O tempo fê-lo perceber que o amor era, para si, a obsessão por um rosto. A obsessão infinita, abismal, pelo rosto de uma mulher e, sobretudo, a convicção, do tipo da que um homem sente apenas duas ou três vezes na vida como um raio que o racha ao meio, de que esse rosto, por mais vezes que fosse olhado, manteria a sua qualidade mais radical ("pura", outros dirão): a sua inesgotabilidade, a capacidade de ser uma porta permanentemente aberta para o mundo, para os sentidos, para o desejo. O amor era um rosto, uma folha em branco (e a candidez na alvura da pele de uma mulher condiz com a metáfora) escancarada para as coisas e para as palavras. O mistério e a neutralidade límpida que, numa mulher bonita, significam a serenidade e um certo desligamento solipsista em relação ao mundo.
Nestes casos, o amor não deixa de traduzir um certo egoísmo, pois que é, ou também é, para quem assim olha, uma hipótese: a hipótese de nunca nos cansarmos de um rosto. Só que esse rosto (a pessoa amada) não sabe dessa condição, não o pode saber, pelo que, para os que amam rostos (ou que começam por amar rostos), o amor se joga nessa fina aleatoriedade, nessa possibilidade futura de nunca se dar por encerrado um rosto, de nunca o ter por inteiramente conhecido, apreendido, controlado. Por isso, para si, a banalização que o passar do tempo costuma infligir no amor não partia tanto do olhar subjectivo de quem olha como da perda da expressividade desse rosto, e era nesse pressuposto que afastava o peso da consciência que de tempos a tempos se manifestava. A culpa era sempre desse rosto que se esgotava. Que secava.
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