domingo, 31 de maio de 2015

breves


(À l'origine, 2009, Xavier Giannoli)
 
i. Há dias, na SIC, a pretexto dos "Globos de Ouro", Joaquim de Almeida regozijava-se por, nas suas palavras, existir, hoje, um cinema português "diferente", i.e., e continuando a citar, diferente do tipo de cinema de Manoel de Oliveira. A frase revela uma profunda ignorância sobre o cinema português, pois, como bem se sabe, não há sequer, no espectro português, um cinema "do tipo Manoel Oliveira", pela evidente e prosaica razão de que Oliveira construiu uma obra singularíssima (para o bem e para o mal) - aquele que lhe é esteticamente mais próximo será João Botelho e, ainda aí, com distâncias. A afirmação de Joaquim de Almeida é, por isso, um statement de ignorância - vindo de um actor a quem se exige saber um pouco mais da sua área, mas já dou isso de barato  - cuja resultado é, qual papel de embrulho, engolir, em horário nobre e para milhares de pessoas já de si com alguns pré-conceitos em relação ao assunto - toda uma fatia do cinema português (décadas e décadas de história, de realizadores, de actores) e resumi-lo (mal, como se viu) a um "tipo", lateralmente o insinuando de mau, chato ou coisa que o valha. O que fazer quanto a isto? Lamentar e, com um papel dignamente maior, embrulhar a nossa paciência.

ii. Passou em Cannes o La Loi du Marché (Stéphane Brizé) e estou ansioso para vê-lo. Ainda assim, passando em revista os encómios que lhe foram dispensados, não deixo de pensar, ontem como hoje, o quão injusto é um filme como À l'origine (2009, Xavier Giannoli), sensivelmente sobre os mesmos temas, ter passado completamente despercebido em Cannes e, depois, nas salas (nem chegando a estrear por cá, ao que sei). Em tempos mais precoces, escolhi-o para passar no Cineclube da FDUP e escrevi-lhe uma crítica (eu avisei que eram tempos mais precoces). É um filme belíssimo - e, o que é melhor, certamente um filme "do tipo Manoel Oliveira" para o Joaquim de Almeida.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Odete



Aquele que é, para mim, um dos melhores filmes do cinema português passa hoje no Passos Manuel, pelas 22h. A minha crítica a Odete (2005), de João Pedro Rodrigues, disponível no À Pala de Walsh (clicar).

quarta-feira, 27 de maio de 2015

ReB #2 O holograma de Tupac Shakur

 
 
Foi republicado, com alguns acrescentos, o meu texto sobre a "aparição" tecnológica de Tupac no festival Coachella, em 2012, oportunidade para reflectir sobre esse "pecado original" no hip-hop que é o gangster rap. Para ler no Rimas e Batidas (clicar).
 
Tupac foi alguém cujo desequilíbrio interior rimou com contradição, alguém capaz de escrever uma letra feminista como “Dear Mama” (Me Against the World, 1995) e, logo a seguir, assinar uma coisa – arrepiante só pelo título – como “Wonda Why They Call U Bitch” (All Eyez on Me, 1996). Depois, e mais importante, Tupac foi um daqueles artistas cuja carreira se não distingue, para o bem e – sobretudo no seu caso – para o mal, da sua vida pessoal, no sentido em que os seus discos mais não são do que o relato diarístico das angústias e obsessões que viveu ao longo de uma vida tumultuosa, com muitos picos e quedas… a pique. O que comporta especial interesse no gangster rap de Tupac é o facto de este se assumir como uma reflexão existencial, violenta e suicidária, de um homem cuja formação artística, política e intelectual não foi suficiente para o tirar das ruas e das más companhias (e que o levaram, inclusivamente, à prisão).
 
(Excerto)

domingo, 24 de maio de 2015

domingo x3


Droppin' Science Fiction (2008), The Mighty Underdogs



The Next Logical Progression (2012), Gift of Gab (cara metade dos Blackalicious)

Ceremony (2013), Raashan Ahmad


Permitam-me, neste domingo, fazer algum serviço público no desempoeirar de alguns dos melhores discos de hip-hop americano do século XXI e entretanto votados ao perfeito esquecimento. São todos amigos uns dos outros (como as colaborações o provam) e, quando assim é, já se sabe que tudo soa ainda melhor.

less is more


(Beijos Roubados, 1968, François Truffaut)

sábado, 23 de maio de 2015

win some, lose some




"Win Some, Lose Some", álbum Dark Sky Paradise (2015). Big Sean.


('Non', ou A Vã Glória de Mandar, 1990, Manoel de Oliveira) 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Walsh #29 Das imagens cruzadas/'R Xmas (Sopa de Planos)



Nova Sopa de Planos no À pala de Walsh, para ler no local X (clicar). O meu contributo (em que volto a apoiar-me em Abel Ferrara) abaixo:


No cinema, enquadrar é saber organizar, reunir uma série de elementos no plano; o enquadramento acima reúne, então, cada um dos itens da “lista de compras” do american dream (já que é de dinheiro e, portanto, de compras de que ele vive): a família feliz, com a filha ternamente a "levar  o pequeno almoço à cama” da mãe (ambas de sorriso rasgado), inversão de “papéis” própria de uma família que respira tranquilidade – check; o bem-estar material em que (também) se sustenta essa harmonia familiar, com o pequeno-almoço saboroso e variado servido num quarto que se advinha espaçoso e confortável – check; e, last but no least, a cruz ao centro (e Cristo no “centro do centro”, ele que já apareceu em “carne e osso” na filmografia de Ferrara), caução moral e ideológica da família e do seu lugar na mitologia da América – check também. Tudo ficaria convencionalmente por aqui não estivéssemos a falar de Ferrara, o inconvencional por excelência. Myse en abime, então: a ficção representada no plano (enquanto plano de um filme de ficção) abre porta para outra ficção, pois, na verdade, o que vemos não é o que vemos, na medida em que a esta família, ao contrário de tantas outras idealizadas no cinema de Hollywood, escapa, precisamente, o convencionalismo, a normalidade (não obstante também se passear no Central Park em vésperas de Natal ou visitar  a árvore gigante do Rockefeller Center, rituais de todas as famílias americanas ditas “normais”). É que, por detrás das aparências (dos itens da checklist), esta é uma família de imigrantes porto-riquenhos movida a cocaína por dois pais dealers. Num Natal sem neve, a neve, aqui, é outra. Já ouvimos em fundo: “I’m dreaming of a white Christmas”…

terça-feira, 19 de maio de 2015



(Proverka na dorogakh, 1971, Aleksei German)
 

 

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Rimas e Batidas #1 Crítica - "The Free Food Tape"

 
 
Há dias, manifestava a minha estupefacção - no melhor sentido possível - com The Free Food Tape (2015), EP lançado pelo rookie Slow J, músico de Setúbal. Dando seguimento a esse frémito, escrevi uma crítica a esse trabalho, a qual constitui, por sua vez, a minha estreia enquanto colaborador do site Rimas e Batidas, criado e dirigido pelo Rui Miguel Abreu, radialista e divulgador de música que dispensa apresentações, site o qual se dedica, sobretudo, ao hip-hop e à música electrónica.
 
Estando um pouco desligado da crítica de música nos últimos tempos, volto, desta forma, a explorar um território que me entusiasma e em excelente companhia. Escreverei, habitualmente, sobre hip-hop e, preferencialmente, sobre hip-hop português.
 
A minha primeira crítica disponível para leitura ali ao lado (clicar).
 
O efeito “bomba” que este EP causa no panorama português justifica-se por J ser, a um só tempo, um excelente letrista e cantor (e há muito potencial ainda para trabalhar) e um estupendo produtor, qualidades nem sempre fáceis de reunir, no espectro do hip-hop, num só artista. Há muitos mundos dentro do mundo de J: poético, etéreo, por vezes indecifrável, não deixa de ser, igualmente, um tecnicista da palavra e da métrica (oiça-se “Tinta da Raiz”, rap até ao osso), atributos a que se junta um flow multifacetado, capaz do rap mais linear e do mais esdrúxulo, violando as regras da fonética (i.e., alterando voluntariamente as sílabas tónicas por forma a produzir a rima) e recorrendo ao canto – “Canta!”, diz J a ele mesmo, em “Portus Calle” – sempre que o ambiente o reclama, neste capítulo se assumindo, juntamente com NBC, como um dos melhores rappers-cantores nacionais, ao jeito de um Aloe Blacc ou de um José James nos tempos de The Dreamer (2008).
 
(Excerto)

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Conversas à Pala: O cinema de Roberto Rossellini

O vídeo da Conversa à Pala do passado dia 9 de Abril, em que reunimos Carlos Melo Ferreira e Paulo Cunha em torno da obra de Rossellini, já está disponível no nosso site e no YouTube. Para ver e ouvir mesmo aqui ao lado (clicar).

terça-feira, 12 de maio de 2015

Walsh #28 Crítica - "Ballada o soldate"


No seguimento do meu maravilhamento no post de ontem, a minha crítica ao lindíssimo Ballada o soldate (A Balada do Soldado, 1959), de Grigoriy Chukhray, para ler no À pala de Walsh (clicar). O filme passa hoje, pelas 21h45, no Cineclube de Guimarães, oportunidade para redescobrir um dos muitos monumentos cinematográficos que o mal conhecido cinema soviético mantém ocultos.

Em Boyhood (...), Patricia Arquette acabava o filme a dizer ao filho, quando este se prepara para sair de casa e ir estudar para fora, “I just thought there would be more”, tocante súmula de como a vida passa a correr e nem sempre toma os caminhos que imaginámos, para nós e para os que amamos. Em Ballada o soldate, esse lamento ecoa com maior ressonância trágica ainda, porque Alyosha, embora, como Mason, tenha partido, ao contrário deste, não regressará - e, por isso, para a sua mãe, já viúva de um marido perdido também na guerra, não haverá mesmo "mais nada" (more). Aqui, nem sequer se pode dizer que a vida tenha passado a correr; foi, simplesmente, interrompida, como a ponte que, de um momento para o outro, bombardeada por aviões, é abruptamente despedaçada ao meio. Como a rapariga que, morta nesse rebentamento, é filmada num espantoso plano de “pernas para o ar” (como o mundo em que vive…).

(Excerto)

domingo, 10 de maio de 2015

a insustentável inadequação das palavras






(A Balada do Soldado, 1959, Grigoriy Chukhray)

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Eden



Com EdenHansen-Løve voltou a comover-me como poucos cineastas da sua geração o conseguem. Aliás, tenho para mim que ela será mesmo a cineasta francesa mais importante dessa geração. Sem recorrer a grandes virtuosismos técnicos, Hansen-Løve faz da narrativa e do modo como esta transpira a passagem do tempo o seu grande trunfo, e fá-lo com uma sensibilidade, uma delicadeza notáveis. Pessoalmente, Eden tocou-me, ainda, pelo que de pessoal nele projectei. Não sendo da geração que viveu a explosão do house na década de 90, sou da que ainda o saboreou, com prazer e entusiasmo, nos primeiros anos do novo milénio. Por essa razão, também comprei discos, fui propositadamente a festas e, cheguei, inclusivamente, a ter um informal "colectivo" de DJ com mais dois amigos. Também a certa altura, o house passou a ser uma cena careta e nós, ao contrário do Paul, fomos nas modas e, de etapa em etapa, passamos para o electro (posterior e diferente do electroclash, mas ao qual foi beber), a seguir o minimal (espécie de ascese sonora), depois, ainda, outras minudências conceptuais que adorávamos (por vezes, até mais pelas próprias designações, de peculiares), como o "tech house". Era o tempo - se calhar, ainda é, não sei - do Beatport, de produtores novos em catadupa (e da grande Kompakt) e dos downloads de EP em igual medida. Era o tempo, também, aqui no Porto, da "zona industrial", do Indústria e de mais uns bares-barcos na Ribeira onde se podia ouvir música electrónica. Em 2005, o Anti Pop Music Festival (o nome não fazia sentido nenhum, talvez por isso o tenham alterado no entretanto, embora a nova designação não faça muito mais) fazia de Viana do Castelo a passerelle dos melhores nomes mundiais da electrónica (Vitalic, Kowalski, Michael Mayer, etc.). e eu não pisquei os olhos na hora de ir. Um dos meus amigos pôs mesmo isto tudo em prática e ainda cheguei a ouvir muitos dos sets dele. Depois, foi estudar para Inglaterra, e, volta e meia, ainda apanho no radar notícias de que passa música nesta festa ou naquela. Uns tempos depois, explodia o drum 'n' bass, coisa já com outra ambiência e outro público. O Hard Club (ainda em Gaia), o Swing, o Porto Rio, até a Casa das Artes (!) eram os locais de eleição. 

Vi Eden e (re)vi(vi) uma parte da minha adolescência: a sonoridade tão festivamente característica daquelas festas, a sensação de viver grande parte do tempo "de noite", os DJ cocados (na coca e na fama rápida) sem perceberem no que se estavam a meter (alguns que ainda vou vendo), as namoradas de ocasião e interesseiras sempre à espera das "senhas" (para as bebidas e para outras coisas), etc.. Mas o melhor, em Eden, é que não é preciso ter passado por uma experiência minimamente semelhante para o apreciarmos. Porque Hansen-Løve é uma singular contadora de histórias, que não subestima nem força nada. Também não é um cinema cru. Não sei bem o que é, mas é muito bonito.

terça-feira, 5 de maio de 2015

bebedeira



Talvez nenhum filme inteiro de Rossellini descreva a sua desilusão com a Itália do pós-guerra como esta terceira alegórica vinheta de Paisan. A Itália pós-fascista está bêbeda, mas não é bêbeda de alegria, esfuziante; a Itália está bêbeda, sim, mas com uma pesada bebedeira de fim de noite, daquela que faz um país arrastar-se, trôpego, sonolento, sem rumo, aos caídos. Pedrada, cansada, esmorecida, a Itália já nem se recorda bem do que aconteceu no dia da Libertação, já não o consegue identificar. A Itália não reage; por isso, adormece. Escuro.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

casa de férias, música para o ano todo



(The Good Fight, 2015, Oddissee)

sábado, 2 de maio de 2015

dots & lines




"Dots & Lines", álbum Tetsuo & Youth (2015). Lupe Fiasco.

O Passado e o Presente (1972), Manoel Oliveira


Momento de dúvida: descer agarrada ao lençol ou, atirando-se, juntar-se ao(s) seu(s) amado(s)? Presente ou passado? Vida ou morte?