terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Walsh #19 As escadas que nos descem/Strangers on a Train (Sopa de Planos)



Grande caldeirada, esta, em torno das escadas, topos cinematográfico por excelência. Tive dificuldade em decidir-me (acontece-me sempre isto: lembro-me de uma série de planos, que já abordei em filmes sobre os quais escrevi crítica, sobre o objecto em causa, e faço um esforço olímpico para me aventurar por outras paragens), mas eis Bruno, esse psicopata charmoso que só Hitchcock saberia fabricar. Leiam tudo aqui (clicar).


Se pensarmos em escadas e terror no Cinema, rapidamente nos virão à memória cenas óbvias de filmes de Hitchcock, Lang, Brian De Palma, Dario Argento, Kubrick, Polanski. Na grande maioria das vezes, a utilização das escadas serve como uma ferramenta de construção do suspense intra e extradiegeticamente, i.e., de indução de ansiedade nas próprias personagens e no espectador: é o ruído do pisar das escadas (muitas vezes fatal), é o vulto que fugidiamente passa de um patamar para o outro sem que o possamos (nós e as personagens) identificar, é a “subida” que as escadas potenciam para a descoberta de uma verdade, um segredo, um crime cruel, que habitam no topo da casa (mormente, no “sótão”, mito dos mitos habitacionais). Ora, em Strangers on a Train (O Desconhecido do Norte-Expresso, 1951), encontramos aquelas que são das escadas mais assustadoras que nos lembramos de ver no Cinema sem o recurso, curiosamente, a todos esses engenhosos artifícios, porque o efeito, aqui, é outro. A imensidão das escadas (linhas horizontais), conjugada com a monumentalidade das colunas (linhas verticais) sobre elas apoiadas, porque desajustada da escala humana, cria uma perfeita sensação de esmagamento, brutalidade, de “diminuição” ou apagamento do indivíduo (não é por acaso que as grandes ditaduras, sobretudo o fascismo italiano, usaram e abusaram de opções arquitectónicas nesta linha). Mas agora veja-se o paradoxo: nessa realidade desajustada da escala humana, vemos, ao longe, um ponto, um vulto: trata-se de Bruno, com quem Guy, numa “strange” viagem de comboio, acertou um duplo perfect murder. Ao contrário do que seria de supor pelo que escrevemos atrás, a figura de Bruno não está “diminuída”, não é “insignificante”, não é, enfim, um ponto minúsculo na paisagem. Bem ao invés, e porque neste momento do filme Guy se sente já profundamente aterrorizado pela perseguição constante de Bruno, que parece “estar em todo o lado” (ilustra-o, além desta, a cena nas bancadas da partida de ténis), Bruno, pese embora a paisagem colossal em que se encontra enquadrado, parece que “cresce”, que se agiganta, qual stalker omnipresente – “He sticks so close he’s beginning to grow on me – like a fungus”, dirá Guy.

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