O ponto alto do dia do homem da farmácia dá-se pelas duas e dez, duas e um quarto da tarde. Almoça rápido num dos cafés das redondezas, um olho no prato (bitoque, escalopes, filetes, não é muito exigente) e outro na televisão, às vezes no Jornal de Notícias gasto e com as palavras cruzadas já preenchidas aberto em cima da mesa (lamenta-se sempre interiormente pelo facto de ser o Jornal de Notícias o único que existe, até preferia as crónicas das últimas páginas da Bola). Depois do café, paga a correr, pronto, o almoço já está, vamos lá, agora só tenho que abrir a farmácia às duas e meia, quanto tempo tenho?, ah, vinte minutos, sim senhor, vamos lá. Dirige-se para o carro, que estacionou de manhã perto da farmácia. Liga o rádio, 92.5 onde estás tu, aqui, isso, pronto. Abre ligeiramente as duas janelas da frente, uma nesga de cada uma chega, o que importa é que estejam abertas faça chuva ou faça sol. Abre o porta de luvas e tira-o de lá. Faz a cadeira deslizar um pouco para trás, recosta-se para encontrar o ponto de conforto exacto que conhece de todos os dias.
É neste momento que eu invariavelmente passo pelo carro, do lado do passeio, e o olho de livro na mão, compenetrado, raramente desviando o olhar, porque a curiosidade está toda dirrecionada para as linhas defronte. Invejo-o, inveja boa, partilho o prazer dele naqueles breves segundos e penso que quero que ele leia por muitos mais anos no intervalo do almoço.
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