Da minha janela vejo o Bósforo todos os dias: divisões e correntes, agitações e marés. Tal como no homem, tal como no mundo.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
domingo, 21 de fevereiro de 2010
"ai amor, e este braço aqui, vou cortá-lo"
L'Eclisse (1962), Antonioni.
(o francês não é o original, mas sim o italiano. infelizmente, foi a única versão que encontrei.)
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por outras palavras ou por outras pessoas
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Este homem é quatro paredes. Está, também, metido em quatro lúgubres paredes, onde listas grossas e azuladas enfermam a decoração. O homem está deitado, fios sobre o corpo como uma teia de aranha eventualmente desmontável. O homem pensa
e se fosse dar uma volta
e o homem vai dar uma volta. Abre a porta e três corredores, cinzentos e azulados como as quatro paredes de há pouco, deparam-se-lhe à esquerda, à direita e ao centro. O homem pensa
e se fosse pelo do meio
e o homem vai pelo do meio. Ao fundo vislumbra uma janela na qual a noite da cidade é uma mera sucessão da luz do dia,
agora há luzes à noite, só isso mudou,
estranha o homem. Abaixo do parapeito, uma mesinha e uma planta vagamente cuidada: o misericordioso verde vagamente regado, o misericordioso verde como último reduto orgânico. O homem repara nos quartos que se abrem nas laterais,
quem é aquela velha ali gemendo, quem é aquele jarreta de óculos vendo televisão com o som tão alto.
O homem vira-se e à sua direita um novo quarto,
quem é aquele preto, é novo este preto aqui, nunca o vi por cá, estranho.
O homem volta para trás e no entroncamento atrás descrito, opta agora pela sua direita. Torna novamente à direita e abre-se-lhe a sala comum,
só eu e as janelas,
diz o homem, ou pensa o homem, só para confirmar que é só ele e as janelas. O homem está parado, suspenso, os braços pendentes as costas voltadas para o corredor, de frente para a janela. Não lhe vemos o rosto mas podemos concordar em como o imaginamos: um rosto de pijama e travesseiros, um rosto por dormir, um rosto farto de dormir farto de estar deitado ou sentado, um rosto desgarrado.
Então, já a levanta?
Han o quê, estarei louco quem falou ou sou eu que já oiço coisas
Então, se já conseguiu levantar entretanto?
O homem vira-se estremunhado, e o preto, atrás de si o preto.
Han, sim,
estremece o homem, sorri agora o homem por cordialidade,
quem é que já se levantou?,
não percebendo o quem e o quê a que ele próprio se refere enquanto pergunta.
Não, se tu já levantas a pila, senhor!
Ah, han o quê,
Ris-te, que nervoso estás tu, ris-te mais e mais,
ahh sim,
ris-te ainda,
ahh sim,
os olhos semicerrados acompanhando a comoção profunda.
O preto ri-se e diz ainda bem, eu vou amanhã.
O preto é o Simão, foi assim que o conheci, estou-te a contar isto porque isto me tocou, gosto de pensar nestas coisas percebes?
Sorrio, sim.
É que, pá, o preto desarmou-me, disse-me que me perguntou se eu já a levantava porque quando eu tinha olhado para o seu quarto ele achou que eu tinha uma cara boa. Uma cara boa disse o preto, e perguntou-me se eu já a levantava. Nunca aqui ninguém fala com ninguém a não ser quando eu, nunca aqui ninguém me tinha dito isto, dois homens estás a perceber, dois homens eu e ele, e ele homem de uma terra longínqua, quase do outro lado do mundo, homem do sol da sede pergunta-me se ela já levanta. Gosto de pensar nestas coisas sabes, tocam-me muito.
Sorrio, sim.
Pronto foi assim, hoje sinto-me mesmo bem disposto, o Simão vai amanhã, espero ainda poder despedir-me dele. E tu como foi o teu dia, eu quero é saber como foi o teu dia.
Sorrio, toco-me, aperto-me nas coxas e nas costelas com os dedos que estão dentro dos bolsos do casaco e começo a falar.
e se fosse dar uma volta
e o homem vai dar uma volta. Abre a porta e três corredores, cinzentos e azulados como as quatro paredes de há pouco, deparam-se-lhe à esquerda, à direita e ao centro. O homem pensa
e se fosse pelo do meio
e o homem vai pelo do meio. Ao fundo vislumbra uma janela na qual a noite da cidade é uma mera sucessão da luz do dia,
agora há luzes à noite, só isso mudou,
estranha o homem. Abaixo do parapeito, uma mesinha e uma planta vagamente cuidada: o misericordioso verde vagamente regado, o misericordioso verde como último reduto orgânico. O homem repara nos quartos que se abrem nas laterais,
quem é aquela velha ali gemendo, quem é aquele jarreta de óculos vendo televisão com o som tão alto.
O homem vira-se e à sua direita um novo quarto,
quem é aquele preto, é novo este preto aqui, nunca o vi por cá, estranho.
O homem volta para trás e no entroncamento atrás descrito, opta agora pela sua direita. Torna novamente à direita e abre-se-lhe a sala comum,
só eu e as janelas,
diz o homem, ou pensa o homem, só para confirmar que é só ele e as janelas. O homem está parado, suspenso, os braços pendentes as costas voltadas para o corredor, de frente para a janela. Não lhe vemos o rosto mas podemos concordar em como o imaginamos: um rosto de pijama e travesseiros, um rosto por dormir, um rosto farto de dormir farto de estar deitado ou sentado, um rosto desgarrado.
Então, já a levanta?
Han o quê, estarei louco quem falou ou sou eu que já oiço coisas
Então, se já conseguiu levantar entretanto?
O homem vira-se estremunhado, e o preto, atrás de si o preto.
Han, sim,
estremece o homem, sorri agora o homem por cordialidade,
quem é que já se levantou?,
não percebendo o quem e o quê a que ele próprio se refere enquanto pergunta.
Não, se tu já levantas a pila, senhor!
Ah, han o quê,
Ris-te, que nervoso estás tu, ris-te mais e mais,
ahh sim,
ris-te ainda,
ahh sim,
os olhos semicerrados acompanhando a comoção profunda.
O preto ri-se e diz ainda bem, eu vou amanhã.
O preto é o Simão, foi assim que o conheci, estou-te a contar isto porque isto me tocou, gosto de pensar nestas coisas percebes?
Sorrio, sim.
É que, pá, o preto desarmou-me, disse-me que me perguntou se eu já a levantava porque quando eu tinha olhado para o seu quarto ele achou que eu tinha uma cara boa. Uma cara boa disse o preto, e perguntou-me se eu já a levantava. Nunca aqui ninguém fala com ninguém a não ser quando eu, nunca aqui ninguém me tinha dito isto, dois homens estás a perceber, dois homens eu e ele, e ele homem de uma terra longínqua, quase do outro lado do mundo, homem do sol da sede pergunta-me se ela já levanta. Gosto de pensar nestas coisas sabes, tocam-me muito.
Sorrio, sim.
Pronto foi assim, hoje sinto-me mesmo bem disposto, o Simão vai amanhã, espero ainda poder despedir-me dele. E tu como foi o teu dia, eu quero é saber como foi o teu dia.
Sorrio, toco-me, aperto-me nas coxas e nas costelas com os dedos que estão dentro dos bolsos do casaco e começo a falar.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
namorados (dia dos)
"So if you like pyjamas and I like pyjahmas, I'll wear pyjamas and give up pyajahmas"
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
gozam-nos quando dizemos que este é o livro da minha vida, é o meu livro preferido. gozam-nos porque temos 15, 20, 30, 80 anos de vida e uns tantos outros de leitura em que o porvir sempre fará a sua tarefa: mudar, baralhar, apagar, contradizer. certo. então eu corrijo e digo que "Conversa na Catedral", de Mario Vargas Llosa, é o livro dos meus 21 anos de vida neste sítio.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Que fazes tu aí, moreno. Diz-me que fazes tu aí se sabes tão bem ou melhor do que eu que esta noite já mais nada reserva para ti. Conservas ainda o olhar tolo e faminto, é isso que me dizes quando me olhas dessa ponta do bar? Ahhh moreno, não sei, duvido. Tens fome moreno, mas não é esta noite que ta vai satisfazer, sabe-lo bem. Não moreno: esta noite só trará outros tempos à tua cabeça, outros lugares onde a fome apertava mas era outra, e essa moreno, essa fome da tua terra, essa é satisfeita quer pelo dia quer pela noite; mas apenas pelo dia e pela noite da tua terra pardacenta.
Aqui, nesta terra que pisas nesta noite neste bar onde meneias a cabeça sorrindo sem pudor às mulheres que passam, só vais encontrar isto: pessoas que da outra ponta do bar onde te sentas te escrevem.
Mas eu fiz fortuna, amigo. Pois fizeste, moreno, mas isso não chega. Nesta terra de afortunados, quem é moreno fode-se, moreno, e por isso os tostões que te encasacam brilharão sempre mais do que o bonito cachecol que trazes ao pescoço. A inveja rói-os moreno, nada podes contra isso. Tu e o teu amigo têm pela frente uma noite de ânsia, prontos para salivar de cada vez que eh pá!, oh menina, bonita que é você, não lhe poder oferecer uma bebida? Não podes moreno, mas tenho pena, lamento-o.
Mas se voltar à minha terra, amigo, lá serei rei: então volta moreno, está na altura de abandonares estas noites longas em que te sentas ao balcão de copo na mão, procurando no ar a carne para a tua fome. A fortuna aqui não te traz nada: é suja e corre pelos ralos das ruas que eles pisam.
Eu agora vou-me embora moreno, é tarde. Ficas por aqui? Dir-te-ia que não, que não ficasses, que amanhã apanhasses o primeiro caminho para a tua terra. Mas olha moreno, se tiveres sorte e oportunidade para matar a fome então dir-te-ia que sim: trá-la, podem dormir em minha casa, saio cedo de manhã, tens água fresca na caneca branca e cigarros, são dos mais baratos, contrabando penso, mas também já os fumaste durante muitos anos da tua vida por isso não te deves importar. Sim moreno, agora também eu ando a fumar disso, sim pois, toca a todos.
Aqui, nesta terra que pisas nesta noite neste bar onde meneias a cabeça sorrindo sem pudor às mulheres que passam, só vais encontrar isto: pessoas que da outra ponta do bar onde te sentas te escrevem.
Mas eu fiz fortuna, amigo. Pois fizeste, moreno, mas isso não chega. Nesta terra de afortunados, quem é moreno fode-se, moreno, e por isso os tostões que te encasacam brilharão sempre mais do que o bonito cachecol que trazes ao pescoço. A inveja rói-os moreno, nada podes contra isso. Tu e o teu amigo têm pela frente uma noite de ânsia, prontos para salivar de cada vez que eh pá!, oh menina, bonita que é você, não lhe poder oferecer uma bebida? Não podes moreno, mas tenho pena, lamento-o.
Mas se voltar à minha terra, amigo, lá serei rei: então volta moreno, está na altura de abandonares estas noites longas em que te sentas ao balcão de copo na mão, procurando no ar a carne para a tua fome. A fortuna aqui não te traz nada: é suja e corre pelos ralos das ruas que eles pisam.
Eu agora vou-me embora moreno, é tarde. Ficas por aqui? Dir-te-ia que não, que não ficasses, que amanhã apanhasses o primeiro caminho para a tua terra. Mas olha moreno, se tiveres sorte e oportunidade para matar a fome então dir-te-ia que sim: trá-la, podem dormir em minha casa, saio cedo de manhã, tens água fresca na caneca branca e cigarros, são dos mais baratos, contrabando penso, mas também já os fumaste durante muitos anos da tua vida por isso não te deves importar. Sim moreno, agora também eu ando a fumar disso, sim pois, toca a todos.
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