quarta-feira, 28 de março de 2012

o meu contemporâneo

Há coisas que animam os meus dias tristes. Por exemplo: pensar que vivo num tempo em que o Stevie Wonder (o Stevie Wonder) ainda é vivo e respira o mesmo oxigénio que eu.
Nem tudo é mau, é o que quero dizer.

terça-feira, 27 de março de 2012

o cinema e as pipocas

Para os que se esqueceram (ou que nunca souberam) a diferença entre um e outro, e mesmo para os que sabem e, quais bichos do mato, se sentem terrivelmente sós (been there, done that), é urgente ler - por esta ordem, para facilitar - isto, aquilo e aqueloutro.

segunda-feira, 26 de março de 2012

estranho

Estranho como o meu pai, em conversa com os meus tios maternos, referir-se à minha mãe como "a tua irmã" ou "a cristina".

tristes coincidências

Ler Pela Estrada Fora é recordar o momento em que li e me maravilhei com Henry Miller. Mas é, também, voltar a um tempo, a uma altura, a um estado de alma. As escolhas que fazemos na vida, por mais triviais que se afigurem (como o livro que queremos ler num dado momento), nem sempre são (totalmente) aleatórias - essa a moral da história. Os esotéricos evocariam para aqui "karmas" e atoardas desse género; eu prefiro, humilde e melancolicamente, chamar-lhes de tristes coincidências.

sábado, 24 de março de 2012

HIPHOPulsação

Tive a honra e o orgulho de poder escrever no primeiríssimo número da HIPHOPulsação Magazine, revista, em formato on-line (para já - façam figas para que, daqui a uns tempos, a possamos ter nas bancas), concebida e produzida pelo Druco e pelo Sempei, autores do melhor blog português sobre hip-hop, o HIPHOPulsação. Praticamente sem outros meios que não o amor à camisola, estão a escrever, pelo seu punho, toda uma revista, sendo dos poucos no meio que, devidamente mergulhados na história do hip-hop, o pensam e noticiam com inteligência e profundidade (o que, em Portugal, ao contrário, p. ex., da França ou EUA, é coisa rara). Só tenho, pois, que os aplaudir e desejar, muito sinceramente, as maiores felicidades. É com iniciativas destas que o hip-hop poderá alcançar, neste país, a maturação necessária para se afirmar, sem complexos, como uma expressão artística (no caso, musical) como outra qualquer, deixando de ser uma "ave rara" de alguns excêntricos (quando não "marginais" ou "ignorantes" - discurso que deixa latente, mais a mais, todo um anacronismo de quem se julga muito "cosmopolita", musicalmente falando, porquanto não há género mais difuso, musicalmente rico e precursor de novas estéticas, nos últimos 30 anos, que o hip-hop, basta ler publicações americanas ou inglesas sobre música para o perceber).

O meu artigo de opinião, intitulado "O hip-hop e a crise: humor precisa-se", pode ser lido aqui, nas pp. 10 e 11.

quarta-feira, 21 de março de 2012

aquele senhor moralista

As liturgias com que João Gobern nos presenteia todas as manhãs, na Antena 1, são um excelente exemplo de como a forma tantas vezes trai o conteúdo. É que eu estou de acordo com quase tudo o que ele diz; no entanto, é de tal forma moralista e gelatinoso o modo como é ditada a oração matinal que, ainda sonolento, cheio de frio e com umas calças para vestir, me sinto enjoado logo pelas primeiras horas do dia.
Como não censuro a morfologia de ninguém, e para não descer ao nível do presidente de um certo clube de futebol (o meu, por acaso), prefiro referir-me ao visado nestes termos: aquele senhor moralista da Antena 1...

terça-feira, 20 de março de 2012

sem cerimónias

Há momentos singelos e felizes como este: inícios de 2000 e sou, novamente, aquele miúdo extasiado, de boca aberta, num final da tarde na FNAC de Santa Catarina. Há muito fumo, rapazes e raparigas com roupas muito largas, mochila às costas, as cabeças abanam liturgicamente ao som de uma caixa mágica. Têm os olhos fixos de quem bebe a palavra e os rostos sérios, próprios de quem testemunha o nascimento de uma coisa, uma cultura, talvez, nova, totalmente nova. Nunca vi estas pessoas, têm brincos, os braços pintados, barbas estranhas, bonés. A música acaba e saio, o meu mundo em pantanas.
Underground, she said.

sábado, 17 de março de 2012

UniVersos

Escrevi um artigo para a ruadebaixo a propósito de "UniVersos", esse álbum-cometa de que já por aqui falei várias vezes. Se gostaram do que ouviram, e mesmo se não gostaram (os gostos não se impõem, mas discutem-se), sintam-se convidados para ler esta crítica.

quarta-feira, 14 de março de 2012

sobre a internet e sobre "estar com todos mas não estar com ninguém"

Numa troca de emails, um dos interlocutores escreve:

Não estou "cá" até ao fim do mês...

As coisas chegaram a um tal ponto que, retirada a frase do seu contexto, somos levados a pensar se a utilização das aspas se refere a , Portugal, ou a , internet (essa grande teia relacional).

segunda-feira, 12 de março de 2012

encontros imediatos de terceiro grau

Houve alguém, como eu, que, pousando os olhos sobre uma tese de doutoramento bolorenta, de Direito, também esboçou um sorriso e pestanejou quando viu citado (o filme) Morte em Veneza, do Visconti. Assim, à p. 740, escrevinhou, na margem, um alerta simpático, mas simples, para os incautos: !
A ligação, improvável, teria sido ainda mais feliz, acrescento agora, se o mesmo tivesse sido feito, umas páginas antes, aquando da nota de rodapé em que se citava Roland Barthes e a Câmara Clara.


domingo, 11 de março de 2012

sexta-feira, 9 de março de 2012

Mavis Gary (2)




Quem viu Young Adult com olhos de ver, pressentiu o raio-X crítico, exaustivo e deprimido da sociedade fast (não é só a comida, mas também os afectos e os gostos, por exemplo) que Jason Reitman nos oferece.
Mavis Gary (por quem me tenho afeiçoado, de tanto nela pensar - e é na Mavis mesmo, não na Charlize, juro) é, ela mesmo, um ser fast: no cabeleireiro e maquilhagem que, num instante, a tornam numa mulher sofisticada (roubando-a à "degradação" das olheiras, unhas por cortar, cabelo mal tratado, etc.), na comida que come ("Ken-Taco-Hut", na expressão da própria Mavis, que parece deglutir, de forma quase animal, batatas fritas e afins), nas relações (sexuais, também) que tem, no modo como ora se dá, ora rejeita os outros, enfim, até nos próprios livros que escreve para viver - livros etiquetados na categoria "jovem adultos", ou seja, aventuras ligeirinhas e curtas, para não aborrecer muito (para não ser uma "seca" - como se sabe, vivemos na era do anti-"seca", ou do anti-pensar, que é o mesmo).

Há um momento quase insignificante (aparentemente) em Young Adult que resume - naquele que é um olhar muitíssimo perspicaz de quem filma e que mostra que conhece bem o objecto que está a analisar - Mavis Gary. Quando ela volta para o Minnesota, arranja um pequeno quarto de hotel. Assim que entra no quarto, atulhada de malas, sacos e do seu pequeno cão, a primeira coisa que faz não é, como seria normal num adulto, pousar as malas e arrumá-las. Ao invés, atira-as para cima da cama e retira imediatamente - sofregamente, diria - o portátil, ligando o cabo à tomada. Com a tralha toda em cima da cama, Mavis liga-se à internet e, apetece dizer, já está: está em rede, no mundo, com os outros. É tudo falso, artificial, claro. Mas é a solidão contemporânea (e esta é verdadeira, passe o trocadilho), crua e dura, em que estamos com todos e não estamos com ninguém. Pobre Mavis, continuarei a pensar em ti.

Dick, Joe, Eveline, Charley, Moorehouse, Stoddard, etc.

Há dias, como hoje, em que acordo com a vontade de ser um dos heróis do rise and fall tríptico do John dos Passos. Há muitas coisas que explicam (?) isto. Uma delas, por exemplo, é o de sentir, depois de uma noite demasiado longa, o roçar de uma camisa fresca e engomada no corpo.

quarta-feira, 7 de março de 2012

se Hopper fosse vivo

Se Hopper fosse vivo, teríamos todos em casa um daqueles livros grandes no qual, entre outros, figuraria um quadro onde se vêem dois homens, à noite, parados num passeio iluminado a amarelo torrado de uma avenida larga e anónima, defronte da vidraça de uma loja já fechada fixando o olhar no televisor luminoso que, de lá de dentro, lhes mostra, num silêncio absoluto, um jogo de futebol, alumiando-lhes o rosto que não vemos. Pelo traço, compreende-se que os homens não se conhecem, não falam sequer, que o seu encontro foi fruto do maravilhoso acaso da urbe moderna, onde todos se cruzam, as pontas dos sobretudos se tocam mas ninguém se relaciona. Têm ambos o pescoço flectido para a frente, próprio de quem observa o seu objecto com atenção, e os braços descaídos, em paralelo.

segunda-feira, 5 de março de 2012

excesso de velocidade

Não vale a pena: eles não resistem. O Público, mesmo no dia em que muda de roupagem, sucumbe à cultura da instantaneização que grassa nos media: não conseguiu manter, por um dia que fosse, o destaque à rubrica dedicada a José Gil (em modo Director-por-um dia) que, durante grande parte do dia, persistiu no canto esquerdo da página on-line do jornal.

Não há lugar para parar e pensar; tudo é velocidade, actualidade, voracidade por quantidade e novidade. Resumindo: mais... e pior. Não é um problema do Público, está claro, mas uma patologia mais abrangente que irrita pela falta de reflexão e quietude que simboliza e, pior, promove, enquanto modo de estar no mundo. Depois querem que as pessoas pensem pelas suas cabeças. Como dizia o Tony, da minha turma (um amigo meu, grande promessa que jogava no Boavista, mas que entretanto, acometido pelo Rimbaud, abandonou as quatro linhas e pôs-se a meditar): "queres milagres...".

vamos ao cinema

Design: Luísa Beato


O Cineclube FDUP voltou, e com um cartaz, permitam-me a imodéstia, de luxo.

Quinzenalmente, às quintas-feiras, pelas 18h15. Entrada gratuita. Façam o favor de ficarem assombrados com tão requintada programação e aparecerem esta quinta-feira para ver o "Trust" (1990), do Hal Hartley.

quinta-feira, 1 de março de 2012

au revoir Idrissa



Le Havre (2011), Aki Kaurismäki.

sinónimos


"Sinónimos", álbum UniVersos (2012), Virtus.

Começam a faltar palavras.