quinta-feira, 30 de julho de 2015

Artes Entre as Letras #2

O último número do jornal Artes Entre As Letras já está nas bancas. Na página 24, escrevo sobre O Homem Demasiado Amado (2014, Techiné), Táxi (2014, Panahi) e Tangerinas (2013, Urushadze). Bons filmes e boas leituras (para ler, basta carregar em baixo para ampliar e guardar).

O jornal suspende a publicação em Agosto e volta em Setembro.






o homem-massa

"No tengo preferencias políticas de ningún tipo" (clicar)

A ignorância involuntária, se não desculpa todos os casos, aligeira. A ignorância militante, quando junta Nunos e Marias e Pedros, permite que, por exemplo, tipos com bigodes famosos como os do século que passou tomem conta de países e tentem acabar com civilizações. Mas que se lixe, quem é que se preocupa agora com isso. O que interessa é sermos uma das dez economias mais competitivas do mundo, vamos lá. A China e a Índia que se cuidem.

mais ou menos assim

Acho que foi assim: o tipo era casado, o tempo matou o casamento e ele desapaixonou-se. Saiu de casa, deixaram de viver juntos. Conheceu outra mulher, sentiu-se jovem, renovado e, parece, voltou a apaixonar-se. Passou a viver com essa mulher. Passado uns tempos, a primeira mulher disse-lhe que era altura de tratarem definitivamente do divórcio. Foi ao telefone, ele estava entre duas reuniões e nem precisou de pensar muito: sim, claro, tratamos disso. Afinal, há já muito que fazia vida com outra pessoa, nem sequer sei porque não tratámos disso antes, claro, trata-se já disso. A primeira mulher foi muito diligente a tratar da burocracia, colocando os dois advogados em contacto e intermediando sempre que necessário, o que lhe facilitou muito a vida, porque tudo se passou durante uma fase de trabalho complicada no escritório. Melhor assim, pensou, fica já tudo despachado. Numa terça-feira qualquer desta vida, a primeira mulher telefonou-lhe, estava ele a fazer calmamente o jantar, só para lhe lembrar que seria amanhã o dia da assinatura da papelada. Oh, obrigado por me teres lembrado, sim, naturalmente, vemos-nos lá. No dia a seguir, foi ao escritório tratar duma coisa rápida e depois foi a correr para o escritório do advogado da mulher. Chegou atrasado, já lá estavam todos. Pediu desculpa, mas todos disseram que não havia problema, era só mesmo para assinar, mais cinco minutos menos cinco minutos, que importância fazia, entre cumprimentos de mãos e dois beijos à antiga mulher, que usava um vestido simples mas chique e que também tinha de se despachar para ir à faculdade levantar uns documentos para um congresso em Buenos Aires. Um dos advogados elogiou a cidade, havia estado lá nem fazia duas semanas, ah que bom, porque só vou ter um dia para o congresso e o resto para passear, acrescentou a mulher. Bom, sem mais delongas, vamos lá fechar isto, disse, com bonomia, o outro advogado, e sim, concordaram todos.  Sentaram-se os quatro e os advogados colocaram os papéis a circular. Várias folhas A4, perfeitamente alinhadas, à sua frente. Sentiu uma indisposição súbita no estômago. Pediu desculpa, mas tinha de ir à casa de banho, tinha vindo a correr. Saiu da sala de reuniões e foi à casa de banho. Telefonou à irmã e chorou como um menino. Estava nostálgico e não queria divorciar-se.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

ReB #4 Crítica: "10 Anos em Gaveta" (2015)



Novo artigo publicado no Rimas e Batidas, em crítica ao EP 10 Anos em Gaveta (2015), dos Subverso (Maze e Soma), trabalho que, como o nome indica, vem com... 10 anos de atraso (mas, nestas coisas, a música é como o vinho do Porto). Para ler aqui (clicar).
 
"(...) pouco tempo depois dos Dealema subirem, definitivamente, ao palco do hip-hop português (com aquele que ainda é, quanto a mim, o seu melhor álbum, Dealema, de 2003), Maze disponibilizava, no velhinho MySpace (!), uma faixa intitulada “Dá-me Um Sinal”, mais informando que a mesma integraria um EP a lançar em breve juntamente com o produtor Soma (à data, e ainda hoje, um desconhecido). Todos carregámos no play, curiosos e ansiosos: “Dá-me Um Sinal” era jazz e soul, mas também rap e funk; era sexo, mas amor em igual medida; era doçura e inocência a um tempo e charme e carnalidade a outro. Um dos melhores beats – disse-o na altura e mantenho – alguma vez compostos neste país. Era ainda, enfim, o relato de uma atracção num mundo “pequeno”, algo cada vez mais exótico num tempo em que todos os dias nos impõem à força que sejamos “globais” e que estejamos “à distância de um clique”.

(Excerto)


terça-feira, 28 de julho de 2015

Walsh #32 Do quadro e da pintura/The Wrong Man (Sopa de Planos)

 
 
Última sopa de planos no À pala de Walsh antes de férias, sobre quadros (clicar).
 
"Da mesma forma que a acção, em Hitchcock, pode ser espoletada simplesmente “porque sim”, através da verificação de um conjunto de factos que dispensa explicações, também o desenlace e a solução das tramas podem não ter qualquer fundamento plausível – esse, afinal, o registo MacGuffin tão caro ao Mestre inglês. Esta irrelevância ou indiferença pelas causas dos acontecimentos constitui, a bem dizer, uma das marcas do cinema de Hitchcock, muitíssimo visível, aliás, num filme como The Wrong Man (O Falso Culpado, 1957), título que, por sua vez, viria a cunhar, de forma literal, um dos temas hitchockianos clássicos. Se nunca sabemos o porquê do terrível azar de Henry Fonda em ser teimosamente confundido com o verdadeiro ladrão (essa a sua única culpa, a de ser demasiado parecido… com outrem), também nunca compreenderemos a razão para o processo empático através do qual, quando Fonda observa atentamente o quadro de Cristo, se dá, simultaneamente, o milagre, i.e., a acção que levará o verdadeiro ladrão a ser descoberto e preso. Novamente: porquê? O espectador não sabe e, mais importante, o próprio Hitch não sabe, nem quer saber, pois o que lhe interessa é a acção e o papel das personagens no decorrer desta. O milagre, esse, despido de qualquer justificação (afinal, é o que é, um milagre), não terá outro papel senão o de aproximar a culpa hitchcockiana da metafísica (de uma justiça divina, à míngua da terrena, tão falível?) num dos mais graves e austeros filmes da obra hitchcockiana".

domingo, 26 de julho de 2015


(A Most Violent Year, 2014, J. C. Chandor)

sábado, 18 de julho de 2015

no gimmicks



"Fake The Funk", álbum The Greay(t) Area (2015), HDBeenDope.

Ou, como se diz em bom português, hip-hop "sem truques". Boom bap puro e duro. Pegar ou largar. Shout out, y'all.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Walsh de parabéns



O À pala de Walsh celebra três anos e, como leitor (mais do que como colaborador), faço públicos os meus parabéns, cheios de entusiasmo e admiração porque quem o fundou e lá escreve. É, hoje em dia, e a anos luz do resto (exceptuando, naturalmente, o meio académico), a melhor plataforma a pensar e a escrever sobre cinema em Portugal - com profissionalismo e amor ao cinema em doses iguais. Parabéns, Walsh!


quinta-feira, 9 de julho de 2015

poemas, poemas

Numa aula de línguas, o Professor pede aos alunos que façam uns quantos exercícios, os quais se vêm a revelar francamente pouco úteis. Ao meu lado, um tipo janota, na casa dos quarenta, que passa as aulas a dizer que adora sentir "stress" e que abomina "preguiçosos" (consta que tem ascendentes germânicos), chuta esta frase lapidar a propósito dos ditos exercícios: "poemas, poemas...". À primeira, não compreendo e, por isso, olho-o com mais atenção. Ele esclarece-me: "poemas, não servem para nada!".

terça-feira, 7 de julho de 2015

televisão espanhola, sábado à noite, horário nobre






A isto se chama uma televisão que dá cartas. Que nenhum espanhol diga que não podia ter previsto determinado acontecimento!

quarta-feira, 1 de julho de 2015

mala noche



Foi uma noite curiosa.
 
Empaturrado de tapas na Plaza María Pita ("Pita" é mesmo apelido e não tem nada que ver com "piedade", mas, pelo que vem a seguir, gosto de pensar que sim), vi, pela segunda vez em Espanha, sozinho numa esplanada, Portugal perder uma final do campeonato da Europa (a outra foi em 2004, numa altura em que a Grécia, muito resolutamente, sem tempo para "negociações", olhava de cima para alemães, franceses e afins). Vi os penaltys na mais absoluta solidão, batendo palmas e berrando de cada vez que a sorte falhava à Suécia e sorria a Portugal. Quando o William Carvalho fez um passe para o guarda-redes sueco, quase fiquei, por momentos, de joelhos. Nesse preciso instante, no escuro anónimo da noite, umas misteriosas palmas ecoaram cheias de fúria, fazendo-me lembrar que, apesar de tudo, estava, ainda, em Espanha. No regresso ao hotel, numa rua completamente deserta, um senhor muito velhinho tocava lindamente, num órgão tão desgastado quanto ele, a "As Times Goes By", o que, além de me trazer, tão descontextualizada como justificadamente, a Ingrid Bergman desconsolada a olhar o vazio (o vazio?, mas como, se o seu passado é tão "cheio"?), fez uma súmula feliz de muitas coisas na minha vida (não só as futebolísticas). It's still the same old storyA fight for love and gloryA case of do or die.