(À l'origine, 2009, Xavier Giannoli)
i. Há dias, na SIC, a pretexto dos "Globos de Ouro", Joaquim de Almeida regozijava-se por, nas suas palavras, existir, hoje, um cinema português "diferente", i.e., e continuando a citar, diferente do tipo de cinema de Manoel de Oliveira. A frase revela uma profunda ignorância sobre o cinema português, pois, como bem se sabe, não há sequer, no espectro português, um cinema "do tipo Manoel Oliveira", pela evidente e prosaica razão de que Oliveira construiu uma obra singularíssima (para o bem e para o mal) - aquele que lhe é esteticamente mais próximo será João Botelho e, ainda aí, com distâncias. A afirmação de Joaquim de Almeida é, por isso, um statement de ignorância - vindo de um actor a quem se exige saber um pouco mais da sua área, mas já dou isso de barato - cuja resultado é, qual papel de embrulho, engolir, em horário nobre e para milhares de pessoas já de si com alguns pré-conceitos em relação ao assunto - toda uma fatia do cinema português (décadas e décadas de história, de realizadores, de actores) e resumi-lo (mal, como se viu) a um "tipo", lateralmente o insinuando de mau, chato ou coisa que o valha. O que fazer quanto a isto? Lamentar e, com um papel dignamente maior, embrulhar a nossa paciência.
ii. Passou em Cannes o La Loi du Marché (Stéphane Brizé) e estou ansioso para vê-lo. Ainda assim, passando em revista os encómios que lhe foram dispensados, não deixo de pensar, ontem como hoje, o quão injusto é um filme como À l'origine (2009, Xavier Giannoli), sensivelmente sobre os mesmos temas, ter passado completamente despercebido em Cannes e, depois, nas salas (nem chegando a estrear por cá, ao que sei). Em tempos mais precoces, escolhi-o para passar no Cineclube da FDUP e escrevi-lhe uma crítica (eu avisei que eram tempos mais precoces). É um filme belíssimo - e, o que é melhor, certamente um filme "do tipo Manoel Oliveira" para o Joaquim de Almeida.