-Bóbó, Assírio & Alvim, 2012, pp. 35-36.

terça-feira, 21 de abril de 2015

mind games







(The Wrong Man, 1956, Alfred Hitchcock)

sábado, 18 de abril de 2015

Que sommes nous?


 (D'où Venons Nous / Que Sommes Nous / Où Allons Nous, 1897-1898, Paul Gauguin)

É paradigmática a confusão em torno do significado do título do livro de Somerset Maugham: A lua e cinco tostões (The Moon and Sixpence, no original). Na capa do livro, diz-se que Maugham teria explicado o título no sentido de se "desejar a lua e ignorar a moeda que está caída aos nossos pés". Entretanto, porém, encontro outras explicações, de sentido diametralmente oposto (?), alegadamente do próprio Maugham: "If you look on the ground in search of a sixpence, you don't look up, and so miss the moon".

É paradigmática, dizia, pois está em linha com a extraordinariamente complexa figura de Charles Strickland, fascinante e odiável (muito odiável mesmo), e, sobretudo, com a sua trajectória de vida, inspirada (muito livremente) em Paul Gauguin: o abandono da família e de uma abastada condição social e profissional e o exílio para a vida de pintor miserável e errante em Paris, Marselha e, finalmente, no Taiti.

A questão, insolúvel, eterna, no livro e em todos nós, é essa: o que é a lua e o que é a moeda? 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

side by side

No Inverno, quando desço a avenida, meto-me do passeio do lado direito, para sentir o calor do pouco sol existente e dispensar a sombra que permanece do lado esquerdo. Agora na Primavera, daqui a uns tempos no Verão, faço o contrário: coloco-me à esquerda, na sombra, pela fresca, evitando o calor ardente do lado direito. Acho que a vida, resumida, é um bocado isto.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

since I first laid eyes on you




"Since I first laid eyes on you", álbum I'm In Need Of Love (1974). Lou Courtney.

Aleksei German

 
 
Há coisa de um ano, escrevi no À pala de Walsh sobre Aleksei German (clicar), com a intenção de recuperar e divulgar o seu cinema. Foi, na altura, um esforço necessariamente modesto, limitado ao tempo e espaço de uma crítica (em torno de Proverka na dorogakh, 1971), mas, agora, o Carlos Natálio tratou de escrever bem mais desenvolvida e aprofundadamente sobre a obra de German.
 
Podem ler o texto do Carlos no último número da La Furia Umana, aqui (clicar)

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Fiquei estupefacto com o artigo de Manuel Casimiro (filho de Oliveira) no Público de hoje. Das duas, uma: ou não percebeu o artigo de Pacheco Pereira (mas alguém de bom senso neste país, além de Casimiro, pensou mesmo que Pacheco Pereira estava a destratar a obra de Oliveira?!) ou não quis, por razões que desconheço, perceber. De resto, o artigo de Pacheco Pereira, além da contundência habitual, é absolutamente certeiro e clarividente: "Quanto mais ignorantes, mais comemorativos, podia ser um axioma dos nossos dias. (...) Querem comemorar os nossos mortos consagrados? Ajudem os vivos a percebê-los e não a colocá-los numa prateleira (...)".

terça-feira, 7 de abril de 2015

mare liberum

Para quem se interessar pelos assuntos do Mar, foi publicado recentemente o meu artigo "O que há de novo no Mar? Primeiro comentário à Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional" na Revista do CEDOUA (FDUC), n.º 34, Ano XVII.

Como o nome indica, trata-se de uma análise da nova e, mais importante, inovadora Lei de Bases para o ordenamento do espaço marítimo português, uma lei pioneira na Europa e, certamente, pioneiríssima no nosso país, o qual tem mantido, nas últimas décadas, uma relação difícil com o mar, outrora um prolongamento natural da nossa existência e influência, em função de uma série de circunstâncias (históricas, políticas, sociológicas). Oxalá esta Lei de Bases expurge a dimensão quase sebastiânica do mar português e potencie o reinvestimento e os benefícios (e são tantos!...) a ele associados.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

domingo, 5 de abril de 2015

fundido



Há três ou quatros planos fundidos em Aniki Bóbó que sobrepõem o fumo do comboio com as nuvens, até o plano se converter exclusivamente nelas e ir "subindo" pelo céu (de resto, um dos mais geniais planos do filme). Gosto de pensar que o Manoel de Oliveira também foi embora para o céu em que acreditava de modo semelhante: fundido com o cinema, com os planos do Porto, do Douro, dos rostos que filmou.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

o que ainda há de interessante no futebol





Fiquem para lá com os jogadores "inteligentes", "pragmáticos", "versáteis" e "de contenção". Quando deixarem de existir jogadores assim, o futebol já não interessará para nada e passará a ser, definitivamente, um arquivo de estatísticas e de gráficos de desempenho. O Ronaldo, ou melhor, o jogador em que o Ronaldo se converteu, pese embora todos os recordes e etc., é um ilustrativo dessa degeneração. Outro é o facto de já nenhuma equipa no mundo - não me lembro de uma e ninguém se lembrou numa conversa de há dias - jogar com um n.º 10 em campo responsável pela única e confortável tarefa de fazer jogar e de dar fantasia ao jogo - e não, não interessa que "também saiba defender". O Quintero é, aliás, uma das mais visíveis vítimas dessa diatribe do futebol actual. O resto, como diz o outro, são peaners.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

1908-2015



(Douro, Faina Fluvial, 1931, Manoel de Oliveira)

contemplar/imaginar

Ainda a reflectir nas linhas que transcrevi no post abaixo, recordei-me disto que escrevi em tempos (clicar). Contemplar ou imaginar o mal; no fundo, uma e a mesma coisa.