segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

quo vadis



"Habemus Papam" não é, definitivamente, um filme maior de Nanni Moretti (tal como "Midnight in Paris" também não o era na carreira de Woody Alen, mas eu não percebo nada disto).

Ainda assim, o que de melhor "Habemus Papam" tem é a sua cena final e, justamente, o seu último plano (se não estou em erro, admito que sim). A saída do cardeal Melville da varanda papal e, com ela, a recusa do poder, da assunção do papel de líder e condutor de uma religião de massas, constituem a figuração alegórica do vazio que vivemos presentemente a uma escala que extrapola a mera esfera da fé. A ausência de líderes, de referências últimas ou absolutas, é um sintoma crónico do vácuo dos nossos tempos, naquilo que proverbialmente se expressa pela asserção de que "já não há grandes homens". Não há símbolos inquestionáveis, homens de carne e osso em quem possamos confiar para o comando do destino de determinada instituição ou ideia. Não se confunda isto, obviamente, com figuras paternalistas e totalitárias. Trata-se, afinal, da carência de personalidades que, pelo seu mérito, inteligência ou sagacidade, saibam inspirar e influenciar os homens, na sua individualidade, e a colectividade em tempos difíceis. Por isso é que ouvimos dizer, a todo o momento, que já não há "grandes estadistas" ("o Churchill é que era"), "grandes políticos", etc.. E, nesse capítulo, o filme de Moretti constitui também um ponto de interesse pelo olhar que dedica ao homem que, no caso concreto, duvida das suas capacidades para tamanha empreitada, bem como daquilo (valores) que esta última genuinamente representa. O homem tem medo de liderar um conjunto de valores porque duvida da sua veracidade ou os valores esfumam-se porque não há personalidades que os saibam proclamar? Provavelmente, as duas coisas.
Piccoli é, simultaneamente, o anti-herói e o anti-papa. Ele já recolheu ao interior do edifício e a câmara continua a focar a varanda ladeada pelos venustos cortinados encarnados. Uns segundos depois, a "corte" papal, embaraçada, recua também, desaparecendo do plano. Esse vazio glorioso, imponente, é filmado por largos segundos. Para dentro da varanda, nada vemos, a não ser um escuro indecifrável, como que uma interrogação plástica de sentido único: quo vadis modernidade?

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