terça-feira, 14 de agosto de 2018

meu querido bafedo

quando ainda nem estradas percorríamos, tu já me dizias amigo se for preciso voltamos antes quando tu quiseres. saberás lá tu. só superado pelas estradas que, então sim, percorremos no carro com demasiados medronhos no sangue tremendo, breu abrasador que cortamos com os braços de fora das janelas jamais fechadas. as copas das árvores todas alinhadas para nós, como se nos recebessem surrealisticamente para o mais materno dos universos paralelos. um corredor vertical, ascendente, em diante, um silêncio imenso mesmo quando o disco toca, sempre o mesmo disco, e ao meu lado as palavrinhas que sempre cantas, I can't keep on losing you pausa Ei! mas não é Ei! é Wait!, nunca o dizes correctamente e eu nunca te corrijo porque também gosto mais de Ei!. no silêncio, puxas de um cigarro e com bondade dizes queres noras e pois quero, já me sai fumo da boca. quando sopro, aí sim, o silêncio interrompe-se por instantes, tal como quando vejo, do canto do olho, que levantaste o punho e estás à minha espera, pois que eu me apresso e eles se tocam. dizia, também neste momento o silêncio é silenciosamente interrompido, como um segredo se quiseres (desses infantis que tu trazes nos olhos pequeninos traídos pelo corpo forte), ossos que chocam produzindo decibéis maiores que os da música alta, tão alta, que ouvimos. e eu furioso teclando notas e mais notas, inclusivamente a de que meus senhores diz-vos o crítico este é um disco para escutardes em estradas alentejanas pela noite fora mas já sabendo que, na hora da verdade, os meus olhos verão descontexto e ingenuidade nesse trecho

quando tomo o banho que antecipa a camisa branca e as calças beges que me preparam para o regresso, pensamentos indesejados, esses cuja lição vem no manual de sonetos em que não peguei por uma vez quando percorríamos estradas, assomem momentaneamente e eu encara-os com tranquilidade, indolência, até. penso, vejo, desejo o pacotinho de sumo na mesinha de cabeceira que me coloria o ânimo assim que tirava a venda dos olhos, então noras já tomei o pequeno almoço onde estás. olha, estava no quarto mas era como se não estivesse, bebendo já o sumo natural de goiaba enquanto a testa se nos escorre na sombra mais tórrida da vila e tu te debates ao telefone com a mulher da tua vida achas que é mesmo noras
 
eu sei lá, queridíssimo amigo. vamos antes de novo até àquela escuridão total da carrapateira, o passadiço que nos leva à praia ou rio ou o que é isto, a luz do telefone não esclarece. então fumamos e olhamos o céu, antes de voltarmos a percorrer as estradas, as mesmas que nos levarão mais tarde, estranhamente, inevitavelmente, à cidade, na qual, cabisbaixo, com os olhos fixos no salão de bilhar que está fechado para férias, te oiço dizer

meu querido mês de agosto.

vamos antes ficar com os olhos vivíssimos da tua avó, matriarca muito bem sentada de pés na mesinha que nos diz antes de sairmos no seu orgulhoso inglês de Ema

sweet dreams

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