"- Eu prefiro continuar como simpatizante - o bichinho, a faca, a cobra. - Tenho algumas dúvidas, gostaria de estudar mais um bocadinho antes de me inscrever.
(...)
E se te inscrevesses naquele dia, Zavalita, pensa? O facto de seres militante ter-te-ia arrastado, comprometido cada vez mais, teria varrido as dúvidas e em alguns meses ou anos ter-te-ia transformado num homem de fé, num optimista, num outro obscuro puro heróico?
(...)
- Não foi horror ao dogma, foi um reflexo de menino anarquista que não quer receber ordens - disse Carlitos. - Foi que, no fundo, tinhas medo de romper com pessoas que comem e vestem e cheiram bem.
(...)
- Então foi espírito de contradição, vontade de encontrar três patas no gato sabendo que tem quatro - disse Carlitos. - Devias ter-te dedicado à literatura e não à revolução, Zavalita.
- Eu sabia que se todos se dedicassem a ser inteligentes e a duvidar, o Peru estaria sempre fodido - disse Santiago. - Eu sabia que eram preciso dogmáticos, Carlitos.
- Com dogmáticos ou com inteligentes, o Peru há-de estar sempre fodido - disse Carlitos. - Este país começou mal e acabará mal. Como nós, Zavalita.
- Nós os capitalistas? - perguntou Santiago.
- Nós os cacógrafos - disse Carlitos. - Havemos de rebentar todos deitando espuma, como o Becerrita. À tua saúde, Zavalita.
(...)
- Consola-te, a profecia não se cumpriu - disse Carlitos. - Nem advogado, nem sócio do Club Nacional, nem proletário nem burguês, Zavalita. Uma pobre merdinha entre uma coisa e outra, mais nada".
Conversa na Catedral, Mario Vargas Llosa
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