quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

o olhar e o ouvir


Les Vacances de Monsieur Hulot (1953), Jacques Tati.

"Mas em Tati ouvir é tão importante quanto olhar, a tal ponto a banda sonora se oferece repleta de imaginação, da cacofonia das palavras aos ruídos de densidade inesperada, como numa sinfonia de sons que confere uma nova dimensão à imagem. Cineasta exigente (...), Jacques Tati soube elaborar a matéria visual e a matéria auditiva de cada um dos seus filmes como duas faces da mesma realidade estética, o que transforma a sua obra num espantoso encadeado de inventiva com elevado potencial expressivo e fascinador. E é fabuloso o modo como o som funciona nos seus filmes, permitindo-nos perceber tudo apesar de, das palavras, apenas ouvirmos, frequentemente, ruídos inexpressivos, por vezes fora do quadro aparente da imagem em que surgem, de que irrompem para nos surpreender. (...)
O ruído faz parte do gag, sem que a palavra muitas vezes valha como palavra, mas apenas como mais um som, possuidor do efeito de irrealismo que detêm os outros ruídos do filme.
Talvez que este último aspecto, relacionado com o som nos filmes de Tati, nos permita compreender melhor o calor poético que deles se desprende e que aos ruídos, tanto quanto à imagem, está ligado. Estamos, nos filmes de Tati, perante uma poética da imagem e do som, quase sem palavras articuladas e/ou audíveis, antes com simples onomatopeias como nas poesias do modernismo, ou então com o bruahá ambiente em que aquelas se diluem".

Carlos Melo Ferreira, "Mon Oncle Jacques: Saber Olhar", in A Grande Ilusão, Ed. Afrontamento, n.º 8, Junho, 1989, p. 33.

sábado, 26 de janeiro de 2013

la règle du jeu



Há Festa na Aldeia (1949), Jacques Tati.

1:10-1:28: das citações cinéfilas mais bonitas que já se viram.

from heaven



"Cent from Heaven", álbum Give Me My Flowers While I Can Still Smell Them (2012). Blu & Exile.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

this is Bassey




"This is my life", álbum homónimo (1968). Shirley Bassey.

Closes, picados, contra-picados: a filmagem é tão boa que quase - só quase - nos distrai da impressionante voz da Bassey. What a woman.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

give me my flowers while I can still smell them (2)


Álbum Give Me My Flowers While I Can Still Them (2012). Blu & Exile.

Há dias, escrevi que o Joey Bada$$ era a melhor coisa que tinha acontecido ao hip-hop na última década. Menti e por isso me penitencio (é "só" a segunda ou a terceira, ex aequo com o Lamar). Esse estatuto pertence ao Blu e os primeiros indícios dessa evidência despontaram logo com o Below the Heavens (2007, acompanhado pelo mesmo Exile). Daí para cá, floresceu uma série de trabalhos que fazem dele um artista multi-facetado - música, cinema (v. isto, por exemplo), fotografia - cuja marca poética e inovação técnica não têm, nos anos 2000, paralelo com ninguém. A acreditar nas suas palavras, não contaremos com a sua companhia por muito mais tempo, uma vez que, aos 30, deixará a música e dedicar-se-á, em exclusivo, ao cinema. Claro que isto não vai acontecer - é mera frase de efeito, não é Béla Tarr quem quer -, mas nós concedemos-lhe a graça.

Tudo isto a propósito de Give Me My Flowers While I Can Still Them (2012), recentemente re-editado com nova mistura  e masterização, e sobre o qual me atrevo a dizer que a artwork (leia-se capa) se equivale à música.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Cinecittà



Reality (2012), Matteo Garrone.

"Neste sentido é um filme que partindo da erosão da paisagem cultural proporcionada pelo “grande” Sílvio Berlusconi (...) nas últimas duas décadas em Itália, procura fazer chocar o R em Reality: r pequenino ou R grande? Em times new roman ou a lantejoulas e néons? Esta é uma realidade preparada nos centros comerciais e escolhida na Cinecittà. Dicas da decadência do cinema ou da fabricação da realidade? Ou ambas?"

Preparava-me para escrever algo sobre a dica-da-decadência-do-cinema que o plano do Garrone sob o garrafal "CINECITTÀ" representava, mas eis que leio este pedacinho acima e fico a coçar a cabeça. O resto da crítica pode ser lido ali.

You won't regret it / you'll be surprised, man



"Try a Little Tenderness", álbum Complete & Unbelievable: The Otis Redding Dictionary of Soul (1966). Otis Redding.


"You won't regret it, no no
Some girls they don't forget it
Love is their only happiness, yeah
But it's all so easy
All you gotta do is try, try a little tenderness, yeah
All you gotta do is man, hold her where you want her

Squeeze her, don't tease her, never leave her
Get to her drop drop 
Just try a little tenderness, ooh yeah yeah yeah
You got to know how to love her, man, you'll be surprised, man
You've got to squeeze her, don't tease her, never leave
You've got to hold her and rub her softly"

sábado, 19 de janeiro de 2013

give me my flowers while I can still smell them



"Amnesia", EP Amnesia (2011). Blu.

2:19-3:34: rest in peace, Capital Steez.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

não acabou


Jacquot de Nantes (1991), Agnès Varda.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

e não é de amor

É um homem bondoso. Magrito, de olhos claros, a pouca barba branca que lhe resta é fina como o cabelo que, teimosamente, lhe cobre a cabeça. Uma vez, ia eu na rua, obrigou-me a interromper a música que me entretinha para dizer, de sorriso traquinas posto: "Mais devagar, vá mais devagar, tem tempo!".
É um homem céptico. Chega ao café, jornal debaixo do braço, refastela-se na sua habitual cadeira do canto e atira: "este mundo está perdido... e não é de amor!". Dois ou três de nós entreolham-se com a cumplicidade de quem resiste à denúncia numa sessão de tortura e, secretamente, dá as mãos por debaixo da mesa do inquisidor.

o mediador



Psycho (1960), Alfred Hitchcock.

Correndo o risco de ser mais um a fazer esta remissão (que, de tão curiosa, se torna quase imperativa):

(...) the architectural locale of the two murders is by no means neutral; the first takes place in a motel which epitomizes anonymous American modernity, whereas the second takes place in a Gothic house which epitomizes the American tradition. (...) This opposition (whose visual correlative is the contrast between the horizontal - the lines of the motel - and the vertical - the lines of the house) not only introduces into Psycho an unexpected historical tension between tradition and modernity; it simultaneously enables us to locatespatially the figure of Norman Bates, his notorious psychotic split, by conceiving his figure as a kind of impossible 'mediator' between tradition and modernity, condemned to circulate endlessly between the two locales. (...) It is on account of this split that Psycho is still a 'modernist' film: in post-modernism, the dialectical tension between history and present is lost (in a postmodern Psycho, the motel itself would be rebuilt as an imitation of old family houses).

Slavoj Žižek, "In His Bold Gaze My Ruin is Writ Large", in Everything You Always Wanted to Know about Lacan (But Were Afraid to Ask Hitchcock), NY/London, Verso Books, 1992, p. 231 e 232.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

um mistério que parece trivial e não é

"Que prazeres tivera, que compensações, que esperanças? São perguntas que as mulheres fazem a si próprias quando o espelho as desengana. O espelho, que é um mistério que parece trivial e não é. Diz Santo Agostinho que ele limita as pessoa e as diminui sem que a imagem real sofra alteração. Assim, é o espelho mau exemplo da realidade".

Agustina Bessa-Luís, Doidos e Amantes, Guimarães Editores, 2005, p. 48.

man with a movie camera



"Criatividade", álbum Em Nosso Nome (2012). Sir Scratch.

domingo, 6 de janeiro de 2013

when things get hard

O meu artigo sobre o concerto - épico - de Valete no Hard Club já está disponível on-line, na rdb.

"Noite política, com certeza, com Valete a tocar o álbum que o consagrou, definitivamente, como um rapper político e contraditório (todo o radicalismo vive paredes meias com a contradição, como se sabe), espécie de Immortal Technique português. A autoconsciência de que é, hoje, uma espécie de instrutor ou pedagogo para uma geração politicamente acéfala (pós-modernista, para usar um eufemismo), e a seriedade (porventura excessiva) com que a encara, ficou bem patente no número de vezes que, depois de uma música ou de um discurso, dizia “isto é sério, isto é uma cena séria”. «Anti-Herói», «Revelação», «Subúrbios», «Monogamia», «Canal 115» (com Bónus e Adamastor, em ambiente de festa) foram das faixas mais calorosamente recebidas (só faltou «Serviço Público») num HC que atingiu o seu clímax com a inevitável «Roleta Russa», oportunidade para Valete introduzir um novo e divertido refrão: “Sexo sem control(o) é roleta russaaa…”. Mas a noite não teria sido política se Valete não tocasse o hino que o lançou como artista fracturante: com grande parte da plateia aos saltos, «Fim da Ditadura» eclodiu como se de um petardo se tratasse, e, a certa altura, a voz do público quase se sobrepunha à do próprio Valete".

estações


Outono Escaldante (1972), Valerio Zurlini.

Fazendo um trocadilho com os filmes do Zurlini, poderia dizer que tive um verão escaldante e um outono violento. Mas, deixando de lado os trocadilho fáceis, poderia igualmente afirmar ter tido um verão violento e um outono escaldante. Who cares? Enfim, só mais uma prova de que a substância não depende da forma.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

the end



"End Theme", Mario Grigorov. Música da (belíssima) cena final - vista aérea do pântano, imagem saturadíssima, a derreter em suor - de The Paperboy (2012), de Lee Daniels.