domingo, 27 de dezembro de 2009

gostaria de estudar mais um bocadinho

"- Eu prefiro continuar como simpatizante - o bichinho, a faca, a cobra. - Tenho algumas dúvidas, gostaria de estudar mais um bocadinho antes de me inscrever.
(...)
E se te inscrevesses naquele dia, Zavalita, pensa? O facto de seres militante ter-te-ia arrastado, comprometido cada vez mais, teria varrido as dúvidas e em alguns meses ou anos ter-te-ia transformado num homem de fé, num optimista, num outro obscuro puro heróico?
(...)
- Não foi horror ao dogma, foi um reflexo de menino anarquista que não quer receber ordens - disse Carlitos. - Foi que, no fundo, tinhas medo de romper com pessoas que comem e vestem e cheiram bem.
(...)
- Então foi espírito de contradição, vontade de encontrar três patas no gato sabendo que tem quatro - disse Carlitos. - Devias ter-te dedicado à literatura e não à revolução, Zavalita.
- Eu sabia que se todos se dedicassem a ser inteligentes e a duvidar, o Peru estaria sempre fodido - disse Santiago. - Eu sabia que eram preciso dogmáticos, Carlitos.
- Com dogmáticos ou com inteligentes, o Peru há-de estar sempre fodido - disse Carlitos. - Este país começou mal e acabará mal. Como nós, Zavalita.
- Nós os capitalistas? - perguntou Santiago.
- Nós os cacógrafos - disse Carlitos. - Havemos de rebentar todos deitando espuma, como o Becerrita. À tua saúde, Zavalita.
(...)
- Consola-te, a profecia não se cumpriu - disse Carlitos. - Nem advogado, nem sócio do Club Nacional, nem proletário nem burguês, Zavalita. Uma pobre merdinha entre uma coisa e outra, mais nada".

Conversa na Catedral, Mario Vargas Llosa

sábado, 26 de dezembro de 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

businessman



"Play Time", Jacques Tati

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

crer na primeira e segunda pessoa do singular no presente

Crês que o nosso amor é uma onda tal capaz de engolir a mais alta das montanhas? Ou pensas que embora gigantesca sempre há rochedos encavalitados nos trilhos das montanhas que impedem a água de marcar o cume como assinalam as marcas das cheias nas cidades e aldeias que sucessivamente vão superando a admiração de homens e mulheres simples?

Quero crer que um dia lerão Um dia o amor aqui tocou e jamais deixou de ser onda de água, sal e areia inundando todas as pedras e pedregulhos, deles absorvendo todavia as cores os cheiros a rugosidade ou falta dela, a dureza. que um dia lerão Um dia inundou-os e juntou-os à areia fina de especiarias que lhe brilhava na cauda.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

À volta da mesa
somos todos sensíveis.
Com a luz artificial sob os olhos condoídos
que reclamam cobertores de cinderela,
somos todos sensíveis.
Empenhamos cada um
o seu álibi de carne e pão
e dizemo-nos sensíveis.
Falamos alto, iniciamos
e desistimos das palavras
com a mesma rapidez
com que damos mais uma dentada.
Mantemos, ainda assim, os mesmos
dois ou três tópicos de conversa,
que se vão alterando conforme a luz nos cega
mais ou menos os olhos.
Pagamos a conta dos sensíveis:
cinco pela carne e pelo pão
dois pela água
oito e meio pela tagarelice acossada.
é a mais cara mas aquela pela
qual queremos pagar mais rápido.
No fundo, vendemo-la. Só não
a damos porque ninguém a quer
oferecida.

Têm razão quando dizem que o dinheiro compra algumas coisas.