Podemos perguntar-nos se esse tão nobre vício crítico - com raízes nos iluministas (ou até, mais remotamente, no famoso aforismo socrático) e plena consagração na pós-modernidade - de tudo questionar, de "pôr em causa", não conduz, frequentemente, em última análise, a um relativismo - do qual o "cultural" é o que mais carreira tem feito no meio académico - cujo produto acabado é o impasse absoluto e, pior, totalitário. Porque é disso que se trata, já que a tirania do "ter dúvidas", na medida em que faz da reflexão um novelo interminável e foge - de modo consciente e intelectualmente cobarde, muitas das vezes - às soluções reclamadas pelos homens, se pode revelar tão ou mais asfixiante que a daqueles que, por ortodoxia, estupidez ou preguiça, nunca perderam tempo a destapar as sombras do pensamento, bolsando sentenças irrevogáveis sobre os mais variados assuntos. Ali, a ausência de respostas fundada numa reflexão, numa dialéctica, que, saudável num primeiro momento, redunda, a final, num grau zero do pensamento-em-acção; aqui, a existência de uma (só) resposta pronta decorrentede uma irremediável carência (a do pensamento crítico).
É, de resto, da tão moderna apologia do "ter dúvidas" que resulta outra das modas epidérmicas da nossa contemporaneidade: a de que "mudar de ideias" permanentemente, sem um suporte intelectual fundamentado que acompanhe esse processo, é, só por si, sinal de inteligência (ou, o que é pior, de "modernidade" - seja lá o que isso for...), atirando o pensamento consistente e solidificado (que é diferente de ortodoxo) para a vala da vulgaridade ou mesmo da mediocridade. E já nem falamos na legimitidade - intelectual, a única que, para aqui, releva - que todo o pensamento ortodoxo continua, em todo o caso, a possuir, por mais que dele possamos (veementemente) discordar.
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