domingo, 3 de julho de 2016

O que está por vir



Saí da sala como invariavelmente tenho saído dos filmes da Mia-Hansen Løve (como saí, por exemplo, do Éden, de que dei conta aqui): o coração mais apertado que sei lá o quê, a minha vida toda em retrospectiva, reavaliando escolhas e caminhos que tomei, pensando nas pessoas que tenho e nas que, por um motivo ou por outro, fui deixando de ter por perto. Ninguém, no cinema actual, me consegue tocar como ela o faz, uma melancolia imensa que, não sendo de todo miserabilista, é inevitavelmente incómoda e inquietante. E isso também pelo facto de os ambientes que ela capta me serem muito próximos afectivamente, desde logo o ambiente familiar, cujas personagens revejo no meu círculo mais próximo. Depois, pela atenção que presta a um mundo anacrónico, quase "em extinção" (que é também aquele em que eu cresci e continuo a apreciar), esse onde portáteis, smartphones e "redes sociais" estão ausentes (ou, pelo menos, onde não estão permanentemente presentes) e as relações humanas ainda se fazem daquilo que realmente importa: as palavras, os gestos, os afectos, um olhar, um abraço, um choro solitário e furtivo durante o fim de semana na casa de uns amigos. Um mundo onde as pessoas discutem, com gosto, ideias e livros à mesa enquanto jantam, onde os livros (e não são só os "livros", é tudo o resto, toda uma tangibilidade pré-digital: o papel, as páginas que os dedos viram, as letras em que podemos tocar ou reparar nas imperfeições da impressão) são os amigos que levamos para todo o lado, páginas que sublinhamos para nos lembrarmos desta ou daquela frase e para podermos mostrar a alguém de quem gostamos e que há pouco tempo nos deu a ler algo que agora ressoa novamente. Um mundo em que um momento de profunda tristeza não é sinal de catarse dramática alguma (como acontece na esmagadora maioria do cinema), mas um momento mais que será (tem que ser, não há outra forma) assimilado no dia a dia, na luta por uma vida, enfim, feliz (e há um excerto que Huppert lê aos seus alunos justamente sobre essa busca pela felicidade, que não, obviamente, nos termos agressivos e consumistas em que ela é actualmente vendida).

Løve é, para mim, definitivamente, a/o grande cineasta da sua geração e uma das maiores realizadoras/realizadores do cinema actual. O que está por vir? Não sei, mas que continue a filmar (e a escrever os seus filmes, convém lembrar) e a comover-nos por muitos e bons anos é o que eu desejo.

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