sábado, 9 de outubro de 2010

Nobel

gozam-nos quando dizemos que este é o livro da minha vida, é o meu livro preferido. gozam-nos porque temos 15, 20, 30, 80 anos de vida e uns tantos outros de leitura em que o porvir sempre fará a sua tarefa: mudar, baralhar, apagar, contradizer. certo. então eu corrijo e digo que "Conversa na Catedral", de Mario Vargas Llosa, é o livro dos meus 21 anos de vida neste sítio.

Pouco mais posso fazer do que repetir estas palavras a propósito de Vargas Llosa.
Conversa na Catedral é um livro extroardinário não só pelas realidades sociais e culturais que Vargas Llosa capta, não só por uma narrativa da existência humana de uma meiguice arrebatadora, não só pela construção de personagens densas e dotadas de uma força avassaladora perante as contrariedades da vida (e é neste "sobreviver" anti-miserabilista que me parece residir a influência existencialista de Sartre que todos lhe apontam), não só por um enredo magistralmente empolgante, mas também - e parece-me ser este um aspecto descurado quando se escreve sobre o novo nobel da literaura - por uma técnica narrativa absolutamente ímpar: Conversa na Catedral não é, na verdade, apenas um livro; é também um filme (sim, Cinema) na medida em que Vargas Llosa se mune de uma técnica que, pensava eu até então, só ser possível de utilizar na sétima arte. Estou a falar do discurso indirecto permanentemente entrecortado com diálogos em discurso directo ou da sobreposição de diferentes planos emocionais da personagem sobre a qual está a escrever. Neste último capítulo, há uma passagem particularmente boa: aquela em que durante uns bons parágrafos, Vargas Llosa escreve sobre a personagem (muito dura e misteriosa até final) de Cayo Bermúdez - quando este se encontra numa espécie de comício com as personalidades do regime - observando-o sob três perspectivas diferentes. O Cayo que está naquele momento a falar e preocupado em fazer um bom discurso; o Cayo que está a pensar na amante; e o Cayo amargurado (será mesmo isto?, nunca cheguei a entender claramente) afundado em comprimidos e suores frios. A forma como Vargas Llosa faz isto em Conversa na Catedral, além de revelador de uma mestria singular, cria no leitor uma tensão e ansiedade que não me recordo de sentir em qualquer outro livro.
Mas a técnica "cinematográfica" de Vargas Llosa está também na capacidade de ir saltando entre prolepses e analepses à medida que vai avançando na narrativa, oferecendo ao leitor uma perspectiva profundamente dinâmica, giratória, do que se está a passar, nisto residindo um dos segredos para deixar o leitor mais e mais preso ao livro.

Para mim, aquando da leitura de Conversa na Catedral, não obstante a qualidade do enredo/personagens/motivações/temáticas, o que me surpreendeu profundamente, o que me deixou estonteado, atónito, foi mesmo esta dimensão de tecnicista da palavra de Vargas Llosa.
Por tudo isto, não podia deixar de ficar muito feliz com este prémio e, ingenuamente, senti-lo próximo de mim.

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