segunda-feira, 23 de abril de 2012

E partiu



O Passo Suspenso da Cegonha (1991), Theo Angelopoulos.


"E partiu, ninguém sabe para onde; partiu para outro lugar, mas sobretudo partiu de si mesmo, partiu-se da sua identidade congelada para afrontar a cisão, a deriva das fronteiras, o anonimato de cinza e frio matinal. Na figura admirável do Desaparecido (que poderá ser aquele que surge na representação perfeita de um Marcello Mastroianni), encontramos toda a problemática actual de uma vida política que, enovelada na sua própria lógica, acabou por se minar a si própria pela perda da transparência e verdade autêntica. O Desconhecido usa o silêncio, a cumplicidade tácita (talvez a Mulher o tenha reconhecido, mas reconheceu-o o bastante para o considerar definitivamente desconhecido – e esse pode ser o limite da paixão), a alegoria, a resposta pelo gesto (procurar um peixe dentro de água para não ouvir a sua própria voz na cassete)".


Eduardo Prado Coelho, Público, 17/4/1992.

2 comentários:

James Dillon disse...

"Quem eram os «cinéfilos»? Segundo um dos maiores críticos da história do cinema, Serge Daney, eram gente que gostava de se apresentar deste modo: nós somos filhos do cinema («ciné-fils»). Isto é, nós vemos o mundo através do modo como o cinema vê o mundo, porque essa é a melhor forma de tremer face ao medo, de olhar uma árvore ao fim do dia, de cantar numa praia nocturna a sonhar com o tesouro dos piratas ou de tocar nos cabelos de uma mulher. E por isso consideramos os filmes não apenas como arte, e elementos centrais de uma história da cultura dos homens, mas também como objectos íntimos, segredos que se passam de mão em mão, rebuçados, fetiches, berlindes, abóbadas de cristal donde a neve cai silenciosamente. Isto teve um tempo, teve lugares para se viver, velhas salas de encontros cúmplices, festivais, cinematecas, refúgios, fotografias coladas na parede, cartazes, Johnny Guitars e Gertruds da nossa vida, imperatrizes orientais de unhas lacadas a vermelho, nosferatus do espanto, monstros de terror – e no entanto, ela só dançou um verão (ela, a cinefilia)."


*excerto retirado da obra "Crónicas no Fio do Horizonte", de Eduardo Prado Coelho.

James Dillon disse...

"Se a Puta da Transcendência ainda for o que era, tu és o Nélson, eu sou o Noronha e já fomos muito felizes em Perre... um abraço, meu mano",

- indubitavelmente.