quarta-feira, 30 de setembro de 2015

ReB #5 Crítica: “Trabalho & Conhaque” ou “A Vida Não Presta & Ninguém Merece a Tua Confiança” (2015)



NERVE é um dos artistas mais talentosos, autoristas, idiossincráticos e marginais no hip-hop português. Alguém cujo trabalho sigo desde 2006 (EP Promoção Barata) e que tem vindo a construir uma obra muito própria, poética, megalomaníaca e chavasqueira em doses iguais.

Tinha, por isso, de escrever sobre o seu novíssimo álbum (cujo conceito inicial remonta há 10 anos atrás), cuja maior virtude é o seu maior defeito: a manutenção da mesmíssima linha dos trabalhos anteriores, com a (grande) excepção da sonoridade global do álbum. Para ler e, sobretudo, ouvir no Rimas e Batidas (clicar).

"(...) estes anos volvidos, o seu imenso talento mantém-se intocado, sendo isso que lhe permite adornar o seu trabalho com doses cavalares de egocentrismo, megalomania (em “Lenda”, mas até na própria comunicação com os fãs) sem que isso nos cause incómodo. Isso e o facto de sabermos que, por detrás dessa máscara (do “Andy Kaufman” a que NERVE alude em “Subtítulo”), há um tipo esquivo (“esquizóide”, nas suas palavras), introspectivo, complexado (a meias com a tal megalomania, como é audível em “Conhaque”), noctívago (conferir sample inicial de “Monstro Social”), mais ou menos misantropo – afinal, um tipo como muitos de nós, mas, no caso, dotado de um particular talento para escrever canções e que faz do seu muito desalinhado hip hop o meio de expelir a sua visão cáustica, sarcástica e auto-depreciativa de si, do mundo e da própria arte (“Se eu fizesse o pino / a arte ressuscitava / E um urinol voltava a ser um urinol” – Duchamp e dadaísmo, em “Monstro Social”, dizem alguma coisa ao leitor?)".

(Excerto)


Artes Entre As Letras #3

O segundo número de Setembro do jornal Artes Entre As Letras já está nas bancas. Na página 19, a crítica de cinema, onde escrevo sobre O Inquieto (Miguel Gomes) e Homem Irracional (Woody Allen).


Walsh #33 Ponha os olhos nesta sopa de planos/Strangers on a Train (Sopa de Planos)



Saborosíssima, esta nova Sopa de Planos. Sobre óculos. Para ler no local do costume (clicar).

São marcas como estas que fazem os filmes de género constituírem-se nisso mesmo – em géneros. No caso, referimo-nos à circunstância de determinados objetos, aparentemente insignificante ou inofensivos, poderem ser essenciais, reveladores, determinantes para o desenrolar da narrativa nos thrillers, nos filmes de suspense, enfim, nos filmes de terror, nessa (aparente) insignificância acabando por reverberar, afinal, o registo MacGuffin hitchockiano que já tivemos, aliás, oportunidade de abordar numa outra Sopa de Planos. Em Strangers on a Train (Desconhecido do Norte-Expresso, 1951), o objecto principal que ilustra esse “tique de género” é o isqueiro que permitirá a resolução da trama. Mas há outros – e os óculos deste plano são, justamente, um desses exemplos, na medida em que funcionam como elemento confirmador daquilo que as aparências indiciavam, ou seja, o perfil psicopata de Bruno. Depois da voltinha de barco pelo “Tunnel of love” (com outro espantoso plano das figuras literalmente cavernais do casalinho e de Bruno e o seu chapéu no seu encalço) e do primeiro grito-comic relief da rapariga, Bruno, já em terra (desta feita na… “Magic Isle”), encontra-a e puxa do tal isqueiro, não para lhe acender um cigarro, mas apenas para identificar o alvo. “Is your name Miriam?” – “Oh yes…”, estas as últimas sorridentes palavras de Miriam (a primeira parcela da equação do perfect murder acertado no comboio), cujo lento estrangulamento nos é dado a ver pelos seus óculos “fundo de garrafa”, espécie de “janela indiscreta” avant la lettre (óculos que Bruno fará questão de “devolver” a Guy). E a culpa por esse voyeurismo é atirada para cima de nós, perdão, Miriam é “atirada” para cima de nós. Toda esta deliciosa sequência é conferível aqui.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

boyhood

No ano passado, quando saí do Boyhood, enviei, muito emocionado, com uma mão no volante e um cigarro piegas na boca, uma mensagem ao meu irmão. Na noite passada, fomos ouvir o Sam the Kid aos Poveiros, ele num frémito, sempre de braço no ar, a tentar captar tudo o que se passa à sua volta. Abraça-se a mim nas músicas que, de tanto ouvir no quarto ao lado, passou a amar. No dia seguinte, que é o dia em que me preparo para sair de casa dos meus pais, bato à porta do quarto. Acabou de acordar. Está escuro e vejo o ecrã do computador aceso. Pergunto-lhe o que está a ver e ele diz-me que é o filme do Linklater. Vem-me aquela frase do filme à memória:
 
"You know how everyone's always saying «seize the moment»? I don't know, I'm kinda thinking it's the other way around. You know, like the moment seizes us".