Era uma perfeita anomalia nos dias que correm. Um erro, um anacronismo. No tempo das stories, emojis, photo dumps, rooms with a view e tags em formato excitação-esquecimento (e como os artistas beneficiam dessa economia de promiscuidades...), a Palavra era a matéria que laboriosa, pacientemente, forjava no fogo. No seu recato, foi um dos grandes Poetas do nosso tempo que, por acaso, também rappava. Quando não estava a fazer música (concertos, muito poucos), liderava o New York Fire Department. Foi um dos homens na linha da frente no 11 de Setembro. Era bombeiro.
O pouco reconhecimento que teve, tardio (sobretudo a partir de "Honor Killed The Samurai"), fez-se com um conjunto de álbuns espantosos, difíceis, intrincados, exigentes, por vezes monótonos, mesmo para quem, como é o meu caso, era seu admirador. Até hoje, foi talvez o único rapper que me fez lamentar não ser fluente nas profundezas do inglês como na minha língua nativa.
Em 2020, escrevi sobre "Descendants Of Cain", um dos monumentais discos que deixou na última década. Tinha editado este ano "The Thief Next To Jesus" (sempre pela sua Iron Works Records).
É um pouco falho de sentido dizer que a música fica mais pobre com a sua partida porque, na realidade, quase ninguém lhe prestava atenção. Ao contrário de outros que a têm a todo o momento, o seu trabalho reverberará sem tempo.
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