terça-feira, 30 de setembro de 2014

Walsh #16 - Sopa de Planos e... novidades

 
 
Este mês, por manifesta falta de tempo, o meu contributo para o À Pala de Walsh resumiu-se à minha habitual participação na Sopa de Planos, não me tendo sido possível escrever, como gostaria, a minha crítica.
 
Bom, sendo assim, o saldo final é a escolha deste plano estupendo d'O Gebo e a Sombra (2012), o penúltimo filme de Manoel de Oliveira e o último que tive oportunidade de ver e amar. No meio desta autêntica "sopa de pedra", falo de estátuas, de Deus, do dinheiro, do Portugal de Raúl Brandão e do nosso (nosso e de Oliveira, por supuesto). Não deixem, então, de ler esta sopa mesmo aqui ao lado (clicar).
 
Entretanto, aproveito para anunciar, em primeira mão e com enorme satisfação, que, a partir de Outubro, as Conversas À Pala de Walsh (cfr. aqui) também se passarão a realizar, com o mesmo formato, no Porto, mais concretamente, no Teatro do Campo Alegre. A estreia acontecerá à boleia do ciclo que a Medeia Filmes dedicará, a partir de 30 de Outubro, ao grande Satyajit Ray. A breve trecho anunciarei aqui mais detalhes. Fiquem atentos.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

mais devagar

Já não via este senhor velhinho há muito tempo, talvez um ano. E, tal como da última vez que o vi, interpelou-me da mesma forma. Sentado no muro da entrada de uma casa, com um certo ar desorientado, olhou-me nos olhos e, com um ar muito sério, exasperado, indignado, até, disse-me: "Olhe lá, ande mais devagar!". Só isto. E eu, já na passada, envergonhado, a disfarçar o sorriso, o meu peito e o meu fato a encolherem. Não quero andar mais devagar, penso, mas, precisamente enquanto penso, enquanto me retenho naquela frase, metafórica até ao tutano, desacelero o passo. Talvez o velho não saiba - tenho quase a certeza que sim, há muita ironia naquela frase -, mas o que disse vai directo ao fundo de mim, provavelmente porque a vida que levo - acelerada - não é, nunca foi, a que imaginei que viveria. Não é coisa que me desagrade, mas sobre a qual não deixo de me interrogar, nem que seja para me confrontar comigo mesmo, para me apalpar e lembrar-me do Francisco que cresceu feliz em Requesende com o Papá e a Mamã, o Tiago Grande e o Senhor Cunha, mais tarde o Lucas.

I think I'll give her a call




"Give Her a Call", álbum Spirits (1994). Gil Scott-Heron.


"When I get back to my life
I think I'm gonna give her a call
She's been waiting patiently
For me to get myself together
And it touches something deep inside
When she said she'd wait forever
Because forever's right up on me now
That is, if it ever comes at all
And when I'm back to my life I think I'll give her a call"

domingo, 21 de setembro de 2014

saturday afternoon fever

Sábado, meio da tarde, toca a campainha. Estranho o facto, mas desloco-me para atender. Do outro lado, a senhora apresenta-se como Augusta, que está acompanhada pela Olímpia. Prefiguro duas senhoras nos seus 70 anos. Perguntam-me se podem fazer umas perguntas. Estou quase a a agradecer e a dizer que o produto - não sei sequer qual - não me interessa, mas, por simpatia, digo que sim.

"Acha que os mortos podem voltar a viver?"

Depois do impacto, penso em responder-lhes que sim, que me acontece de presenciar isso mesmo todas as semanas, em salas escuras com um um grande ecrã luminoso. Receio, no entanto, que não haja abertura nesse sentido (quem é o excêntrico, afinal?) e opto por uma resposta mais prosaica. "Olhe, à primeira vista, eu diria que não....". Dou especial ênfase ao à primeira vista. Do outro lado, recebo, como resposta, compreensão e uma citação da Bíblia -  "Mas sabia que, na Bíblia, ...".

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

feira do livro (3)

Vamos para a última curta, as cadeiras totalmente ocupadas, gente sentada e deitada nas escadas e nos varandins do auditório, e um dos presentes, numa louvável associação entre as condições térmicas que se fazem sentir e o défice cultural que ainda vitima a cidade, exclama bem alto: "ESTÁ MUITO CALOR! É PRECISO UMA CINEMATECA PARA PÔR ESTA GENTE TODA!". Ouvem-se palmas. Primeiro tímidas, depois um pouco mais exuberantes. Ainda assim, poucas, insuficientes. Uns segundos depois, novo ribombar: "ONDE ESTÁ A MASSA CRÍTICA?". No vai-não vai de novo pregão, e ninguém poderá afirmar que dali não podia nascer uma rebelião que só pararia já de madrugada no governo central, a curta começa. Sentados, siderados. Sai-se, fuma-se um cigarro, duas ou três impressões, casa. O cinema é o ópio do povo.

feira do livro (2)

Enquanto via as curtas do Pasolini, ouvi muita a gente a rir-se como o João Botelho dizia que a maioria das pessoas se ria nos filmes do César Monteiro. A frase torna-se mais inteligível se o "como" do riso for trocado pelo "quando", i.e., o(s) momento(s) em que ele (riso) se manifesta.

feira do livro (1)

Tive um brutal déjà vu enquanto via as curtas do Pasolini. Remeteu-me para outros Pasolinis (o que é normal), para Chaplin [mesmo antes da citação explícita, o que também é normal (não a citação, mas a minha remissão)], para Tati e, como sempre, para a primeiríssima vez que fui, pela mão do meu Pai, ao Nun'Álvares (ao cinema) ver o Jour de Fête. Mas mais do que isso: é a remissão para um certo humor primitivo (não confundir com primário), humilde, "rural" (na paisagem e no desprendimento dos mais simples), de desgraçados e pobretanas a lutar pela sua dignidade (se, como alguém disse, a felicidade não é alegre, a luta pela dignidade triste não é). A provar que a riqueza mais importante é, de facto, a de espírito.

Dizer que o cinema é assombração ou dizer que é déjà vu é uma e a mesma coisa.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

It's all a part of it


"It's All A Part Of Love", álbum It's All A Part Of Love (1970). Jackie Wilson.


Em resumo: uma bela, resignada e clarividente canção sobre it.