A última Sopa de Planos é sobre jukebox e o meu plano de um dos filmes da minha vida (escolhi-o, em 2010, para a programação do velhinho Cineclube FDUP...). Para ler a Sopa toda, consultar aqui.
The Last Picture Show (A Última Sessão, 1971) é filme de uma coralidade imensa e no qual a música utilizada – a country e o folk americanos – serve de comentário permanente às cenas, umas vezes de forma explícita, outras de forma mais subtil. Ouvimos, por exemplo, “Cold, Cold Heart”, de Hank Williams, perfeitamente em linha com os corações dos homens e mulheres, velhos e novos, que habitam o filme de Bogdanovich, todos carentes e solitários, desesperadamente desejosos de uma chama que os aqueça mas já quase sem esperança (mesmo os corações dos mais jovens, como o de Sonny, numa contradição tão melancólica quanto todo o filme). “Cold”, também, porque, lá fora, o frio é muito, o vento não pára de assobiar e o calor da lareira não chega, é preciso outro tipo de calor (ou de fogo). O plano acima pertence a uma cena em que duas dessas lost souls se encontram e deixam, por uns instantes, de estar tão sozinhos, porque é irredutivelmente na comunicação, da mais profunda à mais corriqueira, que nos sentimos próximos uns dos outros, logo mais quentes, mais aconchegados. Enquanto come o prato que Genevieve lhe preparou, Sonny olha-a de alto a baixo (e… “mastiga-a” de alto a baixo), cheio de desejo (pelo seu corpo e pelo mito da “mulher mais velha” que ela carrega), e ela, com gosto, apercebendo-se disso mesmo, “apanha-o” olhando-o diretamente nos olhos (os olhos envergonhados de Sonny que fogem para a jukebox no plano acima), como quem diz “Hey Good Lookin’”, o título da música do mesmo Hank Williams que a jukebox insinua no ar. “(…) what ya got cookin’? / How’s about cooking somethin’ up with me?”, poderia ser a resposta musical-gastronómica de Sonny.
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