Ludwig Feuerbach, em "A Essência do Cristianismo" (1841), deu a explicação e o golpe fatal. Ressuscitando um tema bastante trabalhado, Fuerbach defendia que a razão pela qual os seres humanos se parecem com Deus não é por Deus nos ter criado à sua imagem mas por nós o termos criado à nossa. Embora este argumento fosse conhecido dos gregos antigos, Montesquieu, filósofo do Iluminismo francês e teórico do Direito, desenvolveu-o com graça nas suas satíricas "Cartas Persas" (1721), que são uma descrição fantasiosa de conversas entre viajantes persas e os seus anfitriões franceses. Num passo memorável, um francês conta a história de uma viagem através de África em que ficou chocado por ver que a arte e a escultura africanas representavam Deus como sendo uma mulher, gorda e - valham-nos os céus - preta. (...) O seu amigo faz notar: "diz-se, e bem, que se os triângulos tivessem um Deus, este teria três lados". Esta é, no essencial, a posição de Feuerbach.
Na perspectiva de Feuerbach, nós, seres humanos, pegámos nas capacidades que pertencem aos seres humanos, elevámo-las em pensamento a um nível infinito e depois inventámos um ser exterior a nós que encarna todas estas perfeições. Este Deus, então, é omnisciente, omnipotente e inteiramente bom (diversamente dos seres humanos, que sabem um bocadinho, são um bocadinho poderosos e um bocadinho bons). Mas curvamo-nos perante este produto da nossa imaginação em vez de reconhecermos as nossas qualidades pelo que são e tentarmos gozá-las em nosso proveito. Isto, na perspectiva de Feuerbach, ao desviar a nossa atenção e capacidades criativas, impede-nos de viver uma vida verdadeiramente humana e de criar uma sociedade verdadeiramente humana. Assim, segundo Feuerbach, que vai mais longe do que os pensadores anteriores, devíamos abandonar a religião e substituí-la por um humanismo radical: um entendimento, gozo e celebração das nossas capacidades verdadeiramente humanas, que nos permitirão criar pela primeira vez uma genuína comunidade na terra.
in Porquê ler Marx hoje?, Jonathan Wolff
Da minha janela vejo o Bósforo todos os dias: divisões e correntes, agitações e marés. Tal como no homem, tal como no mundo.
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segunda-feira, 23 de junho de 2008
quinta-feira, 22 de maio de 2008
comecar bem, acabar mal
Considerando que só no homem encontramos sinais, ou frutos da religião, não há motivo para duvidar de que a semente da religião se encontra também apenas no homem.
(...)
Em primeiro lugar, é peculiar à natureza do homem investigar as causas dos eventos a que assiste(...).
Em segundo lugar, é-lhe também peculiar, perante toda e qualquer coisa que tenha tido um começo, pensar que ela teve também uma causa (...).
E quando se vê na impossibilidade de descobrir as verdadeiras causas das coisas (dado que as causas da boa e má sorte são na sua maior parte invisíveis) supões causas para elas, quer as que lhe são sugeridas pela sua própria imaginação, quer as que aceita da autoridade de outros homens, os quais considera seus amigos e mais sábios do que ele próprio.
Os dois primeiros motivos dão origem à inquietude.
(...)
Este medo perpétuo que acompanha os homens ignorantes das causas, como se estivessem no escuro, deve necessariamente ter um objecto. Quando portanto não há nada que possa ser visto, nada acusam, quer da boa quer da má sorte, a não ser algum poder ou agente invisível. Foi talvez neste sentido que alguns dos antigos poetas disseram que os deuses foram criados pelo medo dos homens. (...) Isto é, uma primeira e eterna causa de todas as coisas, que é o que os homens significam com o nome de Deus. (...), que assim dão ensejo à invenção de tantos deuses quantos forem os homens que os inventem.
Mas a opinião de que tais espíritos são incorpóreos e imateriais jamais poderia entrar, por natureza, na mente de nenhum homem, porque embora os homens seham capazes de reunir palavras de significação contraditória, como espírito e incorpóreo, jamais serão capazes de ter a imaginação de alguma coisa que lhes corresponda. Portanto, os homens que, por sua própria meditação, acabam por reconhecer um Deus infinito, omnipotente e eterno, preferem antes confessar que Ele é incompreensível e se encontra acima do seu entendimento, em vez de definir a sua natureza pelas palavras espírito incorpóreo, para depois confessar que a sua definição é inintelegível. Ou, se Lhe atribuem esse título, não é dogmaticamente, com a intenção de fazer entender a sua natureza divina, mas piedosamente, para honrá-lo com atributos ou significações o mais distantes que seja possível da solidez dos corpos visíveis.
(...)
Salvo que, fazendo a partir do tempo passado conjecturas sobre o tempo futuro, estão extremamente sujeitos, não apenas a tomar coisas acidentais, depois de uma ou duas ocorrências, por prognósticos de que o mesmo sempre ocorrerá no futuro, mas também a acreditar em idênticos prognósticos feitos por outros homens dos quais conceberam uma opinião favorável.
(...)
E é nestas quatro coisas, a crença nos fantasmas, a ignorâncias das causas segundas, a devoção pelo que se teme e a aceitação de coisas acidentais como prognósticos, que consiste a semente natural da religião. Essa, devido às diferenças da imaginação, julgamento e paixões de diversos homens, desenvolveu-se em cerimónias tão diferentes que as praticadas por um homem são na sua maior parte consideradas ridículas por outro.
in Leviathan, Thomas Hobbes
Todavia, depois de toda esta construção, Hobbes, previsivelmente e pelo que conhecemos do resto da sua obra, mas também paradoxalmente, acaba por dizer que as "(...) sementes foram cultivadas por duas espécies de homens. Uma espécie foi a daqueles que as alimentaram e ordenaram segundo a sua própria invenção. A outra foi a dos que fizeram sob o mando e direcção de Deus". Claro, assim tinha que ser, ou não estivesse Hobbes a sustentar e justificar política e idealisticamente o absolutismo monárquico de raíz cristã na Inglaterra do século XVII.
(...)
Em primeiro lugar, é peculiar à natureza do homem investigar as causas dos eventos a que assiste(...).
Em segundo lugar, é-lhe também peculiar, perante toda e qualquer coisa que tenha tido um começo, pensar que ela teve também uma causa (...).
E quando se vê na impossibilidade de descobrir as verdadeiras causas das coisas (dado que as causas da boa e má sorte são na sua maior parte invisíveis) supões causas para elas, quer as que lhe são sugeridas pela sua própria imaginação, quer as que aceita da autoridade de outros homens, os quais considera seus amigos e mais sábios do que ele próprio.
Os dois primeiros motivos dão origem à inquietude.
(...)
Este medo perpétuo que acompanha os homens ignorantes das causas, como se estivessem no escuro, deve necessariamente ter um objecto. Quando portanto não há nada que possa ser visto, nada acusam, quer da boa quer da má sorte, a não ser algum poder ou agente invisível. Foi talvez neste sentido que alguns dos antigos poetas disseram que os deuses foram criados pelo medo dos homens. (...) Isto é, uma primeira e eterna causa de todas as coisas, que é o que os homens significam com o nome de Deus. (...), que assim dão ensejo à invenção de tantos deuses quantos forem os homens que os inventem.
Mas a opinião de que tais espíritos são incorpóreos e imateriais jamais poderia entrar, por natureza, na mente de nenhum homem, porque embora os homens seham capazes de reunir palavras de significação contraditória, como espírito e incorpóreo, jamais serão capazes de ter a imaginação de alguma coisa que lhes corresponda. Portanto, os homens que, por sua própria meditação, acabam por reconhecer um Deus infinito, omnipotente e eterno, preferem antes confessar que Ele é incompreensível e se encontra acima do seu entendimento, em vez de definir a sua natureza pelas palavras espírito incorpóreo, para depois confessar que a sua definição é inintelegível. Ou, se Lhe atribuem esse título, não é dogmaticamente, com a intenção de fazer entender a sua natureza divina, mas piedosamente, para honrá-lo com atributos ou significações o mais distantes que seja possível da solidez dos corpos visíveis.
(...)
Salvo que, fazendo a partir do tempo passado conjecturas sobre o tempo futuro, estão extremamente sujeitos, não apenas a tomar coisas acidentais, depois de uma ou duas ocorrências, por prognósticos de que o mesmo sempre ocorrerá no futuro, mas também a acreditar em idênticos prognósticos feitos por outros homens dos quais conceberam uma opinião favorável.
(...)
E é nestas quatro coisas, a crença nos fantasmas, a ignorâncias das causas segundas, a devoção pelo que se teme e a aceitação de coisas acidentais como prognósticos, que consiste a semente natural da religião. Essa, devido às diferenças da imaginação, julgamento e paixões de diversos homens, desenvolveu-se em cerimónias tão diferentes que as praticadas por um homem são na sua maior parte consideradas ridículas por outro.
in Leviathan, Thomas Hobbes
Todavia, depois de toda esta construção, Hobbes, previsivelmente e pelo que conhecemos do resto da sua obra, mas também paradoxalmente, acaba por dizer que as "(...) sementes foram cultivadas por duas espécies de homens. Uma espécie foi a daqueles que as alimentaram e ordenaram segundo a sua própria invenção. A outra foi a dos que fizeram sob o mando e direcção de Deus". Claro, assim tinha que ser, ou não estivesse Hobbes a sustentar e justificar política e idealisticamente o absolutismo monárquico de raíz cristã na Inglaterra do século XVII.
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