sexta-feira, 30 de julho de 2021



não sei se, como li há tempos sobre uma exposição em lisboa cuja referência não consigo agora encontrar, se ouvia melhor "quando se tinha tempo para ouvir música" (nao confundir com ouvir "melhor música"…). o impulso nostálgico é irreprimível. com a pandemia, passámos decididamente a ter mais tempo e, porém, tenho dúvidas sobre se o passámos a fazer "melhor". sei, pelo menos, que o espírito de descoberta, de adentrar pelo desconhecido, já teve inegavelmente outro sabor - desde logo, porque ele implicava uma relação com o exterior, fora de nós, de casa, do nosso computador. obrigava a sair à rua, estávamos unicamente à nossa mercê numa loja, num bar, numa discoteca a ouvir música que desconhecíamos, a tactear capas de CD e vinil, não nos podíamos valer do conforto do rato do computador. nem sequer foi assim há tanto tempo, mas parece já, contudo, outra vida. 15 anos atrás e ainda era possível esse maravilhamento silencioso, anónimo - numa inesquecível estadia em barcelona onde ficámos hospedados no quarto de uma espanhola conhecida de uma amiga portuguesa (nunca chegámos a conhecer a Irene!, um nome e uma fotografia apenas a quem deixamos a nossa mais esforçada retribuição), ao visitar uma loja de discos, vêm-me parar às mãos os discos de Frank T, histórico 'rapero' da arqui-rival Madrid (traria comigo "Los Pájaros No Pueden Vivir En El Agua Porque No Son Peces", "Frankattack" e "90 Kilos"). o hip-hop ainda não estava em todo o lado e, apesar de os canais de partilha e divulgação serem então incomparavelmente menores (ou talvez por causa disso), era muito mais idiossincrático, as particularidades de um país e suas regiões sobressaíam imediatamente (sabíamos menos, a informação não transbordava; saboreávamos mais). outra felicidade dessa tarde: os discos que vieram para o porto da dupla holandesa Pete Philly and Perquisite, e que viria a tocar, muitos anos mais tarde, num programa de rádio que tive por um breve período...

são coisas (físicas, também) que, anos depois, compreendemos que não poderiam ter outro destino se não o de permanecerem connosco, que assinalam momentos das nossas vidas sem todavia se confinarem a essa função "simbólica", mantendo toda a sua potência artística e a sua novidade, falando-nos sempre numa língua diferente a cada escuta. Frank T, ele mesmo, de quem o partido proto-fascista da moda em Espanha exigiu recentemente a proibição de um concerto (a extrema-direita também goza, afinal de contas, das prerrogativas da "cancel culture"), é quem continuo a ouvir no ípsilon saído há dias. "Arroz"


sexta-feira, 23 de julho de 2021

terça-feira, 20 de julho de 2021




(Beau Travail, 1999, C. Denis)

 


(Treme, 2010-2013, David Simon e Eric Overmyer, HBO)


"Don’t think in terms of a beginning and an end... Because, unlike some plot-driven entertainments, there is no closure in real life... not really"

big future



(EP Deem's Tape, 2021, Deem Spencer)



(A Quiet Place Part II, 2020, J. Krasinksi)


(Minari, 2020, L. I. Chung)

Fuck your ethnicity



(LP Section 80, 2011)


"Now, I don't give a fuck if you
Black, White, Asian, Hispanic, goddammit
That don't mean shit to me
Fuck your ethnicity, nigga"



(Rupture, 1961, P. Étaix)

sexta-feira, 16 de julho de 2021

while you see a chance



(LP Arc Of A Driver, 1981)


While you se a chance take it
Find romance, fake it
Because it's all on you


"The song has often been regarded as an inspirational song, but one of the lines says, ‘While you see a chance take it, find romance, fake it’, which seems negative, Jennings explained, “Well the next line explains it: ‘Because it’s all on you.’ There’s an old English expression called ‘Fake it till you make it.’ If you don’t have romance in your life, meaning in the broader sense, really, something to make life interesting, just imagine it until it’s there". (fonte: While You See A Chance (Steve Winwood) – Jon Kutner)


hold on



(LP Steve Winwood, 1977)

terça-feira, 13 de julho de 2021

ninguém sabe o que ele diz




Já passaram uns dias, tinha-me esquecido de o deixar aqui... Boas leituras



***

Nunca olhamos duas vezes da mesma forma para uma coisa. Não apenas um filme, uma canção, um quadro. Podem ser coisas mais intrigantes: o mar, por exemplo. Há um ano, na varanda deste mesmo hotel um dia filmado por Wim Wenders, o ruído das ondas falava-me, embalava-me de outra maneira. Por certo que, pouco mais de um ano após o início da pandemia, os meus olhos estão diferentes. Talvez que só tardiamente me esteja agora disso a aperceber. Por certo, também, que não somos os mesmos quando nos olham em duas ocasiões distintas — e quem não nos diz que são, afinal, o sol, o vento, o mar quem nos olha e testemunha, enfim, diferentes?

Felizmente, há uma senhora muito idosa que, decerto numa das raras saídas de casa em pandemia, insiste com o vigilante apressado do Chalet da Condessa d’Edla (Elise Hensler, actriz e cantora lírica antes de D. Fernando II por ela se apaixonar em pleno São Carlos; diz-se que era Un ballo in maschera, de Verdi, o espectáculo dessa noite de Abril de 1860…) e me remete para questões muito mais essenciais: “Duvido muito de que, naquele tempo, já se fizessem casas de banho como esta que os senhores aqui têm”. A filha puxa-a, mãe temos de ir, o senhor quer fechar, e só a custo ela acede, uma estóica demonstração de vitalidade de fazer corar de vergonha os fragmentos de ruínas que — fetichismo romântico supremo — D. Fernando II mandou acoplar à fachada do Palácio da Pena. Num bar lisboeta onde o sol não nos falha, apercebo-me da presença de uma grande e longeva actriz portuguesa na mesa ao lado. Gostaria de estar enganado, mas a intuição, nestas coisas, raramente me falha. Não é privilégio, antes uma maldição, esta de fazer a fotografia antes sequer de ter havido tempo para pegar na câmara. Subitamente, um carro pára mesmo à nossa frente; o condutor abandona o volante, os meus filhos e eu gostamos muito do seu trabalho, parabéns, sim senhor, está cheia de força. Não está, não, pensa o fotógrafo ao lado, e, mal o carro arranca, esta woman under the influence que também admiro e que mal teve tempo para agradecer o gesto tal a condoída surpresa com que o recebeu, só não desaba completamente por um pequeno milagre. Já a vi tantas vezes, nunca desta forma. Quando me levanto, penso no que lhe poderia dizer sem provocar efeito semelhante; não descubro as palavras, venho-me embora.

De volta à serra, a rádio dá-me uma canção totalmente atípica dos Beastie Boys (I don’t know, do Hello Nasty de 1998) que desconhecia por completo e que, muito provavelmente, não viria alguma vez a ouvir não fosse a generosidade deste locutor (leio que só a tocaram ao vivo uma única vez): “I’m walking through time / Deluded as the next guy / Pretending and hoping to find / That distant peace of mind”… Sucede-lhe Here Comes The Sun e fico convencido de que a generosidade pode ser, afinal, intuição. À chegada, tal como há um ano, David Simon faz-me companhia, agora com Treme (2010-2013), mais uma brilhante série-documento sobre a América, desta feita sobre o histórico bairro com o mesmo nome de Nova Orleães durante a ressaca pós-Katrina: há uma cidade desfeita, uma comunidade deslaçada, muitos nunca voltaram, alguns estão desaparecidos, outros partirão… Um antes e um depois, nada ficará como antes…. Mas e… as ondas? Não oiço as ondas… Talvez num próximo ano, quiçá um próximo olhar.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

made in heaven



(LP Mr. Bad Guy, 1985, F. Mercury)

foolin' around



(LP Mr. Bad Guy, 1985, F. Mercury)

quinta-feira, 8 de julho de 2021



(LP Adeus Até Ao Meu Regresso, 1982)

quarta-feira, 7 de julho de 2021

notes to self

Minari ***
Higiene Social *
Prazer, Camaradas! **
A Quiet Place **
Miss Marx **
O Movimento das Coisas **
O Último Banho **
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Days of Being Wild (1990) ****
Anna (1967) ***
Ladri di Biciclette (1948) ****
Beau Travail (1999) ***
O Passo Suspenso da Cegonha (1991) *****
Timbuktu (2014) ****
Se As Montanhas Se Afastam (2015) ***

segunda-feira, 5 de julho de 2021

25 anos FDUP e o mundo em três décadas: o fim da História que nunca chegou



Bonito! Casa cheia ontem para o fecho do ciclo 25 anos FDUP e o mundo em três décadas: o fim da História que nunca chegou com SE AS MONTANHAS SE AFASTAM, apresentado pelo Ricardo Vieira Lisboa.
Deixo abaixo a excelente folha de sala que o João Sousa Cardoso teve a generosidade de compor para a sessão do TIMBUKTU. Bons filmes e boas leituras!

***

Areia e aprumo

por: João Sousa Cardoso


Timbuktu do cineasta mauritano Abderrahmane Sissako (2014) abre com o travelling mudo de um antílope fêmea que foge nas areias do deserto e encerra com o da pequena Toya, a criança agora órfã, a correr, frontalmente, na nossa direção. Ambas as sequências enunciam o fundamento do terrorismo, que resumidamente é o domínio pelo medo, a perseguição incessante, a ameaça da morte desferida a qualquer momento.

O filme, rodado na República Islâmica da Mauritânia, numa co-produção com França, estabelece a justa distinção entre o Al-Corão, Alá e o Islamismo do oportunismo sanguinário das fações radicalizadas, mesmo que a história das civilizações sempre tenha um avesso de barbárie, como lembra Walter Benjamin. E talvez, por este motivo, o filme evoca uma das cidades culturalmente mais desenvolvidas do Mali. Em Timbuktu encontra-se sediada a prestigiada universidade corânica de Sancoré que desempenhou um papel capital na islamização da África Ocidental; e personagens como Amade Baba – um dos mais brilhantes estudantes e mestre da universidade de Sancoré, escritor, erudito e político medieval, considerado o mujjadid (a encarnação da religião) do século XVI, terminando os seus dias no exílio, em Marrocos – são presenças vivas da história do Sudão ainda hoje celebradas; além da admirável arquitetura em Timbuktu, feita de argila, que tem vindo a sofrer com o Harmatão, o vento – bruma seca, como lhe chamam em Cabo Verde - carregado de poeira e areias do Sahara. Timbuktu, foi, durante séculos, habitada por muçulmanos, cristãos e judeus transformando-se num centro cosmopolita, cidade assente na cohanitação multicultural, exemplo do entendimento étnico e religioso.

Antes de mais, o filme de Abderrahmane Sissako examina subtilmente as relações antropológicas e religa os fenómenos entre si, expondo os nexos, os contextos, as contradições sociais, as subjetividades em que participa o fundamentalismo religioso e o fenómeno terrorista. Os jihadistas que ocupam a cidade e  impõem a "xaria" - um código rígido de comportamentos e interditos à população local - sustentando todas as decisões no Islão e no poder de que se afirmam investidos por Alá, são aqui tratadas como personagens na sua individualidade, nas suas aspirações e nos seus limites. A coloração chaplinesca do jihadista que aprende a conduzir uma pickup são disso um divertido exemplo; ou, na belíssima sequência do tufo de erva entre as dunas avistado pelo mesmo jihadista encantado pelo encontro com Satima, a sublimação do desejo recalcado com uma patética rajada de metralhadora sobre o vazio da paisagem.

Timbuktu nunca escolhe a via da esquematização ou do maniqueísmo e tratando da violência armada, da humilhação de um povo ocupado pela brutalidade de uma milícia, observa sobretudo as questões transculturais das paixões, da justiça e da morte; a linhagem de sangue, o direito à terra, a propriedade, os limites da lei e a dignidade cultural; numa meditação sobre o espaço de vida que resta entre o discernimento e a selvajaria. Assim, o imã explica aos jihadistas que na mesquita devemos descalçar-nos e usar a cabeça; Samita lembra a Kidane que usava uma arma antes de ter uma filha; Kidane, encarcerado, quer compreender as razões do amigo de infância entretanto radicalizado, a quem reconhece pelo olhar.

Este filme sublinha particularmente a importância das mulheres nos movimentos de resistência cultural e política: a primeira vendedora de peixe que se recua a calçar luvas e oferece a faca, estendendo os pulsos; Satima que lava os cabelos e se recusa a cobri-los (“ela tem muita força interior” lembra o aprendiz ao experimentado jihadista) como no final salta para uma mota para defender o marido condenado à morte; a feiticeira e a sua gargalhada que encarna a sábia, a pária e a maldita, em contacto com saberes de uma ordem que afronta a violência armada com o espetáculo do seu teatro e com ela negoceia para a educar (o jihadista a quem ofereceu um amuleto de trapos, achando-se só, dançará, belo, potente, os pés nús a baterem na areia... tomado de uma memória cultural anterior às armas que transporta consigo); ou, por último, a mulher sentenciada com 40 chicotadas que, na execução da sentença, enquanto chora canta. O canto, a música e a dança vão irrompendo no filme, aliás, como forças de ligação social contra os rompimentos da violência. E a extraordinária rêverie da partida de futebol com uma cabra que cruza o campo enquanto os jogadores correm atrás de uma bola imaginária - posto que como a música, o canto e a dança, o desporto é proibido pela “xária” - lembra, mais do que a mímica do jogo de ténis em Blow Up de Michaelangelo Antonioni, sobretudo do onirismo das competições desportivas em A Missa Acabou ou Habemus Papam de Nanni Moretti, na figuração da alegria dos corpos, coletivamente reencontrada, vencendo a estrita secura das regras e do compêndio ideológico.

Ao longo do filme, as figuras emergem e desaparecem nas dunas como os elementos vegetais brotam da terra ou o gado submerge nas águas do rio o que desencadeará o acidente com as redes do pescador. Será a primeira morte do filme, a de uma vaca chamada GPS, a que se seguirão outras, com uma notável economia expressiva, nas águas ou na areia, acidentais ou assassinas (como o casal condenado por envolvimento sexual fora do casamento, enterrado até à cabeça e apedrejado até à morte).

Não conheço a Mauritânia e ao Mali só o avistei da fronteira, na região de Kédougou, nos confins orientais do Senegal. Ao ver este filme, lembrei-me da vitalidade das aldeias do Senegal, da importância das crianças, da coabitação entre o humano, os animais e a antiguidade das árvores, da elegância ancestral das mulheres nas ruas e nos mercados, vestidas de panejamentos e turbantes que impressionaram Matisse, como uma aristocracia que não esqueceu o aprumo que se deve; da sabedoria que alia os vivos e os mortos e a todos integra na vida ritual da comunidade; e como sociedades na história global, estas sociedades do centro-africano guardam marcas evidentes do colonialismo europeu (francês na história do Senegal, do Mali e da Mauritânia, ligação que a economia e a língua perpetuam por via da cooperação e do tráfico de imaginários como no filme os jihadista discutem Zidane e a seleção francesa no mundial de futebol), sincretismos culturais e apropriações surpreendentes – ao nosso olhar de ocidentais – com um vibrante sentido estético e uma relação constante com a transcendência. O plano de Toya sentada nas areias do deserto, erguendo o telemóvel contra o céu e o sol, procurando - num gesto arquetípico – sinal de rede, devolve-nos às nossas próprias relações enfeitiçadas com os objetos e o mundo. E quando, no final, Toya corre para nós, devolve-nos à nossa responsabilidade.


Finalmente revisto, quase 10 anos depois de me ter causado uma fundíssima impressão, continua monumental - um filme "total", essa espécie rara se não extinta, em vias de. Deixo aqui o excerto de um magnífico artigo de Eduardo Prado Coelho (no Público de 17 de Abril de 1992) que li no sábado antes da projecção de O Passo Suspenso da Cegonha - e que já tinha deixado neste mesmo blog aquando do seu primeiríssimo visionamento, estávamos em 2012...


"E partiu, ninguém sabe para onde; partiu para outro lugar, mas sobretudo partiu de si mesmo, partiu da sua identidade congelada para afrontar a cisão, a deriva das fronteiras, o anonimato de cinza e frio matinal. Na figura admirável do Desaparecido (que poderá ser aquele que surge na representação perfeita de um Marcello Mastroianni), encontramos toda a problemática actual de uma vida política que, enovelada na sua própria lógica, acabou por se minar a si própria pela perda da transparência e verdade autêntica.
O Desconhecido usa o silêncio, a cumplicidade tácita (talvez a Mulher o tenha reconhecido, mas reconheceu-o o bastante para o considerar definitivamente desconhecido – e esse pode ser o limite da paixão), a alegoria, a resposta pelo gesto (procurar um peixe dentro de água para não ouvir a sua própria voz na cassete)".

quinta-feira, 1 de julho de 2021