Naissance des Pieuvres (2007), Céline Sciamma.
Como a modernidade líquida de Z. Bauman, a adolescência é também, enquanto processo de crescimento, um período líquido: período de incertezas, dúvidas, medos, anseios, inquietudes (e, em nova analogia com Bauman, podemos também dizer que, na vida, anteriormente à adolescência, conhecemos um período sólido, assente na infância e nos seus padrões de estabilidade). Incertezas, desde logo, acerca da orientação sexual de cada um (é a leitura mais imediatista do filme); mas incertezas, também, sobre aquilo que constitui, mais latamente, a substância das nossas vidas, e que, concretamente na adolescência, está em permanente convulsão: o bem e o mal, o amor e a amizade, a infância e o "ser adulto", a inclusão na maioria ou a procura de formas de ser e de estar alternativas com que genuinamente nos identificamos.
É de tudo isto que Naissance des Pieuvres trata, com uma subtileza, uma graça, uma serenidade, admiráveis. Fá-lo não só do ponto de vista narrativo e estético, mas, ainda, de um ponto vista que é, essencialmente, plástico (e simbólico): não é por acaso que é na piscina, espaço de água imensa, que grande parte do filme se passa. A água vai, precisamente, de encontro à ideia de liquidez, do tal período líquido; água que, durante quase todo o tempo, cobre o corpo (e o corpo é outro dos grandes temas deste filme) das personagens - por vezes sugerindo até, nas cenas fora da piscina, a ideia de transpiração, como se elas estivessem em transe, o que, no caso de Marie, não anda muito longe da verdade (cena da maçã) -, como que acentuando a sua intrínseca liquidez. Assim se obtendo uma correspondência perfeita entre a liquidez (interior) das personagens e a liquidez (exterior) do cenário.
Temos, portanto, um elemento plástico e cénico (água) como equivalente psicológico do estado interior das personagens - o que, ao contrário do que poderia sugerir à primeira vista, é diferente daquilo que Antonioni faz nos seus filmes, pois que, aí, o espaço é instrumento determinante do estado psicológico das personagens, queremos dizer, é o espaço que determina o seu ennui. Diferentemente, no filme de Céline Sciamma, a água não tem esse efeito impositivo, já que lhe pré-existe um dado, a saber, a adolescência enquanto período crítico de questionamento e auto-descoberta. Nenhum (o elemento plástico água e a condição psicológica das personagens) determina o outro; convivem, equivalem-se, respiram lado a lado. São os corpos de Marie e Anne boiando sobre a piscina, as suas costas fundidas na superfície da água como duas inseparáveis faces da mesma moeda, daquilo a que chamamos de crescer.
Apetece, por isso, inverter uma expressão que hoje está tão na moda ("x não é uma questão líquida") e dizer: crescer é uma questão... líquida. Se é.