A nova sopa de planos é agradavelmente nebulosa. O meu ingrediente vem das ruas de Filadélfia. Para ler aqui.
Não escolhemos este plano por ser o mais bonito de Creed (Creed: O Legado de Rocky, 2015). Na verdade, como alguém muito apaixonado que aproveita qualquer razão para falar sobre a pessoa amada, também nós nos aproveitámos do tema proposto (e das escassas nuvens que se vêem neste plano, lá ao longe) para voltarmos a Rocky, às ruas de Philly, à obstinação de Adonis, à porta de casa de Bianca às três horas da manhã com aqueles graves a estoirar e uma voz a sibilar “I like when you grip”. Não foi fácil, de facto, encontrar nuvens em Creed , mas quem disse que o amor era fácil? Adonis, depois do primeiro encontro com Rocky, e no fim de mais uma corrida pela cidade que ainda não conhece, passa pelo restaurante como quem não quer a coisa, como se estivesse só de passagem, ali ao virar da esquina. Sabemos – e Rocky também – que não é assim. Numa admirável mise en scène, Adonis insiste com Rocky para ele o treinar enquanto lhe dá uma ajuda a retirar os móveis da carrinha, enérgico e bem-disposto. Surge, logo aqui, a primeira manifestação do elo sinalagmático geracional e fraternal que marca todo o filme: eu ajudo-te na tua velhice (os móveis, primeiro; a doença, depois) e tu ajudas-me na minha juventude (os treinos, primeiro; a namorada, depois), pode ser? Ainda não será desta que Rocky se “renderá”, que voltará ao ringue, mas acede em dar-lhe algumas dicas, que regista no papel, não reparando que Adonis as reescreve, ao mesmo tempo, no smartphone. Despedem-se e Rocky entrega-lhe a folha, que Adonis rejeita, dizendo-lhe, já retomando o passo de corrida, que tem o que precisa no smartphone. “E se o perdes?”. “Já estão na cloud, não há problema!”. Rocky fica confuso: na cloud? Como assim? Olha para o céu, claro, e nós, espectadores, rimo-nos com gosto, com ternura. O mesmo gosto e ternura com que os olharemos no plano final acima (“raccord de quarenta anos entre um Stallone a correr fulgurantemente pelas escadas e o mesmo a precisar de ajuda para o fazer”, como aqui se escreveu), felizes e fraternos. Estão, já adivinharam, na cloud nine, ou, se preferirem… nas nuvens.
Sem comentários:
Enviar um comentário