segunda-feira, 14 de junho de 2021

How green was my valley


(Sintra, Junho 2021)


"No dia 1 de Novembro de 1937, o Corriere Della Sera publicava um artigo literário pouco habitual. Não quer dizer que o tema fosse invulgar (em questões de invulgaridade os artigos literários habituaram-nos a tudo), mas nele se convocava, directa ou indirectamente, o cinema. O autor da peça era Guido Piovene, o título 'Rascunho para um romance' . Poderá parecer estranho, à primeira vista, que o cinema se introduza precisamente aí, onde se anuncia uma inspiração estritamente literária e, no entanto, desde as primeiras linhas, mesmo antes que o próprio autor reconhecesse a possibilidade do desdobramento cinematográfico, eu já tinha pensado em cinema (...).

(...) há no texto escrito algo de precioso para os olhos, como uma antecipação à alegria das coisas vistas, que faz aspirar instintiva e intensamente à visão concreta e colorida daquele mundo que se apaga num sopro gelado (...). (...) nesta matéria sou fiel à velha convicção de que para fazer bom cinema basta um nada, uma imagem como esta de que brotem outras imagens mais definidas (...). Há-de chegar o dia em que os realizadores terão por hábito anotar serenamente em três linhas, nas agendas, os filmes a realizar, como Tchechov as suas histórias. Assim será significativo demonstrar que ideias capazes de dar vida a coisas belas florescem por todo o lado (...).
(...) É nesta altura que ocorre o grande acontecimento. Ouçamos Piovene: 'E eis que um dia, um deles [camponês de uma verdejante vila montanhosa situada numa ilha que, de súbito, é assolada pelo avanço do gelo, condenando-à miséria e à evacuação da população], ao apascentar os cavalos, estacou aterrorizado. A erva dos prados tornara-se por um momento cor de prata e depois voltara ao normal'. Um instante. 'Depois os instantes uniram-se e o camponês começou a pesar os primeiros grãos de trigo verde e esbranquiçado'. Quanto tempo decorre entre os primeiros sinais de gelo e a partida das populações, o escritor não esclarece.
(...) Posto isto, não me parece ter algo mais a dizer. Creio que estamos todos de acordo numa coisa: que o filme seria indiscutivelmente classificado de 'colosso', o que não deveria desagradar a um produtor arguto. Quanto ao título, todos os filmes têm um, poderia dizer que 'Terra Verde' é o mais indicado para sugerir a ideia da história. Era uma vez uma terra verde...".

Michelangelo Antonioni, Os filmes na gaveta, Edições 70

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