Ninguém – homens, mulheres – sai bem na fotografia, mas, meu Deus… quão bela é a fotografia. Humana, sumamente humana, como todo o cinema de Pietrangeli, fino receptor da complexidade e da ambiguidade, dos interstícios morais alheios a julgamentos sumários. Quando Pina – mulher sagaz e independente cuja submissão e condescendência para com este homem sem qualidades nos espanta a cada plano – finalmente lhe diz, já a noite vai alta, o que pensa dele (racista, egoísta, grosseiro), Adolfo retorque de olhos baixos: “Tens razão. É tudo verdade”. Mas diz mais: “É nisso que nos tornamos quando estamos sozinhos”. Não se trata de uma solidão de cariz amoroso, mas de algo muito maior, um estar-no-mundo sozinho.
Da minha janela vejo o Bósforo todos os dias: divisões e correntes, agitações e marés. Tal como no homem, tal como no mundo.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
(La Visita, 1963, A. Pietrangeli)
Não há, na resposta deste enxovalhado zé-ninguém de Roma que se faz passar por um tipo bem-sucedido da “capital”, qualquer solução milagrosa para o filme e para este casal, absolvição moral alguma para a sua falta de carácter (in vino veritas...) que o filme capta ao longo destas quase 24 horas. Mas há o olhar justo sobre personagens de carne e osso armadilhadas nas suas pequenas tragédias pessoais, o genuíno respeito pelos sapatos que uns calçam e outros não, a consciência de como “chacun à ses raisons”; de como estas, enfim, vão azedando e embrutecendo o espírito com o passar dos anos sem que nos apercebamos. Enfim, tudo coisas muito anacrónicas, démodé mesmo, sem espaço num mundo como o de hoje em que, degradado o discurso até um nível impensavalmente baixo à conta das “redes sociais”, se recusa a ambiguidade, a dúvida, a ponderação em cada momento, agora vistas como fraqueza, quando não dolo. “Certas noites, sinto-me verdadeiramente triste… Como se a vida não valesse a pena. Talvez seja tarde demais. Se me tornei em tudo o que dizes… será difícil aproximar-me de outra pessoa”.
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