sábado, 27 de fevereiro de 2021




(The 39 Steps, 1935, A. Hitchcock)


Num filme tão marcado ainda pela despedida do mudo, de que a direcção de actores e o seu comportamento expressivo são exemplares (notável como os olhos “falam”, dizem tudo sem ruído, o movimento corporal de cada actor decisivo na aclaração de uma emoção ou na injecção de ambiguidade; como uns lábios podem desenhar desejo ou pavor e um meneio do pescoço, rápido e seco, impõe o ritmo à acção), há esse raccord de som-imagem extraordinário: uma mulher que, depois de ver a cena de um crime macabro, grita. Mas o grito é abafado - ou não (em rigor, o plano da mulher é mudo tout court, sem som, o que só favorece a estranheza da cena) - pelo apito estridente, vertiginoso, paranóico, do combóio no plano imediatamente seguinte (ambos, mulher e comboio, dispostos à direita do plano; à esquerda, o cadáver que não vemos e o escuro do túnel…).

Numa dessincronia imediatamente perturbadora, o som é colocado ainda no plano da mulher (ferramenta igualmente utilizada com os efeitos que se conhecem em Psycho), continuando depois a ser reverberado pelo túnel, uma segunda boca também ela virada para a câmara. O contrastante fumo branco a tornar tudo ainda mais nervoso, stressante; e o grito e o combóio que não param, nunca param, prontos a embater de frente nas personagens, no espectador…


... E, contudo, talvez esta sequência não passe, afinal, de um sonho da personagem que surge no último plano, dormindo....

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