sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Que fazes tu aí, moreno. Diz-me que fazes tu aí se sabes tão bem ou melhor do que eu que esta noite já mais nada reserva para ti. Conservas ainda o olhar tolo e faminto, é isso que me dizes quando me olhas dessa ponta do bar? Ahhh moreno, não sei, duvido. Tens fome moreno, mas não é esta noite que ta vai satisfazer, sabe-lo bem. Não moreno: esta noite só trará outros tempos à tua cabeça, outros lugares onde a fome apertava mas era outra, e essa moreno, essa fome da tua terra, essa é satisfeita quer pelo dia quer pela noite; mas apenas pelo dia e pela noite da tua terra pardacenta.
Aqui, nesta terra que pisas nesta noite neste bar onde meneias a cabeça sorrindo sem pudor às mulheres que passam, só vais encontrar isto: pessoas que da outra ponta do bar onde te sentas te escrevem.
Mas eu fiz fortuna, amigo. Pois fizeste, moreno, mas isso não chega. Nesta terra de afortunados, quem é moreno fode-se, moreno, e por isso os tostões que te encasacam brilharão sempre mais do que o bonito cachecol que trazes ao pescoço. A inveja rói-os moreno, nada podes contra isso. Tu e o teu amigo têm pela frente uma noite de ânsia, prontos para salivar de cada vez que eh pá!, oh menina, bonita que é você, não lhe poder oferecer uma bebida? Não podes moreno, mas tenho pena, lamento-o.
Mas se voltar à minha terra, amigo, lá serei rei: então volta moreno, está na altura de abandonares estas noites longas em que te sentas ao balcão de copo na mão, procurando no ar a carne para a tua fome. A fortuna aqui não te traz nada: é suja e corre pelos ralos das ruas que eles pisam.
Eu agora vou-me embora moreno, é tarde. Ficas por aqui? Dir-te-ia que não, que não ficasses, que amanhã apanhasses o primeiro caminho para a tua terra. Mas olha moreno, se tiveres sorte e oportunidade para matar a fome então dir-te-ia que sim: trá-la, podem dormir em minha casa, saio cedo de manhã, tens água fresca na caneca branca e cigarros, são dos mais baratos, contrabando penso, mas também já os fumaste durante muitos anos da tua vida por isso não te deves importar. Sim moreno, agora também eu ando a fumar disso, sim pois, toca a todos.

1 comentário:

Anónimo disse...

muito bom! :)