quinta-feira, 31 de dezembro de 2020


“Possa este Ano Novo trazer menos peso do que o anterior. Que Deus nos dê menos privações, menos dor, do que no último ano. Pelo menos para as crianças”, escreve-lhe o irmão. Não chegamos a conhecer a carta de resposta, mas Sissako já lhe havia de certo modo respondido, ainda no início do filme, numa carta dirigida ao pai de ambos: “Está perto o ano 2000, o qual, tenho a certeza, não trará mudança alguma. O pai sabe isso melhor do que eu”. Eppur… La Vie Sur Terre (1998) – encomenda no âmbito do projecto internacional “2000 vu par...”, conjunto de filmes por realizadores de diferentes latitudes a propósito da virarem do milénio – é um dorido sopro de esperança, uma fé serena na bondade humana, numa existência simbiótica com a natureza. “… Pois que não é verdade que o trabalho do homem esteja terminado, que nada mais haja a fazer no mundo. Que nós parasitemos o mundo. Temos de caminhar com os passos do mundo. O trabalho do homem só agora começou. Nenhuma raça [sic] detém o monopólio da beleza, da inteligência ou da força. Há lugar para todos no encontro da Conquista”.

Eppur… Um feliz 2021



 

(La Vie Sur Terre, 1998, A. Sissako)

notes to self

Os Conselhos da Noite (J. Oliveira) *
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In the Mood for love (2000, Wong Kar-wai) ***
Chungking Express (1994, Wong Kar-wai) ****
Gone with the Wind (1937, V. Fleming) ****
O Acossado (1960, Jean-Luc Godard) ****
Uma Rapariga Fácil (2019, Rebecca Zlotowski) **
Fift Shades of Grey (2015, Sam Taylor-Johnson) *
Sergeant Rutledge (1960, J. Ford) ****
Fantasmi a Roma (1961, A. Pietrangeli) ***
La Vie Sur Terre (1998, Abderrahmane Sissako) ****
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Normal People (2020, L. Abrahamson/H. Macdonald) [série] ***

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Entre la pierre et la plume... IAM no ípsilon



Mais de 30 anos depois do início da carreira, os IAM, nome histórico do hip-hop francês, permanecem com os pés e a cabeça em Marselha – mas também no Antigo Egipto e em Nova Iorque. "Entre la pierre et la plume", livro recentemente editado em França, é mais uma porta de entrada no universo e mitologia de um super-grupo que continua até aos dias de hoje a agitar a complexa sociedade gaulesa.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020


(Sergeant Rutledge, 1960, J. Ford)

fantasmas que amamos


(Fantasmi a Roma, 1961, Antonio Pietrangeli)


Os fantasmas andam alegremente à solta, repetem rotinas fatais, debruçam-se sobre rear windows romanas para espreitarem as mais belas mulheres durante o serão. Uma vida frugal e feliz até ao momento em que o seu habitat fica em risco – o vetusto palácio em que vivem no centro da vecchia Roma prepara-se para ser vendido pelo sobrinho (Mastroianni, também no papel de um dos espirituosos fantasmas, num desempenho ambivalente, oportunista mas sensível, ganancioso e culto) do falecido dono aristocrático e colocado ao serviço de um gigantesco empreendimento imobiliário de um shopping (isto nos anos sessenta, sessenta...). As vias legais a que os fantasmas recorrem não resultam (são derrotadas ante o dinheiro e a corrupção), pelo que terão de lobrigar uma solução alternativa: pedem os bons ofícios do seu colega fantasma “Caparra” (provável alcunha para Giovanni Baglione, histórico rival de Caravaggio) para pintar um fresco num tecto falso do edifício de modo a que este seja classificado e, assim, impedida a venda. É ambígua a personagem do perito e crítico de pintura que, chamado ao local, declara que o fresco não é de Caparra mas de… Caravaggio. O negócio fica definitivamente enterrado e a preservação do palácio assegurada. A arte salva a arte, a crítica salva a arte – e o cinema, as salas de cinema por onde passeiam os fantasmas das nossas vidas (e da outra, talvez maior, a colectiva), quem os salva?

Com o poder político e a esmagadora parte da sociedade civil indiferentes ao encerramento galopante das salas à conta do efeito de sucção das plataformas de streaming, com algumas das publicações de referência a cobrirem e a atribuirem estrelas a filmes cuja única e longa sessão de estreia acontece numa televisão (ou num telemóvel, ipad, desde que o “consumo de conteúdos” nas idas ao quarto-de-banho fique assegurado) enquanto esquizofrenicamente choram o crepúsculo do cinema em sala como “experiência colectiva” e o diabo a quatro, eis uma triste mas previsível constatação: a salvação, a existir, virá sempre do mesmo sítio, da arte e dos que a fazem, daqueles que se recusam a arredar pé dos palácios (dos ecrãs) onde vivem. Comédia inteligentíssima, profundamente cinéfila, logo fantasmática (ou vice-versa), antes sequer da existência propriamente dita (passe o oxímoro) dos fantasmas. Mas não desesperemos: tudo está bem quando acaba bem, as salas não desaparecerão, assim os fantasmas que habitam os filmes que amamos (A Rosa Púrpura do Cairo, por exemplo…) queiram começar a pôr o pé fora do ecrã… Esperemos. Sentados. No sofá, em frente à “plataforma”.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020



(Sergeant Rutledge, 1960, John Ford)


(Porto, 24-12-2020)


Pipeline Masters... surfing a White Christmas

great expectations




(Gone with the Wind, 1937, V. Fleming / The Magnificent Ambersons, 1942, O. Welles)

carry me over to your bed


(Normal People, L. Abrahamson/H. Macdonald, 2020)



 

(Gone with the Wind, 1939, V. Fleming / Get Out, 2017, J. Peele)


excepcionalmente, o ípsilon foi para as bancas na passada quarta-feira e irá na desta semana também. no ípsilon de dia 23 de Dezembro, número de balanço sobre um ano monótono, previsível e rotineiro. valha-nos Santo Malcolm

2020 - motion pictures (movie theaters only, now and ever)

Filmes do meu ano:

1. Richard Jewell (Clint Eastwood)
2. Portrait de la jeune fille en feu de (Céline Sciamma)
3. Roubaix, une lumière (Arnaud Desplechin)
4. Le sel des larmes (Philippe Garrel)
5. Les plus belles années d’une vie (Claude Lelouch)
6. The Nest (Sean Durkin)
7 Ordem Moral (Mário Barroso)
8. O Fim do Mundo (Basil da Cunha)
9. J’accuse (Roman Polanski)
10. Pinocchio (Matteo Garrone)

Link melhores filmes de 2020 À pala de Walsh: http://www.apaladewalsh.com/2020/12/os-melhores-filmes-de-2020/

Na sua falsa simplicidade, na sua aparente ultra-modéstia, Richard Jewell é capaz de ser um dos filmes mais complexos de Clint Eastwood dos últimos 20 anos. O mais intrincado, a anos-luz, que tive oportunidade de ver este ano em sala – contrariando os critérios definidos pela editoria da casa, a minha lista contempla deliberadamente apenas filmes estreados no lugar onde eles devem ser vistos. Não vale a pena tecermos loas ao cinema como “experiência colectiva”, “ponto de encontro e partilha”, e ao grande ecrã como “o lugar a que o cinema pertence” se depois aceitamos passivamente (ou até activamente, no caso) à  desmantelação de tais ideias mesmo em frente aos nossos olhos. E não se trata apenas de um gesto simbólico – ou achar-se-á mesmo que as Netflix e afins não esfregam as mãos de contentes quando vêem publicações prestigiadas incluírem os seus filmes nas listas do ano, passando, acto contínuo, a mencionar esse facto nas campanhas de promoção dos filmes (a partir daí se criando acumulativamente redes de interesses e promiscuidades que só acrescentam força e capacidade de lobbying às plataformas)? Se não os podes vencer, não te juntes mesmo a eles; não é embirração ou ingenuidade, antes o conservar, na medida da nossa pequena mas vertical capacidade, de uma convicção, um pacto, um amor. Sim, no diminuto poder que nos assiste de boicotar a voracidade omnívora e homogeneizante do streaming, boicotemos, pois claro. Ou, então, relativize-se mesmo tudo e, no limite, se daqui a 20 anos as salas desaparecerem de vez e só houver streamings para cada um ver no seu buraco, também “está tudo bem”. 2020: um ano estranhíssimo por razões óbvias e no qual, mal-grado ter mantido um elevado visionamento de filmes em sala, o panorama de estreias que consegui apanhar se apresentou francamente pobre.

E eis Richard Jewell no meio disso tudo como um autêntico oásis – ou deserto, não sabemos nunca ao certo, o filme está sempre a virar o bico ao prego, objecto cubista permanentemente formulando questões, respostas e contra-questões políticas e ideológicas (os EUA e o significado da liberdade, o virtuosismo patriótico das forças de segurança e a corrupção e a privacidade, o “bem da nação” e o individualismo, a cena das armas no quarto do patético Jewell que me parece ser a redenção de Eastwood da das gunsas kid’s best friend em The 15:17 to Paris; sendo tudo isto que acabo de enunciar assaz exíguo para a gigantesca massa problematizante em que o filme se constitui), axiomas e contradições (se não insanáveis, perto disso) a cada plano, sequência, a cada diálogo. Um filme de uma dialéctica exemplar que, ao jeito socrático, nos interpela a todo o momento no caminho de descoberta da verdade (a do “V” maiúsculo, não a do autor do atentado…) e que deveria integrar a formação dos funcionários de qualquer instituição pública (a começar nas escolas e a acabar no SEF). Saber que o advogado de Jewell (interpretado por Matthew McConaughey) corresponde, na vida real, a L. Lin Wood, cretino circense (com todo o respeito que as ditas artes me merecem) que tem feito parte da imundície trumpista do “Stop the Steal” só torna tudo mais rico e perturbante. Única reserva: a história muito mal contada por Eastwood para justificar o facto de, no filme, ter colocado a jornalista Kathy Scruggs (Olivia Wilde) a fazer uma troca win-win (i.é, sexo-informação) com um agente do FBI, algo sem sustentação factual e a que Scruggs, que já cá não mora, nunca poderá responder. Chama-se honra – aquilo que Eastwood talvez mais tenha enaltecido ao longo da sua obra…

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Oh, baby, you're so mean to me



(LP Land Of Dreams, 1988, Randy Newman)



- A love song? You? What's the matter? Phill Collins is busy?
- Oh, baby, you're so mean to me...


(Gone with the Wind, 1939, Victor Fleming)


num filme em que os "yankees" são tratados pela comunidade cercada (é um filme de cerco, também, e não apenas o da guerra; de claustrofobia) como os índios nos westerns mais rasos (bárbaros, invasores, bestiais), palavra-arquétipo sem rosto nem humanidade, logo, apavorante (como, enfim, "the thing"), eis a bela e o monstro, a monstra e o belo para mostrar que o terror está, afinal, bem no meio deles. ou seja, de nós

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

2020 - I said-a hip, hop, the hippie

O hip-hop do meu ano

1. The Allegory (Royce Da 5’9’’)
2. Descendants of Cain (Ka)
3. As God Intended (Che Noir e Apollo Brown)
4. Spilligion (Spillage Village)
5. King’s Disease (Nas)
6. Innocent Country 2 (Quelle Chris e Chris Keys)
7. HOUSE (Lupe Fiasco e Kaelin Ellis)
8. Odd Cure (Oddisee)
9. Miles (Blu & Exile)
10. All My Heroes Are Dead (RA The Rugged Man)
11. My Disregarded Thoughts (Bishop Nehru)
12. Seven Times Down Eight Times Up (Elzhi)
13. Manger on McNichols (Boldy James e Sterling Toles)
14. Lost Kingz (Tha God Fahim)
15. MMXX (Parteum)
16. Drawn Up (J-Live)
17. Don't Fight Your Demons (Arrested Development)
18. A Written Testimony (Jay Electronica)
19. Astéroïde (Akhenaton)
20. Survival Kit (Goodie Mob)
21. Extinction Level Event 2: The Wrath of God (Busta Rhymes)
22. Aphelion's Traveling Circus (Namir Blade)
23. Closer Than They Appear (Lyric Jones)
24. Visão (Matéria Prima)
25. Mt. Marci (Roc Marciano)
26. Assim Tocam Os Meus Tambores (Marcelo D2)
27. Felt (Felt)
28. Universo do Canto Falado (Rapadura)
29. The Balancing Act (Statik Selektah)
30. The Sharecropper's Daughter (Sa-Roc)
31. A Beautiful Revolution (Pt 1) (Common)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

2020 - discos (INT)

Discos (INT) do meu ano

Duas notas breves: i) Vários dos trabalhos deste ano de Terrace Martin (abaixo na turma Dinner Party) e de Ali Shaheed Muhammad & Adrian Younge - os três hardest working men in black music - podiam estar nesta lista. ii) A safra do hip-hop do ano terá uma lista à parte. Now spin it

1. Circles (Mac Miller)
2. Canyons (Young Gun Silver Fox)
3. The Allegory (Royce Da 5'9'')
4. Descendants of Cain (Ka)
5. As God Intended (Apollo Brown & Che Noir)
6. Nick of Time (The James Hunter Six)
7. Spilligion (Spillage Village)
8. Suite for Max Brown (Jeff Parker) ex aequo Mama, You Can Bet! ‎(Jyoti)
9. Dinner Party (Dinner Party) ex aequo Jazz is Dead 5 (Black Jazz) (Adrian Younge, Ali Shaheed Muhammad e Doug Carn)
10. Róisín Machine (Róisín Murphy)

Outros:
Late Checkout (Dent May), I Think I'm Good (Kassa Overall), Cult Survivor (Sofie), Swing States: Harmony in the Battleground (Regina Carter), Innocent Country 2 (Quelle Chris e Chris Keys), Modes Of Communication: Letters From The Underworlds (Nduduzo Makhathini), My Disregarded Thoughts (Bishop Nehru), Don’t Forget It (Prophet), Pursuance: The Coltranes (Lakecia Benjamin), Cinzento (Marcos Valle), All My Heroes Are Dead (RA The Rugged Man), Miles (Blu & Exile), Seven Times Down Eight Times Up (Elzhi), Forever, Ya Girl (KeiyaA), AUNTIE (Ian Isiah), A Written Testimony (Jay Electronica), Down to the Lowest Terms: The Soul Sessions (Steve Arrington), Who Are You? (Joel Ross), to feel love/d (Luke James), The Rise Up: Stories of Strife, Struggle and Inspiration (Mehmet Ali Sanlikol), Ultra Tape (Muddy Monk), Maestro Rythm King (Nicholas Payton), Sorry You Couldn’t Make It (Swamp Dogg), It Was Unwritten (Sy Ari Da Kid), Bebey (Theophilus London), Mente (Thiago Nassif), Reincarnation (Warren Wolf), Lost Kingz (Tha God Fahim) , MMXX (Parteum), 40 mélodies (Ibrahim Maalouf), Sinthesize (Terrace Martin), Impedance (Terrace Martin), Soul Juice (Terrance Martin), Village Days (Terrace Martin), Satin Doll (Sam Gendel), Drawn Up (J-Live), HOUSE (Lupe Fiasco), GENE (LA Priest), Night Dreamer Direct-To-Disc Sessions (Gary Bartz & Maisha), Bleu (Hermon Mahari), Odd Cure (Oddisee), Wu Hen (Kamaal Williams), Manger on McNichols (Boldy James e Sterling Toles), King’s Disease (Nas), Candid (Whitney), Don't Fight Your Demons (Arrested Development), The Sharecropper's Daughter (Sa-Roc), Assim tocam os meus tambores (Marcelo D2), Astéroïde (Akhenato), A Beautiful Revolution pt. 1 (Common), What's Your Pleasure? (Jessie Ware), La Noche de los Dioses (Tino Contreras), Extinction Level Event 2: The Wrath of God (Busta Rhymes), Felt (Felt), Rose in the dark (Cleo Sol), Survival Kit (Goodie Mob), Universo do Canto Falado (Rapadura), The Balancing Act (Statik Selektah), Mt. Marci (Roc Marciano), I can’t go outside (Channel Tres), Workaround (Beatrice Dellon), Aphelion's Traveling Circus (Namir Blade), Closer Than They Appear (Lyric Jones), Just Dropped In (To See What Condition My Rendition Was In) (Sharon Jones & The Dap-Kings), The Lo-Fis (Steve Lacy), Pardon My French (Jahari Massamba Unit), Visão (Matéria Prima), Brat (Nnamdi Ogbonnaya)

2020 - discos (PT)

Discos (PT) do meu ano:

1. Meia Riba Calxa (Tristany)
2. Rapazes e Raposas (B Fachada)
3. Véspera (Clã)
4. Sinceramente Porto (Keso)
5. SYSTEM (ProfJam e benji price)
6. Revezo (Filipe Sambado)
7. Lourenço Crespo (Lourenço Crespo)
8. Ed Harris Tape (Silab & Jay Fella)

Outros: You Don't Know MeI'm Not Your Homie (Wake Up Sleep), Rotulado (Kilu), In3gah (In3gah), Outro Formato EP (Paulo Leitão), Light Headed (SaiR)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Inspiration Information



[LP Just Dropped In (To See What Condition My Rendition Was In), 2020]

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020


(La Visita, 1963, A. Pietrangeli)


Ninguém – homens, mulheres – sai bem na fotografia, mas, meu Deus… quão bela é a fotografia. Humana, sumamente humana, como todo o cinema de Pietrangeli, fino receptor da complexidade e da ambiguidade, dos interstícios morais alheios a julgamentos sumários. Quando Pina – mulher sagaz e independente cuja submissão e condescendência para com este homem sem qualidades nos espanta a cada plano – finalmente lhe diz, já a noite vai alta, o que pensa dele (racista, egoísta, grosseiro), Adolfo retorque de olhos baixos: “Tens razão. É tudo verdade”. Mas diz mais: “É nisso que nos tornamos quando estamos sozinhos”. Não se trata de uma solidão de cariz amoroso, mas de algo muito maior, um estar-no-mundo sozinho.

Não há, na resposta deste enxovalhado zé-ninguém de Roma que se faz passar por um tipo bem-sucedido da “capital”, qualquer solução milagrosa para o filme e para este casal, absolvição moral alguma para a sua falta de carácter (in vino veritas...) que o filme capta ao longo destas quase 24 horas. Mas há o olhar justo sobre personagens de carne e osso armadilhadas nas suas pequenas tragédias pessoais, o genuíno respeito pelos sapatos que uns calçam e outros não, a consciência de como “chacun à ses raisons”; de como estas, enfim, vão azedando e embrutecendo o espírito com o passar dos anos sem que nos apercebamos. Enfim, tudo coisas muito anacrónicas, démodé mesmo, sem espaço num mundo como o de hoje em que, degradado o discurso até um nível impensavalmente baixo à conta das “redes sociais”, se recusa a ambiguidade, a dúvida, a ponderação em cada momento, agora vistas como fraqueza, quando não dolo. “Certas noites, sinto-me verdadeiramente triste… Como se a vida não valesse a pena. Talvez seja tarde demais. Se me tornei em tudo o que dizes… será difícil aproximar-me de outra pessoa”.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

notes to self

Listen *
Pinocchio **
Le regard de Charles **
Amor Fati ***
Patrick **
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Acto da Primavera (1963, M. Oliveira) **
A Caça (1963, M. Oliveira) ***
O Pão (1959, M. Oliveira) ***
Hulha Branca (1932, M. Oliveira) **
Romance de Vila do Conde (1965, M. Oliveira) ****
Portugal Já Faz Automóveis (1938, M. Oliveira) **
Pickpocket (1959, R. Bresson) ****
Once Upon a Time in The West (1968, S. Leone) ****
La Visita (1964, A. Pietrangeli) ****
Leave Her to Heaven (1945, John M. Stahl) ****

straight from Brooklyn



A golden age manchada pelo sangue de Tupac Shakur e Notorious B.I.G., Brooklyn e os EUA, a família e Deus, e, claro, os 25 anos de "Da Shining'"... Entrevista com os - como agora se diz - "legendários" Smif-N-Wessun hoje no ípsilon... Straight from Brooklyn

Link:

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

epítome, pináculo, nec plus ultra



(Leave Her to Heaven, 1945, John M. Stahl)


... e não só pela razão que estais a pensar: para se simular em condições uma queda com os efeitos desejados (interrupção de uma gravidez), não basta esbardalharmo-nos pela escadaria abaixo; é preciso aparentar que segundos antes nos engalanámos em modo dress-to-impress para sair à rua, como se fosse a derradeira vez (e nada nos diz que essa também não fosse uma hipótese congeminada por Mrs. Berent; aliás, mais para o fim, o filme diz-nos que até podia bem ser).

confinada



 

(Leave Her to Heaven, 1945, John M. Stahl)



("Requiem", LP José Cid, 1971)

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Cena maravilhosa



(LP Revolver, 1975, Walter Franco)


"Bênção da luz a nascer
Aberta ao sol uma rosa
Penso em quem não pode ver
A cena maravilhosa
Gotinha d'água a tremer
Na pétala desta rosa
Penso em quem não pode ver
A cena maravilhosa
Mais infeliz deve ser
O homem que de alma orgulhosa
Não quer ou não sabe ver
A cena maravilhosa"


(Romance de Vila do Conde, 1965, Manoel de Oliveira)