(Dekalog, sześć, 1989, Krzysztof Kieślowski)
"Kieślowski (...) complementa a proibição de descrever os momentos íntimos da vida «real» precisamente com a ficção, com imagens «falsas» - nós não podemos mostrar «sexo real» ou momentos emocionais íntimos, mas os actores podem perfeitamente simulá-los, mesmo de um modo muito «realista» (...). A tese de Kieślowski será então, simplesmente, a de que o uso de uma máscara deve servir como uma espécie de escudo protector, como o sinal de respeito por aquilo que deve permanecer escondido? Ou então ele está perfeitamente consciente da dialéctica de «usar uma máscara»: a nossa identidade social, a pessoa que assumimos ser nas nossas trocas intersubjectivas, é já «uma máscara», envolve já o recalcamento dos nossos impulsos inadmissíveis, e é precisamente nas situações em que se trata «apenas de um jogo», em que as regras por que se pautam as nossas trocas na «vida real» se encontram temporariamente suspensas, que nos podemos permitir exibir estas atitudes recalcadas.
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Como prova desta dimensão, devemos evocar o sentimento estranho que sentimos quando vemos os documentários de Kieślowskii: é como se as pessoas (da vida real) desempenhassem literalmente o seu próprio papel (na vida real), criando uma estranha sobreposição de documentário e ficção, na qual uma pessoa «se interpreta a si mesma» (...). Quando em Night Porter's Point of View (1977), o porteiro de uma fábrica (...) insiste que «as regras são mais importantes do que as pessoas», não exibe imediatamente a sua postura íntima; é que, numa atitude reflexa, ele «desempenha o papel de si mesmo» (...). Foi para evitar este impasse que Kieślowski teve de se mudar para a ficção. Com efeito, quando filmamos cenas da «vida real» num documentário, temos pessoas a representar o seu próprio papel (...), pelo que o único modo de descrever as pessoas debaixo da sua máscara protectora é, paradoxalmente, fazê-las desempenhar directamente um papel, ou seja, passar à ficção. A ficção é mais real do que a realidade social de representar papéis".
Slavoj Žižek, Lacrimae Rerum, Orfeu Nefro, 2013, pp. 11-13.
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