sábado, 27 de fevereiro de 2021


(Bamako, 2006, A. Sissako)


O filme mais palavroso de Sissako, cineasta tradicionalmente atento ao vento e ao silêncio, arranca de uma estrutura de tribunal coral – a meio caminho entre o utópico e o não-tão-inexequível-assim – em que as instituições financeiras internacionais se encontram a ser julgadas pela sociedade civil, “We the People”, à conta dos danos históricos causados ao Mali e a África (pelo meio, um ainda mais inusitado, cómico também, "Western spaghetti-na-medina” exibido durante o serão na TV maliana, protagonizado por… Danny Glover). Um certo maniqueísmo (o advogado do Banco Mundial que exige o símbolo da Gucci nos óculos que compra na candonga…) que se vai instalando ao longo do filme encontra, todavia, um travão desde o primeiro momento, quando um auto-intitulado “criminólogo” de câmara na mão diz a Chaka: “Os rostos das pessoas quando falam… Isso não me interessa. Não existe verdade. Eu prefiro o mortos, são mais verdadeiros”. Nunca sairemos daqui, dessa reserva fundamental, mantra que, por isso, assombrará irremediavelmente as “verdades” clamadas por advogados e testemunhas, por mais ou menos justas, mais ou menos distorcidas ou simplistas, que soem. Outra forma, também, de dizer que os mortos – e particularmente os “mortos de África”, do colonialismo ao ciclo vicioso, perverso, da dívida – falam sempre melhor do que os vivos, “dizem tudo”, são a prova documental, cabal e acabada, de todo e qualquer “facto” ou “alegação”. Mesmo do que aqueles proferidos por populares que, numa adaptação do coro grego, interrompem o julgamento para intervir através de canções, poemas, ditos, enquanto o resto da população ora vai seguindo o julgamento com atenção, ora se enfastia e, distante dos elaborados argumentários em disputa, desliga os cabos das colunas que ecoam o julgamento pelas ruas...

Eis um inusitado “courtoom movie” cujo pleito, decorrendo no pátio de uma casa habitada por um casal (na verdade, casa do falecido pai de Sissako), vai sendo cruzado por outros pequenos litígios do foro familiar, doméstico, a História sempre perpassada pelas histórias (o espaço público pelo privado), pelo melodrama... Um casal prestes a separar-se: a mulher, cantora num bar nocturno, pretende voltar ao Senegal e o homem, acabrunhado e indiferente (passa as noites a ler um manual de Hebreu), exige ficar com a filha. A pistola do polícia presente no tribunal que desaparece; um tiro seco, suicida, imediamente a seguir ao plano da filha bela-adormecida… “A morte é melhor do que a vergonha”, ouvira-se, muito antes, a um dos advogados…




(The 39 Steps, 1935, A. Hitchcock)


Num filme tão marcado ainda pela despedida do mudo, de que a direcção de actores e o seu comportamento expressivo são exemplares (notável como os olhos “falam”, dizem tudo sem ruído, o movimento corporal de cada actor decisivo na aclaração de uma emoção ou na injecção de ambiguidade; como uns lábios podem desenhar desejo ou pavor e um meneio do pescoço, rápido e seco, impõe o ritmo à acção), há esse raccord de som-imagem extraordinário: uma mulher que, depois de ver a cena de um crime macabro, grita. Mas o grito é abafado - ou não (em rigor, o plano da mulher é mudo tout court, sem som, o que só favorece a estranheza da cena) - pelo apito estridente, vertiginoso, paranóico, do combóio no plano imediatamente seguinte (ambos, mulher e comboio, dispostos à direita do plano; à esquerda, o cadáver que não vemos e o escuro do túnel…).

Numa dessincronia imediatamente perturbadora, o som é colocado ainda no plano da mulher (ferramenta igualmente utilizada com os efeitos que se conhecem em Psycho), continuando depois a ser reverberado pelo túnel, uma segunda boca também ela virada para a câmara. O contrastante fumo branco a tornar tudo ainda mais nervoso, stressante; e o grito e o combóio que não param, nunca param, prontos a embater de frente nas personagens, no espectador…


... E, contudo, talvez esta sequência não passe, afinal, de um sonho da personagem que surge no último plano, dormindo....

soulful distance


A pandemia não entra aqui: fumo, blues, deboche, humores e amores frustrados, eis mais um excelente disco de um veterano que é também um goofy irresistível.

... E com toda a certeza que este The Dude, primo do do Grande Lebowski, apreciaria uma bela cachimbada nestas areias... "Soulful Distance" hoje no Y


Link: Há mais vida para além do trap no Sul dos EUA | Crítica | PÚBLICO (publico.pt)


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Algodão Doce


("Algodão Doce", Roke, Sinceramente Porto, 2020)


"Diz-me o instinto que um amor extinto
Vira algodão ou então labirinto
Eu minto quando digo: não te gramo
Este coração de pedra perde peso se te chamo
Nega tudo o que eu transmito, tanto fogo como água
P'a quê ser doutro mundo se é p'a ser de novo nada?
Eu nunca senti frio na verdade
Porque tu nunca saíste do outro lado da geada
Para quê jurar chama?
Se o pensamento é gelo e a nossa pele escama
O maior pesadelo nem é drama
A cova onde durmo guarda os sonhos de catana
Insano...
Insónias põem-se em fila indiana
Memórias dão-me vida momentânea
Mas máquinas do tempo são inúteis
Se é para viver p'a sempre sob condição humana

Quem dera que o chão não fosse duro
E fosse meu delírio ouvir gritos no escuro
Bizarro... Fazer bruços no fumo
É boiar sem destino e voar sem descuido, claro
Trocam-se olhares não maus-olhados
Se 'tamos a ver fantasmas me'mo com os olhos selados
Saudades? Algumas são ciúmes
Algumas semelhantes a tortura ou seis bagos
Que estrago, que estrilho, que história...
O nosso estilo sujo não é tratado como escória
A sério? A sério? A sério?!
Não somos números de série mas não voltemos ao zero
'Bora...
Se era p'a ser a princesa e o sapo...
De certeza que é mais tigresa e macaco
Não há roque e a amiga se levarmos saco

Amor nos mata, amar-te é mel
Amor nos salvará ou dirá à selva xau?
Se amor for ra-ta-ta, amar é click-clack-pow
Amor é arte? Nah! Amar é pôres-te a pau

Amor nos mata, amar-te é mel
Amor nos salvará ou dirá à selva xau?
Se amor for ra-ta-ta, amar é click-clack-pow
Amor é arte? Nah! Oh mia bella ciao"

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

meninos estão à janela... en attendant le bonheur








(Heremakono - En attendant le bonheur, 2002, Abderrahmane Sissako)

breathe and stop


(LP Amplified, 1999)



Greatest abstract mortherfucker in the game since ever... Fo real... and give it whatchugat

Elegance



Ken Burns, Wynton Marsalis, Albert Murray e mais deux ou trois choses... cronicada no Y de última sexta-feira


Link:

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021



(Ways of Seeing, 1972, J. Berger)


I hope *you*

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

notes to self

Siberia **
---------------------------
Happy Together (1997, Wong Kar-wai) ***
Boogie Nights (1997, P. T. Anderson) ***
Point Break (1991, Kathryn Bigelow) *
La ragazza con la valigia (1961, V. Zurlini) ***
La Notte Brava (1959, Mauro Bolognini) ****
Kiki - A Aprendiz de Feiticeira (1989, H. Miyazaki) ***
---------------------------
[séries]
Adult Material (2020, D. Shadforth) **
Fleabag (2016, Phoebe Waller-Bridge) ***
Jazz (2001, Ken Burns) ****


 

(Kiki - A Aprendiz de Feiticeira, 1989, H. Miyazaki)

a ronda da noite


(LP Motion, 1978, Allen Toussaint)


"Night people, hanging out
Looking at each other
Waiting for something to happen
While the day world is sleeping
Night people are creeping, hanging out
Looking at each other
When the day world stops moving
Night people start grooving, hanging out
Looking at each other
When the day bees stop buzzing
Night people start coming, hanging out
You don't get one thing
Without the other
We got to keep the world alive
If everybody went to sleep
At the same time
How'd we keep the world alive
Night people hanging out
Looking at each other
Waiting for soemthing to happen"

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Make it last forever!



(LP Ain't It Good Geeling Good, 1979, Eloise Laws)


Tanto groove, tanta emoção; nostalgia...

See you



(LP A Broken Frame, 1982, Depeche Mode)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

O que o dinheiro (não) compra





(La notte brava, 1959, M. Bolognini)



(La ragazza con la valigia, 1961, V. Zurlini)

 






 (Happy Together, 1997, Wong Kar-wai)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021



Brothers Lyrically Acting Combining Kicking Music Out On Nations… Ou, simplesmente, Black Moon: liderados por Buckshot, aquele que é um dos grupos definidores da golden age do hip-hop dos anos 90 voltou, após 13 anos de ausência, com o estupendo «Rise of Da Moon». Não peca por tardio porque, aqui, o Tempo é virtude.


Link:

Buckshot: ““One Nation” era o álbum com que Tupac queria unir toda a gente envolvida na rivalidade West Coast e East Coast” | Entrevista | PÚBLICO (publico.pt)

veni, vidi, vici



(LP Woman Overboard, 1977)